Atletismo
ESGRIMA
Valentina Vezzali: O adeus de uma lenda do florete e do esporte mundial
No mundo da esgrima feminina, nenhuma outra atleta na história se destacou tanto quanto a italiana Valentina Vezzali. Mas o nicho da esgrima é restrito, muito restrito, para dar a real dimensão dos feitos da atleta. Na lista das recordistas de medalhas de ouro em Jogos Olímpicos de Verão, a especialista no florete aparece entre as heroínas do esporte, com lugar garantido entre as sete maiores de todos os tempos.
Mesmo as lendas, contudo, um dia atingem seus limites. E o de Valentina chegou no Rio de Janeiro, onde ela disputou, nesta terça-feira (26.4), aos 42 anos, a última competição, o Mundial por Equipe de Florete Feminino, que fez parte do evento-teste da esgrima para os Jogos Olímpicos Rio 2016.
Nascida na cidade de Jesi, em 14 de fevereiro de 1974, Valentina tem no currículo incríveis seis medalhas de ouros em Jogos Olímpicos, além de dois bronzes e uma prata. Foram três triunfos no florete individual e outros três no florete por equipe, o que faz dela a quarta maior campeã olímpica de todos os tempos, empatada com a nadadora alemã Kristin Otto e com a nadadora norte-americana Amy Van Dyken, que também têm seis ouros na conta. Acima delas aparecem apenas a ginasta tcheca Vera Caslavska, com sete ouros; a nadadora norte-americana Jenny Thompson, com oito medalhas douradas, mesmo número da canoísta alemã Birgit Fischer-Schmidt; e, finalmente, a ginasta russa Larisa Latynina, maior campeã da história dos Jogos Olímpicos, com nove medalhas de ouro.
As nove medalhas conquistadas em Jogos Olímpicos por Valentina Vezzali fazem dela, ainda, a maior medalhista da esgrima na história da competição e, de quebra, seus três ouros no individual, arrebatados em Sydney 2000, Atenas 2004 e Pequim 2008, a colocam como uma das cinco únicas atletas de todos os tempos e em todas as modalidades a ter conseguido conquistar três ouros em três edições seguidas em competições olímpicas individuais.
Ninguém até hoje conseguiu quatro ouros seguidos em diferentes edições olímpicas entre as mulheres no individual. Em esportes coletivos, entretanto, a jogadora de basquete norte-americana Lisa Leslie obteve essa proeza, tendo participado das equipes que faturaram o ouro em 1996, em Atlanta, e nos Jogos de 2000, 2004 e 2008.
Apesar do peso de todos os feitos de Valentina Vezzali, quase ninguém pôde acompanhar a despedida da lenda dos esportes, já que o evento desta terça-feira não foi aberto ao público. E, por se tratar de uma modalidade ainda pouco conhecida no Brasil e, portanto, com pouco apelo midiático, nem mesmo a imprensa compareceu. Assim, ao conversar com os jornalistas na zona mista após a premiação, quando recebeu a medalha de prata, o que elevou sua coleção de pódios de Campeonatos Mundiais para incríveis 27 premiações – das quais 16 foram de ouro, sete de prata (incluindo a do Rio) e 4 de bronze – Valentina contou um pouco do que sentia a dois jornalistas. Nada que abalasse seu bom humor e sua humildade.
“Eu me sinto bem”, disse, sorrindo, ao ser perguntada como se sentia após ter disputado sua última competição. “Não ganhamos o ouro, ficamos com a prata, mas para mim foi como uma vitória. Eu e minhas companheiras demos o máximo e elas me apoiaram bastante. Então, foi importante para mim encerrar a carreira aqui”, continuou Valentina Vezzari
Para a super campeã olímpica, o palco dos Jogos Rio 2016 está ótimo e ela se empolgou com as pistas montadas no inovador formato de “X” na Arena Carioca 3, no Parque Olímpico. “O lugar é muito bonito e acho que em agosto, quando começarem os Jogos, tudo vai estar perfeito. As Olimpíadas são um momento mágico e, aqui, com as pessoas de todo o mundo apoiando os atletas, será fantástico”.
