Judô
Baku 2018
Rafaela Silva muda estilo de luta para o Campeonato Mundial de judô no Azerbaijão
No judô de alto rendimento, estudar os adversários tornou-se algo quase tão importante quanto os treinos diários nos tatames. Por isso, após o ouro no Rio 2016, Rafaela sabe que se tornou ainda mais visada pelas rivais. Ou seja: é hora de mudanças, que ela pretende aplicar no Campeonato Mundial de Baku, no Azerbaijão, com início no próximo dia 20.
"Eu estou treinando umas coisas novas. Todo mundo está acostumado com a Rafaela de 2016, que fazia Uchi mata (golpe de ataque que visa derrubar o rival por meio de um movimento de perna aliado ao giro do quadril), fazia revertida, que só espera para contra-golpear. Hoje, estou fazendo uns golpes um pouco mais agressivos. Estou trabalhando para tentar surpreender as adversárias", avisa.
"Estou treinando coisas novas. Todo mundo está acostumado com a Rafaela de 2016, que fazia Uchi-mata, fazia revertida, que só espera para contragolpear. Hoje, estou fazendo golpes mais agressivos para tentar surpreender as adversárias"
Rafaela Silva
Outro ponto que diferencia este Mundial dos outros disputados por Rafaela desde 2009, quando competiu no torneio sênior pela primeira vez, é o fato de que, por ter ficado afastada por conta da cirurgia que passou no cotovelo esquerdo em janeiro deste ano (leia abaixo), a brasileira sabe que poderá enfrentar rivais com as quais jamais lutou, o que acende um sinal de alerta.
"Eu fiquei um pouco afastada este ano porque passei por um procedimento cirúrgico. Então tem muita atleta que eu não segurei no quimono ainda e não sei como é. Tenho que ter um pouco mais de estudo no início da luta de alguma dessas atletas que possam cair na minha chave. Eu não sou cabeça de chave, então posso cair 'espalhada' no sorteio. Mas isso não impede um bom desempenho no Mundial. Eu ganhei uma Olimpíada e não era cabeça de chave. Isso não é uma coisa que me preocupa".
Assista à entrevista com Rafaela Silva
Lenda do judô
A carioca Rafaela Silva se transformou, naquele 8 de agosto de 2016, no Rio de Janeiro, no maior ícone do vitorioso judô brasileiro, modalidade que havia acumulado, até ali, 19 pódios em Jogos Olímpicos.
A medalha dourada na categoria peso-leve (até 57kg) na Arena Carioca 2, no Parque Olímpico da Barra, fez mais do que emocionar as milhares de pessoas que vibraram luta a luta com Rafaela, que ali conquistava o primeiro ouro para o Brasil nos Jogos Olímpicos do Rio.
Naquele dia, a menina negra, nascida na Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, se juntou aos campeões olímpicos Aurélio Miguel, Rogério Sampaio e Sarah Menezes e foi além ao se tornar a única atleta do judô nacional, entre homens e mulheres, a ter no currículo um ouro olímpico e um ouro no Mundial, conquistado três anos antes, ali mesmo, na capital fluminense.
Para um atleta em atividade, contudo, o sucesso tem que ser comprovado dia após dia. E, após as Olimpíadas, levou um tempo até que Rafaela subisse novamente ao lugar mais alto do pódio no circuito internacional.
Em 2017, a judoca conquistou um bronze no Grand Slam de Ecaterimburgo, na Rússia, e uma prata no Grand Slam de Abu Dhabi. Em 2018, veio o momento mais complicado: operada no cotovelo esquerdo em janeiro, a campeã olímpica se afastou das competições. Recuperada, só retornou à ação quatro meses depois, no fim de maio, no Grand Prix de Hohhot, na China, quando foi superada na segunda rodada pela jovem canadense Christa Deguchi, 22 anos, que acabou campeã.
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Quinta colocada no compromisso seguinte, no fim de julho, no Grand Prix de Zagreb, na Croácia, Rafaela brilhou em sua última competição, com o ouro conquistado no Grand Prix de Budapeste, em agosto. Agora, embalada por esse resultado, a judoca de 26 anos está confiante para o Mundial de Baku.
