Geral
Madri 2018
No Mundial mais importante, Vinicius Figueira carimba vaga no "palquinho" da final
Vinicius Figueira é do tipo "na dele". Engenheiro agrônomo de formação, não perde uma chance de relaxar no sítio da família, em Fênix, município de 4 mil habitantes a duas horas de Londrina (PR), no interior do Paraná. Não é exatamente fã de holofotes, microfones ou ostentações. Troca fácil tudo isso por um churrasco com os parentes. Mas tem um palco, um específico, com o qual ele mantém relação de afetividade de longa data. Um cenário suspenso, de piso emborrachado, reservado apenas às performances dos melhores do planeta.
"Tem uma história sobre isso. Em 2012, eu estava assistindo na TV ao Mundial de Caratê e vi o Douglas Brose lutando no palquinho. O palco é o local das finais, um tablado diferente, que eles montam mais alto só para as disputas de medalha. Eu me lembro de que corri, abracei a TV e falei para o sensei: 'É lá que quero estar'", afirmou o atleta.
"Em 2012, eu estava assistindo na TV ao Mundial de Caratê e vi o Douglas Brose lutando no 'palquinho'. O palco é o local das finais, um tablado diferente, que eles montam mais alto só para as disputas de medalha. Eu me lembro de que corri, abracei a TV e falei para o sensei: "É lá que quero estar"
Vinicius Figueira
A frase teve tom profético. Nos três mundiais seguintes, a cada dois anos, Vinicius subiu no tal palco. Em 2014, na Alemanha, na primeira vez que participou, conquistou a medalha de bronze. Dois anos depois, na Áustria, chegou novamente à disputa do bronze, mas ficou com a quinta posição.
Em 2018, o tíquete para o 'palquinho' veio recheado de bônus e simbologias. Vinicius garantiu pela primeira vez na carreira a vaga na final de um Mundial Sênior. Fez isso na edição mais disputada de todos os tempos. A categoria dele, para atletas de até 67kg, tinha nada menos que 98 atletas, de 98 países. Foram seis lutas para selar a vaga na decisão. A chave era complicada. No caminho, superou três adversários do top 20. E o londrinense de 27 anos, segundo do ranking mundial, fez isso no evento que mais pontos vale na corrida que define os primeiros atletas olímpicos da modalidade.
"Hoje, quando acordei e vi o sorteio, pensei: Que chave difícil, me sacanearam", brincou. "Agora, fico com a sensação de que todo o trabalho que a gente fez deu certo. Eu já tinha lutado com vários dos atletas que enfrentei hoje. Já tinha vencido e já tinha perdido. Nas primeiras lutas, que eram teoricamente um pouco mais fáceis, fiquei nervoso, lutei até pior. Mas nas mais importantes, contra atletas top, consegui administrar isso e lutar com calma, jogar da forma correta", contou o atleta.
No caminho até a final, Vinicius deixou para trás na estreia o belga Jess Rosiello. Vitória apertada, pelo placar de 1 x 0. Na sequência, encarou o polonês Milosz Sabiecki, número 49 do mundo. Venceu por 2 x 0. O terceiro duelo era imprevisível, diante do húngaro Yves Martial Tadissi, quarto do ranking mundial e medalhista de bronze na Premier League do Japão, disputada em Tóquio, em outubro. Vinicius se impôs e aplicou um 4 x 0.
Depois, outro adversário complicado nas oitavas de final. O brasileiro fez uma luta super equilibrada contra o egípcio Ali Elsawy, campeão da etapa da Premier League de Rabat, no Marrocos, em abril, e sexto do ranking mundial. Foi a primeira vez que Vinicius sofreu um ponto na competição. Chegou a estar perdendo por 1 x 0, mas achou forças para a virada e encerrou a disputa por 2 x 1.
Nas quartas, outra complicação: Abdel Rahman Almasatfa, da Jordânia, é o número 20 do mundo. Venceu a etapa de Santiago do Chile da Série A do circuito mundial, em setembro. Vinicius achou a vitória em um só golpe: 1 x 0. Na semifinal, disputa sul-americana, contra Camilo Velozo, do Chile, e vitória brasileira de virada, por 3 x 1.
A decisão será no sábado (10.11), a partir das 18h40 (15h40 de Brasília), no ginásio Wisnik, na capital espanhola. O adversário será o francês Steven Dacosta. "Ele é um dos tops da categoria. Nunca lutamos um contra o outro. Nunca aconteceu. Quando um ganha, o outro perde. Conheço bem ele. Sei o que faz, o que não faz. Vai ser uma honra, é um atleta muito bom. Acho que é uma final justa, com dois atletas de alto nível", disse Vinicius.
