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Judô

25/09/2018 08h01

Baku 2018

Em busca do tri olímpico, Teddy Riner segue a trilha do japonês Tadahiro Nomura

Com dez títulos mundiais e dois olímpicos, francês deixa Mundial de Baku de lado para pensar somente em Tóquio 2020 e tentar igualar o lendário judoca japonês que era seu ídolo

O ano era 2006 e, em Hamburgo, o japonês Tadahiro Nomura, já consagrado devido às medalhas de ouro que havia conquistado nos Jogos Olímpicos de Atlanta 1996, Sydney 2000 e Atenas 2004, se encontrava em uma competição de judô quando um jovem francês, então com 17 anos, se aproximou. Ali, Nomura já era, e ainda hoje é, uma das maiores lendas de todos os tempos dos tatames por um motivo simples: ele segue como o único tricampeão olímpico que o judô já produziu, entre homens e mulheres.

O jovem francês olhou para Nomura com enorme admiração e respeito. Daí para frente, é o próprio tricampeão olímpico quem narra o sucedeu. "Eu me lembro claramente", conta o japonês. "Ele ainda não era famoso. Ele se aproximou de mim e me disse que eu era o herói dele. Foi em uma competição na Alemanha e esse encontro foi antes de ele se tornar campeão olímpico", detalha.

Teddy Riner e Tadahiro Nomura: lendas dos tatames. Foto: Instagram
"Ele (Teddy Riner) se tornou um símbolo do judô. Ele realmente conhece a chave para seguir vencendo e isso é muito difícil. É surpreendente. Vai além das expectativas de qualquer um"
Tadahiro Nomura, único tricampeão olímpico do judô

Nomura, obviamente, não tinha como saber. E, muito provavelmente, o jovem francês também não imaginava. Mas aquele encontro marcou a primeira vez que dois ícones do judô estiveram frente a frente. O jovem judoca francês trilhou um caminho que fez dele um fenômeno. Teddy Riner conquistou por dez vezes o título de campeão mundial, sagrou-se bicampeão olímpico e está invicto desde 2010. Para muitos, já é o maior de todos os tempos. Mas ainda há uma barreira que o francês persegue. Justamente aquela que o separa de seu herói.

Enorme carinho pelo Brasil

Nascido em Les Abymes, Teddy Riner, que completará 30 anos em 7 de abril de 2019, é um gigante de 2,04m. Maior nome que a categoria pesado (+100kg) já produziu, o francês está extremamente à vontade em Baku. Vestido em um terno preto, com camisa branca e gravata vermelha, conversa em um inglês carregado de sotaque francês de forma descontraída. Sorri o tempo todo e, mesmo sem ser indagado a respeito, faz questão de, antes de ouvir a primeira pergunta, falar com extremo carinho sobre o Brasil ao saber que conversa com um jornalista brasileiro.

"Brasil? Olha só: Em 2007, eu era júnior e ganhei meu primeiro Mundial sênior, meu primeiro título lá", reforça. "Depois, ganhei de novo, em 2013, o Mundial. Então, em 2016, no Rio, uau, eu ganhei os Jogos Olímpicos", recorda em ordem cronológica.

"Três medalhas de ouro e três ouros muito importantes no Brasil. Eu gosto do Brasil porque é um país bom, com um bom espírito. As pessoas são muito felizes o tempo inteiro. Eu digo isso porque vocês tiveram três problemas durante os Jogos Olímpicos: financeiros, de saneamento e na política. Mas durante os Jogos Olímpicos todos estavam sorridentes, calorosos... Em nenhum outro país você veria isso. Nenhum outro país", ressalta Riner. "Eu gosto da comida, da música, claro, das pessoas e do futebol... Mas na praia...", emenda às gargalhadas.

» Confira a cobertura completa do Mundial de Judô - Baku 2018

 

Riner, com os medalhistas dos Jogos Rio 2016: carinho pelo Brasil. Foto: Gabriela Sabau/Tamas Zahonyi/IJF

"Eu gosto muito do Brasil porque é um país bom, com um bom espírito. As pessoas nesse país são muito felizes o tempo inteiro"
Teddy Riner, judoca e bicampeão olímpico

A ausência de Teddy Riner na disputa do Mundial deste ano enche a competição do peso pesado de expectativa. Afinal, desde 2007, a categoria mais forte do judô foi dominada pelo francês, que venceu todos os Mundiais desde seu primeiro título no Brasil. Assim, os tatames, finalmente, terão, na capital do Azerbaijão, um novo campeão mundial entre os gigantes da modalidade.

Só mais uma meta

Riner explica que, depois de atingir a mítica marca de dez títulos mundiais, chegar ao 11º nunca foi prioridade. "Por mais de dez anos eu luto. Eu amo o meu esporte. Mas agora só tenho um alvo. Eu só quero mais uma medalha de ouro. Eu tenho mais duas chances: em Tóquio (2020) e em Paris (2024)", explica, referindo-se às próximas edições olímpicas.

