Natacao paralímpica
Natação
Com Wendell, Gabriel Bandeira e Carol Santiago, Brasil leva ouro, prata e bronze na natação
A Seleção Brasileira de natação preencheu os três lugares do pódio em provas diferentes nas finais nesta sexta-feira, 27.08, no Centro Aquático de Tóquio. Dois talentos da nova geração e uma presença recente no movimento paralímpico feminino renderam um ouro, uma prata e um bronze ao país. Com o resultado, a natação brasileira já soma nove pódios em Tóquio desde o início das provas, com dois ouros, duas pratas e cinco bronzes.
"Posso dizer que todos os sonhos que eu tinha para cá foram concretizados. Melhorei minha melhor marca em provas oficiais e ganhei o ouro de bandeja em minha primeira prova e na minha primeira Paralimpíada. Está tudo tão perfeito que ainda preciso dar uma digerida”
Wendell Belarmino
Wendell Belarmino foi o responsável por promover mais uma execução do Hino Nacional na capital japonesa. Campeão mundial dos 50m livre em 2019 da classe S11, para cegos totais, em Londres, o brasiliense de 21 anos repetiu a dose em Tóquio. O atleta vem namorando a casa dos 25 segundos e chegou muito perto de sua meta: cravou 26s02 para conquistar a medalha de ouro em sua primeira participação em Jogos Paralímpicos.
“Acho que essa prova começou de manhã. Eu já estava me sentindo bem no aquecimento para a qualificação. Pensei em nadar forte, mas segurar um pouquinho para dosar energia. Segurei e foi o tempo que queria para me classificar para a final”, comentou. No intervalo, ouviu do técnico e do especialista em biomecânica os ajustes de que precisava para brigar pela medalha.
“De tarde, no aquecimento, eu já estava me sentindo cinco vezes melhor. E aí pensei: vou fazer o que puder. Vou me divertir acima de tudo. Eu sempre falo que esporte é tipo brincadeira de criança no nível profissional: ‘vamos ver quem chega primeiro do outro lado’", comparou. Mesmo não sendo exatamente fã das raias centrais, fez uma prova quase perfeita na raia 5.
"Geralmente falo que prefiro nadar na dois, na seis, na sete, para não ficarem me olhando, mas dessa vez a raia cinco deu bom. Na prova, senti meu adversário na raia quatro, e vi que precisava de um gás final. Forcei um pouco a mais e, na batida de mão, deu para ouvir a galera do Brasil gritando. Aí não tive dúvida de que tinha conquistado o ouro”, relatou. Na classe 11, os atletas nadam com um óculos de lentes pretas para que não haja vantagem competitiva entre nenhum dos competidores com deficiência visual.
Wendell adora praticar voos em túneis de vento. Utiliza o lazer para melhorar sua percepção corporal e centralizar seu nado nas provas que disputa "no escuro". A técnica lapidada permitiu que ele atravessasse a piscina sem deslocamentos laterais para as raias. A prata ficou com o chinês Hua Dongdong, com 26s18, e o bronze com o lituano Edgaras Matakas (26s38). Na mesma prova, o catarinense Matheus Rheine terminou na sexta posição, com 27s26.
"Posso dizer que todos os sonhos que eu tinha para cá foram concretizados. Melhorei minha melhor marca em provas oficiais e ganhei o ouro de bandeja em minha primeira prova e na minha primeira Paralimpíada. Está tudo tão perfeito que ainda preciso dar uma digerida. Depois que passar a agitação, quietinho no meu canto, vou pensar direitinho em tudo. Nem sei o que vou fazer ao certo", comentou o atleta, que tem glaucoma congênito e, em consequência, menos de 5% da visão preservada.
Nos passos de Scheffer e Borges
"Foi uma prova muito forte. Eu e o britânico nadamos para baixo do recorde mundial. Estou feliz demais. Treino bastante para fazer a prova do meu jeito e não deixar que os outros interfiram"
Gabriel Bandeira
A prata da tarde foi de Gabriel Bandeira. O jovem paulista de 21 anos já tinha sido o responsável pelo primeiro ouro brasileiro em Tóquio, nos 100m borboleta da classe S14, e desta vez caiu na piscina para os 200m livre. Ele conquistou o segundo lugar numa prova de alto nível técnico, em que os dois primeiros baixaram o antigo recorde mundial, estabelecido pelo britânico Reece Dun no Mundial de 2019, em Londres: 1min52s96. O ouro ficou para o próprio Reece, que cravou agora 1min52s40. Gabriel fechou em 1min52s74 e o bronze ficou para Viacheslav Emeliantsev, com 1min55s58.
"Foi uma prova muito forte. Eu e o britânico nadamos para baixo do recorde mundial. Estou feliz demais. Treino bastante para fazer a prova do meu jeito e não deixar que os outros interfiram. Eu defini uma estratégia de aproveitar bastante a parte submersa e a cada 50 metros ir crescendo. Quando deu 150m, eu vi o britânico na minha frente e pensei: 'Ah, vou dar tudo o que tenho para ganhar dele'. No final, pesou bastante, mas o resultado foi bom", avaliou Gabriel, que saiu da piscina com seu melhor tempo em provas oficiais da distância.
Gabriel sente o esforço físico demandado pelos 200m, mas gosta do caráter estratégico da prova que consagrou nomes como Fernando Scheffer nos Jogos Olímpicos de Tóquio, e que tem como principal ícone nacional o também medalhista olímpico Gustavo Borges. "É uma honra medalhar em uma prova que me põe junto com esses grandes nomes. Gosto bastante de nadar essa prova pela estratégia que faço, de buscar no final e ondular bastante. Agora é trabalhar para cada vez mais chegar ao topo", disse.