"A expectativa sempre é boa por estar representando o Brasil em mais um Mundial. Acabei de vir de uma competição em que fui campeã, então eu que isso pode pesar para as adversárias. Eu fiz três competições este ano e em uma fui campeã, voltando de cirurgia", ressalta Rafaela, atleta do Instituto Reação, no Rio de Janeiro, e beneficiada pela Bolsa Pódio.
Back number dourado
No judô, a identificação dos atletas, em inglês chamada de back number (número de trás, em uma tradução livre), tradicionalmente é azul. Mas, em 2014, a Federação Internacional de Judô passou a privilegiar os atuais campeões olímpicos e mundiais, distinguindo-os dos demais. Os campeões olímpicos usam back numbers dourados e os campeões mundiais, vermelhos.
No primeiro Mundial após o título olímpico, quando foi eliminada na estreia, em 2017, Rafaela confessa que sentiu um pouco ao ser apresentada como a campeã olímpica e que a distinção no back number pesou um pouco.
"No início do circuito, quando coloquei pela primeira vez o back number no quimono e quando fui anunciada para entrar para lutar, a gente via muitas pessoas aplaudindo. Era um pouco de responsabilidade, de pressão na luta por saber que o ginásio inteiro estava querendo ver e saber do desempenho de um campeão olímpico", recorda.
"Naquele Mundial, não passei da segunda rodada. Perdi para uma atleta que também foi medalhista olímpica (a portuguesa Telma Monteiro, bronze no Rio 2016). Mas, agora, comecei a parar de me preocupar com isso e me preocupar mais com o que está acontecendo dentro da área do tatame".
Outro aprendizado assimilado é não se deixar afetar por críticas ou por elogios. E o melhor caminho para isso é se manter longe das redes sociais. "Às vezes, a gente ganha e acha que está bem. Mas quando vai analisar a competição, porque eu sempre gosto de assistir às minhas lutas e de todas as minhas adversárias, a gente vê que ganhou uma competição mas a luta não foi tão boa. Eu sempre levo um pouco mais de bagagem. Estou disputando o Mundial desde 2009 e estou tentando disputar mais uma medalha. Tem esse aprendizado pós-ouro olímpico. A gente sabe da responsabilidade, das críticas quando não vai bem, dos elogios quando vai bem. Vai ganhar a competição quem fizer o melhor dentro do tatame e não nas redes sociais", ressalta.
Ansiedade após a cirurgia
A medalha de ouro conquistada em Budapeste em agosto não poderia ter vindo em melhor hora. Ao recordar os meses que passou em recuperação após a cirurgia no cotovelo, Rafaela fala com leveza sobre a ansiedade que experimentou e a espera que, para ela, parecia interminável.
"Foi um período difícil, porque eu nunca tive lesão séria. Mas também não foi nenhuma lesão fora do comum. O que passei foi mais uma limpeza no cotovelo. Às vezes, eu ficava em casa sentada, vendo televisão, colocava a série, acabava a série, não podia voltar a treinar, não podia estar no tatame e parecia que eu não iria poder voltar a fazer o que queria mais", recorda.
"Tinha aquela ansiedade e, às vezes, eu achava que o braço não estava ficando bom. Às vezes, achava que estava e ia fazer alguma coisa e sentia um pouco e vinha aquela coisa de pensar: 'Ah, não melhora nunca', e vinha essa preocupação", detalha.
"A expectativa sempre é boa por estar representando o Brasil em mais um Campeonato Mundial. Acabei de vir de uma competição em que eu fui campeã, então eu sei que isso pode pesar para as minhas adversárias. Eu fiz três competições este ano e em uma eu fui campeã, voltando de cirurgia"
"Foi um período muito difícil, de ficar alguns meses sem fazer nada. Mas, graças a Deus, deu tudo certo. Consegui me recuperar, voltei às competições e agora é trabalhar duro, porque no período que eu estava longe todo mundo estava treinando. Então, tenho que correr atrás, um pouco mais do que as adversárias, para chegar próximo do nível delas ou então ultrapassar um pouco para surpreender".
Nada de previsão
A campeã olímpica é otimista quando diz o que espera do time brasileiro em Baku. Mas evita falar sobre uma projeção de pódios no Azerbaijão. Na melhor campanha de sua história na competição, em 2013, no Rio de Janeiro, o Brasil conquistou sete medalhas. Além do ouro de Rafaela, subiram ao pódio Érika Miranda (-52kg/prata), Maria Suelen Altheman (+78kg/prata), Rafael "Baby" Silva (+100kg/prata), Sarah Menezes (-48kg/bronze), Mayra Aguiar (-78kg/bronze) e a equipe feminina, que ficou com prata.
