Judô
Baku 2018
Mayra Aguiar e a chance de fazer história no Mundial de judô do Azerbaijão
Quando o assunto é Campeonato Mundial sênior de judô, o Brasil, com 44 medalhas conquistadas desde 1971, tornou-se um país respeitadíssimo na competição. Naquele ano, Chiaki Ishii, com o bronze na categoria -93kg, iniciou a coleção de pódios brasileiros, em Ludwigshafen, na Alemanha. Hoje, o país soma sete ouros, 12 pratas e 25 bronzes no torneio, sem contar as cinco pratas e três bronzes no Mundial por equipes e a prata na recente disputa do Mundial por equipes mistas.
Mas entre todos os medalhistas brasileiros no torneio mais difícil da modalidade, uma se destaca acima de todos os outros: Mayra Aguiar, que, em 2018, tem a chance de fazer história.
"Eu vivo muito cada passo, um pedacinho de cada vez. Se eu parar para pensar: 'nossa, é um Mundial, eu posso fazer história com um tri', vou travar. Não tem como um atleta conciliar tudo isso"
Mayra Aguiar
Nascida em Porto Alegre, a judoca do Sogipa, de 27 anos, atleta da categoria -78kg e beneficiada com a Bolsa Pódio do Governo Federal, é a brasileira mais vitoriosa que o país já produziu em Mundiais. Foram nove medalhas até aqui (quatro na categoria júnior e cinco no torneio sênior), e a fome por pódios continua.
Entre 20 e 27 de setembro, o Brasil disputa, em Baku, capital do Azerbaijão, mais um Mundial sênior. Nele, Mayra terá a chance de se tornar, entre homens e mulheres, a única tricampeã do país na competição.
Até aqui, apenas ela e o também gaúcho de Porto Alegre João Derly conquistaram dois ouros. Ele foi campeão em 2005, no Cairo, e em 2007, no Rio de Janeiro. Ela brilhou em 2014, em Chelyabinsk, na Rússia, e em 2017, em Budapeste, na Hungria.
Esbanjando confiança e simpatia, Mayra, que também tem na conta duas medalhas olímpicas - foi bronze em Londres 2012 e no Rio 2016 -, fala com leveza sobre como controla a mente diante da chance de fazer história em Baku. "Na verdade, procuro não pensar muito nisso", diz. "Até porque nunca parei para analisar toda a minha história, o que aconteceu, o que deixou de acontecer. Eu vivo muito cada passo, um pedacinho de cada vez. Se parar para pensar: 'nossa, é um Mundial, eu posso fazer história com um tri', eu vou travar. Não tem como um atleta conseguir conciliar tudo isso", avalia.
"Então, eu mesmo tento tirar um pouco do glamour de tudo e focar no que tenho que fazer, no que faço todo dia. É mais uma competição, duríssima, mas é mais uma competição. Depois, quando passa, como foi com o bi, quando acabou a competição, eu cheguei em casa e pensei: 'nossa, hoje eu sou uma bicampeã mundial'. Aí dá para sentir essa coisa boa. Mas antes procuro não pensar", prossegue.
Quem a ouve falar assim pode até imaginar que Mayra pisa no tatame para ver no que vai dar. Jamais foi assim. E o recado que ela manda para as rivais não deixa dúvidas sobre suas intenções em Baku: "Meu objetivo, em qualquer competição que entro, sempre é subir no lugar mais alto do pódio", sentencia. "É uma competição muito importante, eu sei a relevância de conquistar um título mundial, então vou para esse Mundial com muita vontade mesmo. Eu sei o quanto é gostoso ganhar. Mas é duríssimo. Você pode entrar com até dois atletas em cada categoria (nos Jogos Olímpicos, cada país compete com somente um representante por categoria). Na minha categoria entram duas japonesas, duas francesas, que são a elite do judô. Então, é uma competição muito mais pesada do que qualquer uma, com todo mundo muito bem preparado", pondera.
O retrospecto em 2018 pesa a favor de Mayra. E isso só a deixa mais animada ao recordar seu desempenho na temporada. Este ano, ela conquistou as medalhas de prata no Grand Slam de Dusseldorf, na Alemanha, e no Grand Prix de Hohhot, na China, além do bronze no Grand Slam de Ecaterimburgo, na Rússia.
"Este ano foi muito bom para mim. Eu fiz quatro competições e medalhei em três. Então, estou em um ritmo bom, treinando bem, me sentindo bem. Estou com muita vontade e vou chegar com tudo para tentar conquistar esse tri. Vou dar o meu máximo para isso", avisa.