"Fizemos um estudo detalhado dos adversários. Passamos várias noites estudando. Sabíamos o que cada um fazia. E ele absorve muito bem. É a pessoa certa, no lugar certo, na hora certa"
Ricardo Aguiar, técnico
Leve mudança tática
Nas muitas conversas com o técnico Ricardo Aguiar na fase final de preparação, Vinicius e o treinador resolveram fazer um breve ajuste na tática do brasileiro. Conhecido por "partir para cima" dos rivais, Vinicius adotou uma postura mais conservadora, de esperar um pouco mais pelos adversários durante o Mundial.
"Ele tem naturalmente uma característica ofensiva. Tínhamos sete lutas até a final. E todo mundo espera ele atacar. Conversamos e falamos: 'Vinicius, você poderia segurar um pouco mais'. E funcionou. Fizemos um estudo detalhado dos adversários. Passamos várias noites estudando. Sabíamos o que cada um fazia. E ele absorve bem. É a pessoa certa, no lugar certo, na hora certa", definiu o treinador, que conhece o atleta desde as categorias de base da seleção brasileira.
Equipe e cueca da sorte
Antes da decisão, Vinicius volta ao tatame convencional do ginásio nesta quinta-feira (8.11) para a disputa por equipes. Até a final, espera conseguir ter o descanso muscular adequado. O que não abre mão é de usar um amuleto "infalível".
"Vou me dedicar ao máximo para conseguir outra medalha na equipe. No intervalo, vou descansar. Tenho de lavar a cueca da sorte, porque é imbatível. Ela é até meio rasgada, porque uma vez lavei para lutar uma final e sequei com secador. Acabou queimando. Mas minha mãe costurou e está tudo bem", brincou.
"Tenho de lavar a cueca da sorte, porque é imbatível. Ela é até meio rasgada, porque uma vez lavei para lutar uma final e sequei com secador"
Vinicius Figueira
Além da disputa por equipes no kumite, a quinta-feira reserva espaço para a competição do kata por equipes e das categorias paralímpicas, para cadeirantes, deficientes visuais e pessoas com deficiência intelectual.
Sertanejo e apoio familiar
Estar no "palquinho" da final reserva um outro potencial privilégio e uma indumentária especial para os finalistas. Usualmente, os atletas entram no ginásio ao som de uma trilha sonora que indicam. E os treinadores abandonam o uniforme de seleção e adotam um tom mais formal. "Ele certamente vai escolher um sertanejo, pode apostar", antecipou o técnico Ricardo Aguiar.
"O que sei é que meu técnico vai estar de terno. Usar o terno é sinônimo de finais. Eu ainda não tenho música, não me disseram se posso escolher, mas sou fã de Fernando e Sorocaba, de Henrique e Juliano. Sou do interior do Paraná e tenho raiz sertaneja. É o tipo de música de que gosto de aquecer para entrar, que me motiva, me faz feliz", reforça o atleta.
Flickr do Ministério do Esporte: imagens disponíveis em alta resolução para uso editorial gratuito (crédito obrigatório: Abelardo Mendes Jr/ rededoesporte.gov.br)
Aconchego afetivo
A parceria entre Vinicius Figueira e Valéria Kumizaki é tão intensa que a atleta, vice-campeã do mundo em 2016 e atual quarta colocada do ranking mundial, nem se deu ao trabalho de sentir demais a eliminação na primeira rodada do Mundial. A derrota diante da sérvia Dina Durmis na bandeirada (decisão dos árbitros), após placar em 0 x 0 na estreia, doeu menos diante da performance do namorado.
"Perdi na primeira luta para a menina da Sérvia. É uma menina que não tem resultados expressivos no circuito, mas foi duro, na bandeirada: 3 x 2 para ela. Eu estava me sentindo bem. A chave estava boa. Estava preparada, mas o golpe não encaixou. No fim, estou feliz demais pelo Vinicius. É a hora dele. Uma hora esperada, que a gente sonha tanto", afirmou a atleta, uma torcedora de arquibancada aos moldes da mãe de Thiago Pereira, da natação. Grita, incentiva, indica os golpes, os caminhos. "Só falo para ele ficar ligado e focado o tempo todo. Fico gritando. Mas ele já sabe. Fez ótimas lutas", comentou.
