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Geral

10/11/2018 11h20

Madri 2018

Final de Vinicius Figueira materializa um sonho de 16 anos de torcedora paranaense

Edneia Carvalho prometeu a si própria que um dia assistiria a um Mundial de Caratê na Espanha. O projeto virou realidade, com direito a um pupilo da academia dela na decisão

Edneia Carvalho não está entre os 26 atletas da delegação que representa o Brasil no Mundial de Caratê, em Madri. Não veste quimono no vestiário, não ajusta a faixa nos bastidores, não ouve preleções dos técnicos e não entra no tatame. Mas nem mesmo Vinicius Figueira, que disputa neste sábado (10.11) a final da categoria -67kg contra o francês Steven Acosta, enxerga a competição na Espanha com um caráter de sonho realizado tão intenso quanto a paranaense de 53 anos, nascida na zona rural de um município de 15 mil habitantes chamado Assaí, no Paraná.

Vinicius e Edneia no Wizink Center: respeito e admiração mútuos. Foto: Abelardo Mendes Jr/rededoesporte.gov.br

Meio escondida, num canto vazio da parte superior da arquibancada para 15 mil pessoas do Wizink Center, ela não larga a bandeira brasileira. Acompanha diariamente o campeonato. Curte cada luta. Está ali realizando um sonho que começou a ser construído após assistir a uma fíta de videocassete 16 anos atrás. "Um atleta da academia chegou lá com um vídeo. Era um Mundial disputado na Espanha. Tudo era maravilhoso, lindo. Eu pensei: "Um dia ainda vou assistir a um Mundial. E tem de ser na Espanha. Vou realizar esse sonho", prometeu a si própria.

"Ver o Vinicius, aluno nosso, disputando uma final e realizando um sonho que não é só meu, mas de um país inteiro, só quem está aqui para saber"
Edneia Carvalho

O que ela não imaginava é a quantidade de brindes que viriam no pacote construído pouco a pouco, na base de caderneta de poupança, e deixando de lado a vontade de arrumar um carro mais novo que o Fusquinha derrubado que usa para levar e trazer a mãe e os sobrinhos. "Ele ainda serve bem", brincou. E não se arrependeu.

Na Espanha, viu um menino a quem acompanhou desde garoto, quanto tinha nove anos, atingir a melhor performance de sua carreira. Viu ele fazer isso no evento mais importante da história da modalidade, com mais de 1.400 atletas, de 136 países inscritos. E no meio do ciclo em que o esporte se tornou olímpico, sonho antigo de todos os que praticam a modalidade.

"Ver o Vinicius, aluno nosso, disputando uma final e realizando um sonho que não é só meu, mas de um país inteiro, só quem está aqui para saber", afirmou. Para baratear custos, ficou hospedada na casa de amigos que tem na capital espanhola. Até domingo, o foco é todo no Mundial. Na semana seguinte, vai passear pela cidade e aproveitar a primeira viagem à Europa.

Edneia, como ela define, é "casada com o caratê". Não tem filhos. Vive em função da modalidade há 33 anos, em torno de uma academia que a família Oguido criou e consolidou em Londrina. Foi lá que ela se apaixonou pela modalidade. Em especial, pela filosofia da arte marcial, que costuma combinar com inclusão social, sociabilidade, saúde e valores cidadãos. Praticou durante anos, chegou à faixa preta, ganhou títulos estaduais e foi vice-campeã brasileira. Como não pôde fazer educação física na faculdade, já que na época o pai a desestimulou por considerar ser um ramo pouco promissor, fez administração de empresas. Hoje, é funcionária da academia.

Edneia com a camisa da academia que representa há 33 anos: 'casada com o caratê'. Foto: Abelardo Mendes Jr/rededoesporte.gov.br

"Na verdade, entrei lá pela primeira vez porque era perto de casa. Eu morava na Zona Rural. Fui para a cidade estudar, fazer cursinho e faculdade. Sempre amei esportes. No sítio corria nos campos. Joguei handebol na escola. A academia era perto. Entrei, fiz a matrícula e estou até hoje", resumiu. "O caratê entrou na minha vida e enraizou. O esporte em si, a filosofia, as amizades. É minha segunda família".

"Eles olham para o Vinicius como espelho. A humildade dele conta muito. Quando acaba essa história aqui, ele volta lá para o nosso dojô, treina perto dos meninos que estão lá"

Emoção olímpica

Como muitos na modalidade, ela viveu intensamente os muitos anos em que o esporte era tratado como "de segunda classe", restrito a Mundiais e Jogos Pan-Americanos. Sem chancela olímpica. Por isso, chorou quando soube que o esporte iria estrear em Jogos Olímpicos em 2020, no Japão, e se emocionou novamente na conversa com a reportagem ao resgatar o momento.

"Para nós, uma geração de 30 anos em torno desse sonho, que passamos por todo o processo, é uma conquista enorme. Como amante do caratê, como atleta, como pessoa que ajuda a administrar uma entidade. Enxergamos aí uma dimensão de ajudar muitas crianças e adolescentes a sonhar alto também. É o intuito maior", afirmou.

Edneia enxerga a modalidade num prisma de referências que se retroalimentam. Viu, lá atrás, Vinicius Figueira surgir como talento nato para lutas, ainda que tivesse dificuldade nos exames de faixa. "Ele sempre foi bom de luta, se sobressaía mesmo, mas na parte do kata era complicado. No exame de faixa, o atleta tem de mostrar que aprimorou as técnicas, os diagramas", lembrou.

Segundo ela e Vinicius relatam, em meados de 2012 o paranaense viu na tevê o brasileiro Douglas Brose, bicampeão da modalidade, lutando no palco suspenso das finais do Mundial de Paris. Ali, Vinicius jurou que faria de tudo para estar na mesma posição. Transformou a ideia em fato. Foi bronze no Mundial de 2014. Disputou e perdeu o bronze em 2016. E agora, em 2018, estará na final da sua categoria. Com isso, segundo Edneia, deixou de ser o menino que persegue ídolos. Passou a ser referência aos que estão vindo.

"Ela vive o caratê com uma intensidade que é difícil de ver por aí"
Vinicius Figueira

"O atleta abre mão de muita coisa, mas quer estar ali. Lá em Londrina tenho exemplo recente, o Gabriel, que só foi para o primeiro torneio porque tínhamos um quimono para dar para ele. Hoje, está em Brasileiros. Ele olha para o Vinicius como espelho. E o Gabriel é só um deles. Há vários outros. A humildade do Vinicius conta muito. Quando acaba essa história aqui, ele volta lá para o nosso dojô, treina perto dos meninos que estão lá. Claro, tem o alto rendimento e as competições, mas sempre volta para casa", disse.

Para Vinicius, Edneia é símbolo de uma relação de afetividade incomum. "Ela vive o caratê com uma intensidade que é difícil de ver por aí. É amor mesmo. Gosta de verdade", afirmou. "Eu a conheci na academia. Ela disse para mim: Cuida bem do Vinicius. Ele é como um filho para mim", contou a vice-campeã mundial Valéria Kumizaki, namorada do atleta brasileiro. "Ela é uma amante do caratê", completou.

Infográfico - Mundial de Caratê Madri 2018

Galeria do Mundial de Caratê no Flickr do Ministério do Esporte: imagens disponíveis em alta resolução para uso editorial gratuito (crédito obrigatório: Abelardo Mendes Jr/ rededoesporte.gov.br)

Kumite - Mundial de Caratê Madri 2018

Gustavo Cunha, de Madri, na Espanha - rededoesporte.gov.br