Assista à entrevista com Mayra Aguiar
Back number vermelho
Em 2014, ano em que Mayra Aguiar conquistou a primeira medalha dourada em um Mundial sênior, a Federação Internacional de Judô (IJF, na sigla em inglês) resolveu privilegiar os atuais campeões mundiais e olímpicos, que tiveram o privilégio de usar uma identificação diferente no quimono. Ao contrário dos demais lutadores, que tradicionalmente usam azul no back number (número de trás, em uma tradução livre), os campeões olímpicos usam a cor dourada e os campeões mundiais usam a cor vermelha.
"A gente acaba sendo bastante visada com um back number vermelho nas costas. Somos bastante estudadas. Então, acho que ter uma variedade de golpe, uma variedade de pegada, de repente chegar com uma coisa nova, é importante para surpreender"
Este ano, como mais uma recompensa pelo segundo título conquistado ano passado na Hungria, Mayra usará, pela primeira vez, o back number vermelho em um Mundial. E ela sabe que isso aumenta a atenção que receberá. Pensando nisso, já traçou uma estratégia.
"De visibilidade, minha expectativa é bastante grande. A gente acaba sendo bastante visada com um back number vermelho nas costas", reconhece. "Somos bastante estudadas. Então, acho que ter uma variedade de golpes, uma variedade de pegadas, de repente chegar com uma coisa nova, é importante para surpreender, porque fica muito marcada mesmo com as adversárias. Mas, assim como elas fazem, a gente também faz um estudo grande, treina pra caramba, e então é chegar tranquila".
Ser a atual campeã mundial, para Mayra, jamais será sinônimo de favorita. E em Baku, novamente, o plano é seguir um passo de cada vez. "Favoritismo é muito difícil ter numa competição dessas, porque tem muita mulher forte e cada hora muda o pódio. Tem que estar muito bem preparada, porque o nível realmente vai estar muito duro. Tem que ir desde a primeira luta como se fosse uma final".
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Eficiência em Mundiais
Nenhum outro judoca brasileiro subiu tantas vezes ao pódio em Mundiais sênior como Mayra Aguiar. A primeira conquista veio em 2010, em Tóquio, quando, com apenas 19 anos, ela avançou à final, mas acabou superada por aquela que viria a se tornar sua arquirrival, a norte-americana Kayla Harrison. Além dessa prata e dos dois ouros, a gaúcha tem no currículo dois bronzes, conquistados em 2011, em Paris, e em 2013, no Rio de Janeiro.
Assim sendo, qual o segredo para um desempenho tão excepcional em um torneio que todos admitem ser mais difícil até mesmo do que os Jogos Olímpicos?
"Eu acho que chego em uma competição dessas querendo curtir, sem aquela pressão, sem aquela coisa de ter que acabar logo. Eu acho que acaba dando certo por conta disso"
"Um fato é ter começado bastante nova", responde Mayra. "Entrei na Seleção Brasileira sênior com 14 anos. Muito nova eu já comecei a viajar, a pegar no quimono de mulher muito mais experiente. Então, aprendi na marra a ter que crescer e a lutar competição dura, com aquele nervosismo e adrenalina. Passar por tudo aquilo desde nova me ajudou bastante", continua.
A segunda parte da resposta vem do fato de que Mayra não enxerga um Mundial como algo pesado, como uma fonte de tensão. "Outra coisa é tentar levar mais leve essa competição. Tentar levar como se fosse um treinamento, tentar curtir aquilo. Porque eu acho que depois que passa, a gente vai lembrar: 'pô, como é que foi a sensação? Foi legal?'", questiona.
"Se ganhou, se perdeu, foi legal. Eu estava me divertindo, estava curtindo. Então, eu acho que chego em uma competição dessas querendo curtir, sem aquela pressão, sem aquela coisa de ter que acabar logo. Eu acho que acaba dando certo por conta disso".
"Mamãe" Mayra
Dos 22 atletas do Brasil que disputarão o Mundial em Baku, oito competirão pela primeira vez o torneio na categoria adulta. E para Daniel Cargnin (66kg), Rafael Macedo (90kg), Gabriela Chibana (48kg), Jéssica Pereira (52kg) e Beatriz Souza (+78kg), que farão suas estreias na categoria adulta, e também para Tamires Crude (57kg), Ellen Santana (70kg) e David Lima (73kg), convocados apenas para o torneio por equipe, contar com a experiência de Mayra Aguiar, Rafaela Silva & cia. na equipe é algo que traz, ao mesmo tempo, tranquilidade e inspiração.
Para Mayra, falar sobre como ela tenta ajudar os novatos no Mundial é um exercício que a faz viajar no tempo e lembrar de todos aqueles que a ajudaram quando ela estava nesta posição dentro da seleção brasileira.
"A gente acaba sendo meio mãe. É engraçado a gente passar para esse lado, pois quando eu era mais nova eu tive muito disso, né?", diz a bicampeã mundial. Em seguida, ela passa a enumerar algumas pessoas que a ajudaram na caminhada.