"Eu não sou mais jovem. Na minha cabeça eu sou jovem, mas meu corpo não é. Eu quero essa medalha dourada. Estou focado em ganhar. Vou lutar as competições para conquistar os pontos (para o ranking olímpico) e, quando me classificar, só quero pensar nessa competição, nessa medalha", diz.

A ausência nos campeonatos da temporada 2018 pode sugerir que Teddy Riner está de folga dos tatames, apenas curtindo a vida em um ano sabático. Mas a verdade é que, como está focado na busca pela terceira medalha dourada em Olimpíadas, descanso é um luxo que Riner não pode se dar.

Ao ser indagado como está a rotina fora dos tatames, ele deixa claro que o trabalho segue árduo. "Eu treino. Na verdade, treino mais hoje. Porque quero essa medalha de ouro. Para mim está assim: 'Ok... vocês podem ficar com a medalha desse campeonato mundial. Mas a de Tóquio fica para mim", avisa.

Teddy Riner, durante o sorteio das chaves do Mundial de Baku 2018: longe dos tatames no Azerbaijão, ele só pensa em seguir os passos de Nomura e chegar ao tricampeonato olímpico. Foto: Luiz Roberto Magalhães/rededoesporte.gov.br
"Na minha cabeça eu sou jovem, mas meu corpo não é mais jovem. Eu quero essa medalha dourada (em Tóquio 2020). Estou focado em ganhar. Vou lutar as competições para conquistar os pontos (para o ranking olímpico) e, quando eu me classificar, eu só quero pensar nessa competição, nessa medalha"
Teddy Riner

 Baby e Moura com moral

Hoje com 37 anos, o uzbeque Abdullo Tangriev tem um currículo respeitável no judô. Medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Pequim 2008, ele sagrou-se campeão mundial em 2011, depois de ter subido por três vezes no pódio na competição para receber o bronze em 2003, 2007 e 2009.

Além dos vários títulos que conquistou na carreira, Tangriev pode se orgulhar de um outro feito: em 15 de agosto de 2008, superou Riner nas quartas de final das Olimpíadas de Pequim.

Legal. E daí? Bom, a vitória de Abdullo Tangriev foi a última de um judoca diante do francês. Desde então, Riner pisou no tatame 164 vezes. E em todas saiu vitorioso.

Isso posto, ao ser indagado se ele era capaz de apontar quem foi o rival que mais exigiu dele desde a derrota para o uzbeque há uma década, Riner olha para cima como se estivesse buscando recordar todos os confrontos na memória.

"Pensar no mais difícil? De todos esses dez anos? Hum... A cada ano é diferente. Essa é difícil", diz. Ele prossegue vasculhando a memória até finalmente responder. "A luta mais difícil para mim foi a última do Mundial de Budapeste. Foi difícil porque durante um ano eu não lutei. E durante todo aquele dia foi muito difícil para mim, porque eu não conseguia sentir as lutas. Foi a primeira vez durante toda a minha carreira no judô em que eu me questionei", confessa.

O rival de Riner na final do Mundial de Budapeste era o mato-grossense David Moura, superado pelo francês por um shido (infração) no golden score, como é chamada a prorrogação no judô. Talvez por isso, Riner aponte o brasileiro como um dos favoritos ao título em Baku.

Teddy celebra a vitória contra David Moura na final do Mundial de Budapeste 2017: triunfo mais difícil da carreira, segundo o francês. Foto: IJF.com
"Para mim está assim: 'Ok... vocês podem ficar com a medalha (de ouro) desse campeonato mundial. Mas a de Tóquio fica para mim'"
Teddy Riner

 Nesta quarta-feira (26.09), David Moura, Rafael Silva e outros 39 atletas de vários países disputam a chave masculina em busca do título mundial de 2018.

"Vocês têm chances", afirma Riner, referindo-se ao Brasil na categoria pesado. "Para mim, em minha categoria, há talvez três países com grandes chances: Japão, Brasil e Geórgia. Nessa categoria, temos grandes oponentes, com força e técnica. Silva (Rafael Silva, o Baby) e Moura (David Moura) são lutadores muito bons, com boa técnica. Mas são diferentes. Silva é forte e muito alto e o Moura é um pouco mais baixo, mas forte, e tem muita técnica", elogia. Riner vai além ao citar nominalmente seus favoritos ao título no Azerbaijão e incluir um tcheco na lista de possíveis campeões.

"É difícil fazer previsões, mas acho que o Krpalek (Lukaš Krpalek, da República Tcheca, 3º do ranking mundial), os japoneses (Hisayoshi Harasawa, contra quem disputou a final no Rio 2016, e Yusei Ogawa) e o David Moura são nomes fortes. Eles devem estar no pódio, só não sei em qual ordem", opinou Riner.

Nomura e as dúvidas após Sydney 2000

Vestido em um impecável terno cinza, Tadahiro Nomura é uma estrela visada nas arquibancadas. A todo instante crianças e jovens se aproximam do tricampeão olímpico no National Gymnastics Arena, em Baku, para pedir uma foto, o que Nomura atende prontamente, sempre com sorrisos e cordialidade.