Bandeira chegou a Tóquio com um currículo recente convincente, com ouros nos 100m borboleta, 100m peito, 100m costas, 200m medley, 100m e 200m livre, todos conquistados no Campeonato Europeu de Funchal, em Portugal, em 2020.
Ele competia na natação convencional desde os 11 anos. Após algumas dificuldades de evolução nos treinamentos, foi submetido a testes e ficou constatada uma deficiência intelectual. Em 2020, participou da primeira competição na natação paralímpica, quando quebrou quatro recordes brasileiros. No início do ano, bateu seis recordes das Américas.
Firme no top 3
Maria Carolina Santiago foi responsável por abrir os trabalhos da natação nas finais desta sexta, e o fez com o bronze nos 100m costas. O tempo de 1min09s18 foi o melhor já registrado pela atleta pernambucana de 35 anos. O ouro ficou com Hannah Russel, da Grã Bretanha (1min08s44), seguida por Daria Pikalova, do Comitê Paralímpico Russo (1min08s76).
"O meu técnico sempre me manda passar muito forte nos primeiros 50m. Eu de fato passei muito chutada, porque a gente tinha um preparo para voltar. Acreditei nisso e foi exatamente o que fiz. O resultado foi a melhor prova da minha vida nos 100m costas"
Maria Carolina Santiago
"Já acordei pensando em como faria essa prova. O meu técnico sempre me manda passar muito forte nos primeiros 50m. Eu de fato passei muito chutada, porque a gente tinha um preparo para voltar. Acreditei nisso e foi exatamente o que fiz. O resultado foi a melhor prova da minha vida nos 100m costas e acredito que toda a equipe está muito satisfeita", comentou a atleta, que concedeu a entrevista ainda ofegante em função do grande esforço físico demandado pela prova.
"Eu tenho isso de deixar tudo na piscina. O programa de provas aqui é bastante extenso, mas todas as vezes que vocês conversarem comigo eu vou estar assim, ofegante mesmo, depois da prova", disse a atleta, que se consolida no top 3 da prova, já que tinha sido vice-campeã mundial na distância. "O Mundial foi uma coisa. Aqui é completamente diferente. Nunca tinha visto na vida essa atmosfera, com todos muito bem preparados. A minha classe é muito forte. Por isso eu queria tanto essa medalha".
Maria Carolina pratica a natação desde os quatro anos de idade, mas só começou a competir na natação paralímpica em 2018. De lá para cá, conquistou quatro pódios no Parapan de Lima, no Peru, e foi campeã mundial em 2019 nos 50m e 100m livre, além de conquistar uma prata exatamente na prova que disputou nesta sexta em Tóquio. A atleta nasceu com síndrome de Morning Glory, alteração congênita na retina que reduz seu campo de visão.
Outros resultados
Dono de três medalhas nos Jogos Paralímpicos de Tóquio e de 27 em sua coleção pessoal desde os Jogos de Pequim 2008, Daniel Dias ficou fora do pódio desta vez. O nadador paulista encerrou a final dos 50m borboleta na sexta colocação. A prova teve um pódio completamente chinês. O ouro com direito a novo recorde mundial ficou com Tao Zheng, com 30s62, seguido por Lichao Wang (31s81) e Weiyi Yuan (32s). Daniel fechou a distância com 36s56.
Na última prova do dia, as brasileiras Esthefany Rodrigues e Joana Neves representaram o país na final dos 50m borboleta da classe S5 feminina. Em uma prova na qual a primeira e a segunda colocada quebraram o recorde mundial, Lu Dong, da China, venceu com 39s54, e a espanhola Marta Infanta, que é da Classe S4, nadou na categoria acima e ficou em segundo, com 40s22, recorde mundial de sua categoria. O bronze foi para outra chinesa, Jiao Cheng, com 43s04. Joana terminou em quarto lugar, com 45s33, e Esthefany completou o percurso em sétimo, 46s49.
Classificação
As categorias têm início com a letra S (swimming). Para a definição da classe física, o nadador é avaliado por meio de testes motores, de força muscular e mobilidade articular. Os atletas com deficiência visual são submetidos a exames para verificação da acuidade visual e assim entram em uma das três classes disponíveis: S11 para cego total, S12 e S13 para baixa visão. Nas classes de 1 a 10, quanto maior o grau de comprometimento, menor o número da classe. A classe 14 é para atletas com deficiência intelectual.
Investimento
Dos 36 convocados para a seleção brasileira de natação paralímpica em Tóquio, 32 são atualmente contemplados pelo Bolsa Atleta, programa de patrocínio individual do Governo Federal Brasileiro. O investimento direto nesse grupo, no ciclo entre os Jogos Rio 2016 e Tóquio 2021, foi de R$ 12,9 milhões, garantido via Secretaria Especial do Esporte do Ministério da Cidadania.
Dos 32 bolsistas, 29 integram a categoria Pódio, a principal do programa, voltada para quem se qualifica entre os 20 melhores do mundo em sua modalidade. A categoria Pódio prevê repasses que variam de R$ 5 mil a R$ 15 mil mensais de acordo com os resultados esportivos dos atletas.
No ciclo dos Jogos de Tóquio, o Ministério da Cidadania investiu R$ 28,38 milhões na natação paralímpica por meio do Bolsa Atleta. Entre 2017 e 2021, foram concedidas 986 bolsas em todas as categorias para os atletas da modalidade.
Gustavo Cunha, de Tóquio, no Japão – rededoesporte.gov.br