"Edinanci, Priscila Marques, que hoje é nossa fisioterapeuta, Daniele Zangrano, Daniela Ponzin, a própria Rosi (Rosicléia, técnica da seleção feminina), que estava sempre ali com a gente, Vânia Ishii... Eu tive muita gente para me espelhar e para poder ser como elas, para correr atrás junto, e elas sempre como mãezonas. Então foi muito bom para mim", agradece.
"E agora eu poder fazer esse papel, de poder ajudar, de dar aquela força, é muito gratificante. É um ciclo que a gente vai passando e o judô brasileiro vai crescendo. A gente está com uma equipe realmente sensacional, a titular muito forte e a base também muito forte", elogia.
Fé no time brasileiro
Desde 2013, quando o Brasil atingiu seu melhor desempenho no Mundial sênior, com sete medalhas conquistadas (seis no individual e uma por equipe), repetir ou superar esse feito tem sido um desafio. Para 2018, Mayra está confiante para Baku e elogia o time que estará com ela defendendo o Brasil no Azerbaijão.
"Sou otimista e acredito nessa equipe. Acredito que todos os que estão indo têm chances reais de medalha", afirma. "A gente está com uma equipe forte, já experiente. Tem atletas que ainda não participaram de mundiais (sêniors), mas que já competiram bastante fora. A CBJ (Confederação Brasileira de Judô) está fazendo um trabalho legal de poder levar essa garotada que começou agora para competir, para pegar em quimono estrangeiro. Então, a gente está chegando com uma equipe boa e eu tenho certeza de que a gente vai trazer medalhas para o Brasil", encerra a bicampeã mundial.
Retrospecto do Brasil no Campeonato Mundial Sênior
» 7 Ouros
» 12 Pratas
» 25 Bronzes
» Total: 44 medalhas
Retrospecto do Brasil no Campeonato Mundial por Equipes Mistas
» 1 Prata - 2017, em Budapeste - Hungria
Todos os medalhistas do Brasil no Mundial Sênior
1971 (Ludwigshafen/GER)
Chiaki Ishii (-93kg/bronze)
1979 (Paris/FRA)
Walter Carmona (-86kg/bronze)
1987 (Essen /GER)
Aurélio Miguel (-95kg/bronze)
1993 (Hamilton/CAN)
Aurélio Miguel (-95kg/prata)
Rogério Sampaio (leve/bronze)
1995 (Tóquio/JPN)
Danielle Zangrando (-56kg/bronze)
1997 (Paris/FRA)
Aurélio Miguel (-95kg/prata)
Edinanci Silva (-72kg/bronze)
Fúlvio Myata (-60kg/bronze)
1999 (Birmingham/GBR)
Sebastian Pereira (-73kg/bronze)
2003 (Osaka/JPN)
Mario Sabino (-100kg/bronze)
Edinanci Silva (-78kg/bronze)
Carlos Honorato (-90kg/bronze)
2005 (Cairo/EGY)
João Derly (-66kg/ouro)
Luciano Corrêa (-100kg/bronze)
2007 (Rio de Janeiro/BRA)
João Derly (-66kg/ouro)
Tiago Camilo (-81kg/ouro)
Luciano Correa (-100kg/ouro)
João Gabriel Schilittler (+100kg/bronze)
2010 (Tóquio/JPN)
Mayra Aguiar (-78kg/prata)
Leandro Guilheiro (-81kg/prata)
Leandro Cunha (-66kg/prata)
Sarah Menezes (-48kg/bronze)
2011 (Paris/FRA)
Leandro Cunha (-66kg/prata)
Rafaela Silva (57kg/prata)
Sarah Menezes (-48kg/bronze)
Leandro Guilheiro (-81kg/bronze)
Mayra Aguiar (-78kg/bronze)
2013 (Rio de Janeiro/BRA)
Rafaela Silva (-57kg/ouro)
Érika Miranda (-52kg/prata)
Maria Suelen Altheman (+78kg/prata)
Rafael Silva (+100kg/prata)
Sarah Menezes (-48kg/bronze)
Mayra Aguiar (-78kg/bronze)
2014 (Chelyabinsk/RUS)
Mayra Aguiar (-78kg/ouro)
Maria Suelen Altheman (+78kg/prata)
Erika Miranda (-52kg/bronze)
Rafael Silva (+100kg/bronze)
2015 (Astana/CAZ)
Érika Miranda (-52kg/bronze)
Victor Penalber (-81kg/bronze)
2017 (Budapeste/HUN)
Érika Miranda (-52kg/bronze)
Mayra Aguiar (-78kg/ouro)
David Moura (+100kg/prata)
Rafael Silva (+100kg/bronze)
Luiz Roberto Magalhães - rededoesporte.gov.br