A italiana lamentou que o florete por equipes no feminino não tenha feito parte do programa dos Jogos Rio 2016. Pelas regras do Comitê Olímpico Internacional (COI), o número máximo de pódios para a esgrima em Jogos Olímpicos são 10 premiações (ou seja, 30 medalhas, somando ouro, prata e bronze). Como a modalidade tem 12 categorias (espada, sabre e florete individual masculino e feminino e as equipes das três armas nos dois gêneros), há um rodízio a cada Olimpíada nas equipes. Para a competição no Brasil ficaram de fora justamente o time feminino do florete e o masculino do sabre. É por isso que a italiana não teve a chance de disputar as últimas Olimpíadas no Rio de Janeiro. “Se o florete por equipes tivesse disputas nessas Olimpíadas, talvez eu encerrasse a carreira nos Jogos do Rio. Mas isso não foi possível, já que essas são as regras”, declarou.
Apesar disso, ela não descartou desembarcar na capital fluminense em agosto para acompanhar de perto as disputas da esgrima. “Talvez eu venha para ver as competições e apoiar o time italiano. Mas não para competir. Na vida eu digo que é importante fazer escolhas e agora tenho outro caminho. Eu terminei a carreira como atleta e começo outra vida. Espero ter sucesso como tive na esgrima”.
Indagada sobre como se sentia ao olhar para trás e ver tudo o que conquistou, Valentina foi simples. “Eu me sinto realizada, mas não costumo olhar para trás e sim para frente. Portanto, sinto uma emoção grande e espero poder fazer pelo esporte um pouco de tudo o que ele fez por minha vida”.
Renzo e Taís
Em casa, Valentina Vezzali conheceu dois atletas brasileiros em especial, Renzo Agresta, classificado para os Jogos Olímpicos do Rio no sabre individual, e Tais Rochel, do florete, que treinam na Itália.
“Eles foram treinar na Itália porque a escola italiana é uma das melhores do mundo na esgrima. Taís tem demostrado ser muito profissional e eu treinei com ela. Espero que ela possa se desenvolver tecnicamente e espero que possa se classificar para os Jogos Olímpicos. O Renzo também é muito profissional, tem melhorado bastante e já está garantido nos Jogos, o que é muito bom”, declarou Valentina.
Futuro na política
Encerrada a carreira na esgrima, a italiana contou que pretende continuar atuando no esporte, mas não como treinadora. A ideia é seguir na esgrima de uma outra forma, transmitindo tudo o que aprendeu às demais atletas. O problema será encontrar tempo, já que Vezzali tem outra carreira à qual se dedicar: a política. Ela é deputada na Itália e ainda tem mais dois anos de mandato para cumprir. “Acho importante continuar no esporte para o desenvolvimento da esgrima, mas não como técnica”, afirmou.
Ela contou que, enquanto treinava, dedicou os últimos dois anos aos trabalhos parlamentares e, portanto, tinha que treinar cedo pela manhã e, depois das funções de deputada, à noite, o que era cansativo, uma vez que ela ainda tem de cuidar dos dois filhos, Pietro, de 10 anos, e Andrea, de 3.
O mais velho pôde assistir à despedida no Rio de Janeiro e se disse orgulhoso por ter como mãe uma lenda do esporte, embora tenha confessado que a modalidade não é a sua preferida. “Eu não pratico esgrima”, declarou. “Jogo futebol e sou goleiro. Comecei na esgrima e parei, porque não gosto”, disse com a sinceridade natural das crianças, o que arrancou risadas de Valentina. “Mas sou orgulhoso da minha mãe e quando ela vai para as finais eu sinto uma emoção muito grande”, afirmou. Emoção que deixará saudade nos amantes da esgrima que puderam ver Valentina Vezzali em ação.
Do Rio de Janeiro – Luiz Roberto Magalhães – brasil2016.gov.br