"Eu acho difícil falar em contagem de medalhas. Todo mundo aqui está tentando fazer o melhor, todo mundo está tentando evoluir. Muitas vezes tem muitos atleta nas chaves. No ano passado, algumas categorias tinham mais de cem. É muita gente. Tem o desgaste psicológico, o desgaste físico, às vezes a gente fica estressado com a arbitragem, então tem muita coisa que pode acontecer", explica.
"Às vezes, a gente cai em uma chave que favorece mais. Às vezes, é mais difícil. Por isso é muito difícil falar em quantidade de medalha antes da competição começar. Mas estou otimista. Nós treinamos juntos, está todo mundo bem preparado e todo mundo vai com muita vontade. Tem muito atleta que almeja chegar a seu primeiro pódio em um Campeonato Mundial, tem muito atleta disputando a mesma categoria para ver quem é que vai representar o Brasil na próxima Olimpíada, em Tóquio 2020, então essa vai ser uma competição muito importante para todo mundo", encerra Rafaela.
Retrospecto do Brasil no Campeonato Mundial Sênior
» 7 Ouros
» 12 Pratas
» 25 Bronzes
» Total: 44 medalhas
Retrospecto do Brasil no Campeonato Mundial por Equipes Mistas
» 1 Prata - 2017, em Budapeste - Hungria
Todos os medalhistas do Brasil no Mundial Sênior
1971 (Ludwigshafen/GER)
Chiaki Ishii (-93kg/bronze)
1979 (Paris/FRA)
Walter Carmona (-86kg/bronze)
1987 (Essen /GER)
Aurélio Miguel (-95kg/bronze)
1993 (Hamilton/CAN)
Aurélio Miguel (-95kg/prata)
Rogério Sampaio (leve/bronze)
1995 (Tóquio/JPN)
Danielle Zangrando (-56kg/bronze)
1997 (Paris/FRA)
Aurélio Miguel (-95kg/prata)
Edinanci Silva (-72kg/bronze)
Fúlvio Myata (-60kg/bronze)
1999 (Birmingham/GBR)
Sebastian Pereira (-73kg/bronze)
2003 (Osaka/JPN)
Mario Sabino (-100kg/bronze)
Edinanci Silva (-78kg/bronze)
Carlos Honorato (-90kg/bronze)
2005 (Cairo/EGY)
João Derly (-66kg/ouro)
Luciano Corrêa (-100kg/bronze)
2007 (Rio de Janeiro/BRA)
João Derly (-66kg/ouro)
Tiago Camilo (-81kg/ouro)
Luciano Correa (-100kg/ouro)
João Gabriel Schilittler (+100kg/bronze)
2010 (Tóquio/JPN)
Mayra Aguiar (-78kg/prata)
Leandro Guilheiro (-81kg/prata)
Leandro Cunha (-66kg/prata)
Sarah Menezes (-48kg/bronze)
2011 (Paris/FRA)
Leandro Cunha (-66kg/prata)
Rafaela Silva (57kg/prata)
Sarah Menezes (-48kg/bronze)
Leandro Guilheiro (-81kg/bronze)
Mayra Aguiar (-78kg/bronze)
2013 (Rio de Janeiro/BRA)
Rafaela Silva (-57kg/ouro)
Érika Miranda (-52kg/prata)
Maria Suelen Altheman (+78kg/prata)
Rafael Silva (+100kg/prata)
Sarah Menezes (-48kg/bronze)
Mayra Aguiar (-78kg/bronze)
2014 (Chelyabinsk/RUS)
Mayra Aguiar (-78kg/ouro)
Maria Suelen Altheman (+78kg/prata)
Erika Miranda (-52kg/bronze)
Rafael Silva (+100kg/bronze)
2015 (Astana/CAZ)
Érika Miranda (-52kg/bronze)
Victor Penalber (-81kg/bronze)
2017 (Budapeste/HUN)
Érika Miranda (-52kg/bronze)
Mayra Aguiar (-78kg/ouro)
David Moura (+100kg/prata)
Rafael Silva (+100kg/bronze)
Luiz Roberto Magalhães - rededoesporte.gov.br