"No fim senti o pé, sim, mas nada que tire o mérito do adversário, que foi superior. A ideia agora é voltar para o Brasil e verificar o quanto esse "acelerar a recuperação" pode ter interferido e o que preciso para ficar 100%"
Douglas Brose
Dupla perda para Brose
Bicampeão mundial, inspiração declarada de Vinicius para chegar aos tops e um dos principais nomes da história do caratê, Douglas Brose viveu uma maratona para estar no Mundial de Madri. Depois de lesão grave no tendão calcâneo da perna esquerda em maio, na semifinal dos Jogos Sul-Americanos de Cochabamba, na Bolívia, o atleta passou por cirurgia, fisioterapia, fortalecimento muscular, voltou aos treinos em tempo recorde e tentou atingir o ápice da forma para a competição. Não foi suficiente.
Na primeira rodada, o brasileiro superou o chinês An Boxiang por 2 x 1, mas não conseguiu passar da segunda luta. Diante de Arrosyiid Rifky Ardiansyah, da Indonésia, Brose foi superado pelo mesmo placar. Quando estava em adversidade no placar, chegou a sentir novamente dores na perna esquerda, mas, segundo ele, não foi essa a diferença.
"No fim senti o pé, sim, mas nada que tire o mérito do adversário, que foi superior. Infelizmente, fiquei quase cinco meses parado (três sem treinar e cinco sem competir). Fiz tudo o que deu para fazer em um prazo curto, após uma lesão e cirurgia desse grau. Agradeço a toda a equipe que me ajudou na recuperação e reabilitação. A ideia agora é voltar para o Brasil e verificar o quanto esse 'acelerar a recuperação' pode ter interferido e o que preciso para ficar 100%", disse o atleta.
A pressa de Douglas tem a ver também com o fato de que ele trava uma disputa fora dos tatames com Vinicius Figueira pela vaga olímpica. Nos Jogos de Tóquio, os primeiros da história do caratê no programa, as categorias -60kg (de Douglas) e -67kg (de Vinicius) serão unificadas. Cada país pode enviar apenas um representante. O primeiro critério de definição das vagas é o ranking mundial em março de 2020. Os dois melhores de cada categoria têm vaga assegurada. O Mundial de Madri tem relevância especial no cenário porque é o evento que entrega maior pontuação para o ranking no ciclo. Douglas, que abriu o ano na liderança de sua categoria, caiu para quinto com a lesão. Vinicius abriu o Mundial em segundo.
"O resultado aqui, em pontuação no ranking, é como colocar um pé na Olimpíada. E ganhar uma medalha olímpica não é um sonho distante. Com dez atletas, você já entra com 10% de um pódio. E são quatro medalhas, com dois bronzes. Chegar lá é que é muito difícil. Aqui é muito mais complicado", comentou o treinador.
Outros brasileiros
Alem de Douglas, Valéria e Vinicius, outros três brasileiros entraram no tatame do Mundial nesta quarta-feira, mas foram eliminados nas primeiras lutas. Jéssica de Paula Linhares chegou a ter na mão a classificação para a segunda fase. Ela sofreu a virada para Gu Shiau-Shuang, de Taiwan, no fim da luta na categoria -50kg. A brasileira vencia por 2 x 1 e faltavam cinco segundos. Para se defender, partiu para o ataque, mas sofreu uma queda e levou um golpe no rosto quando estava no chão: três pontos e vitória da rival por 4 x 2.
Willians Quirino foi o primeiro representante brasileiro no segundo dia de competições. Ele estreou na segunda rodada da categoria -75kg contra Walid Guezmil, da Tunísia, mas não conseguiu imprimir seu jogo e foi superado por 4 x 0. "Eu estou retornando à Seleção depois de um período em que dei mais ênfase à carreira de ator. Acho que senti mesmo a falta de ritmo, não consegui achar a distância mais adequada", afirmou Quirino.
A jovem Stéphani Trevisan, de 21 anos, fez duas boas lutas. Na estreia, superou a finlandesa Emma Aronen na abertura da categoria até 61kg, por 1 x 0. Na sequência, enfrentou Aseel Alnaimi, da Jordânia num combate equilibrado, que terminou empatado, em 1 x 1. No caratê, contudo, leva vantagem quem faz o primeiro ponto, e a jordaniana seguiu em frente.
Gustavo Cunha, de Madri, na Espanha - rededoesporte.gov.br