Em um dos intervalos das sessões de fotos com os fãs, Nomura conversou com a rededoesporte.gov.br, mas, ao contrário de Teddy Riner, precisa de um intérprete para se comunicar.

Tadahiro Nomura, no National Gymnastics Arena, durante o Mundial de Baku 2018: lenda nas arquibancadas. Foto: Rodolfo Vilela/rededoesporte.gov.br
"Naquela época (2000), eu era o atleta mais forte do mundo na minha categoria. Então, eu pensava que queria deixar o judô enquanto eu fosse o mais forte. Eu queria deixar o judô antes de perder (nas Olimpíadas)"
Tadahiro Nomura

Tadahiro Nomura nasceu em 10 de dezembro de 1974, na cidade de Koryo, no Japão, em uma família com um sobrenome respeitado no mundo dos tatames. Antes dele, seu tio, Toyokazu Nomura, conquistara, entre outros títulos, o ouro nas Olimpíadas de Munique 1972 e o título mundial em 1973, para citar apenas os mais relevantes, já que ele foi ainda duas vezes vice-campeão mundial (1969 e 1971).

Em 1996, Tadahiro Nomura igualou o feito do tio quando conquistou, em Atlanta, a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos na categoria ligeiro (-60kg). Foi o primeiro ponto de virada na vida de Nomura. O segundo veio quatro anos depois, nos Jogos Olímpicos de Sydney 2000.

"A primeira vez que eu fui campeão olímpico foi em Atlanta 1996. Eu era muito novo, tinha só 21 anos e não estava pensando em ser campeão. Mas cheguei à final e ganhei a medalha de ouro. Quatro anos depois, eu pensava muito nas Olimpíadas e em maneiras de adquirir outras habilidades no tatame. Ali (em Sydney 2000) eu já tinha outra avaliação", conta Nomura.

O segundo título olímpico fez de Nomura um astro em seu país. Mas a fama e a glória têm seus preços. E dúvidas pesadas passaram a atormentar Tadahiro Nomura. A tal ponto que ele tomou uma medida drástica para um atleta tão bem sucedido. O bicampeão dos Jogos resolveu abandonar o esporte.

"Quando eu ganhei a segunda medalha de ouro eu ainda era jovem, só tinha 25 anos. Mas sempre pensava em um período de quatro anos. Na Olimpíada seguinte (em Atenas 2004), eu teria 29 anos. Eu pensava assim: 'Quatro anos depois eu poderia perder, eu poderia me machucar, eu poderia não ganhar a medalha de ouro'", explica Nomura.

"Naquela época, eu era o atleta mais forte do mundo na minha categoria. Então, pensava que queria deixar o judô enquanto fosse o mais forte. Eu queria deixar o judô antes de perder (nas Olimpíadas)", continua. "Então, decidi ficar longe do judô por dois anos. Eu me mudei para os Estados Unidos, para San Francisco, e por um ano pensei muito se deveria voltar ao judô", recorda Nomura.

A ausência dos tatames e os meses de reflexão fizeram Nomura chegar a uma decisão que mudaria para sempre sua vida e que acabaria a torná-lo único na história da modalidade. "Foi nesse período de dois anos em que fiquei longe do judô que percebi o quão importante é uma Olimpíada, o quão importante é participar e o quão importante é ser um judoca. Foi então que resolvi me desafiar de novo para tentar o terceiro título olímpico", prossegue.

Acompanhe a histórica luta que fez de Tadahiro Nomura um tricampeão olímpico

O resto é história. Nomura retornou ao tatame em 29 de março de 2003, na Copa do Mundo de Varsóvia, exatos dois anos, seis meses e 13 dias depois da conquista do ouro nas Olimpíadas de Sydney 2000. Ele seguiu treinando e competindo até que, em 15 de agosto de 2004, diante do georgiano Nestor Khergiani, venceu a final das Olimpíadas de Atenas e chegou ao inédito tricampeonato olímpico. Naquele dia, ele se tornou uma lenda viva. "A terceira medalha em Atenas foi a mais difícil de todas. Eu era o atual campeão, havia pressão. Muitas pessoas tinham me criticado e eu estava machucado por isso", desabafa.

Um atleta surpreendente

Nomura e Riner estiveram juntos em outras ocasiões desde aquele encontro em 2006 na Alemanha. Em um dos mais recentes, justamente no Brasil, o japonês ouviu do eufórico campeão francês um aviso em tom profético. "Eu me lembro claramente que depois que ele ganhou sua segunda medalha de ouro olímpica, no Rio, eu estava na zona mista (local onde os atletas passam para as primeiras entrevistas após as lutas) e Riner me viu. Ele veio até mim sorrindo e me disse: 'Eu vou me tornar um tricampeão olímpico em Tóquio'", contou Nomura.

Agora, é esperar para ver. Em dois anos, Riner terá a primeira chance de igualar o feito de seu herói. Muitos torcem para que o mundo conheça um novo tricampeão olímpico no judô. Mas se por acaso o ouro não vier, pouco importa. Há muito pouco ou quase nada o que provar quando qualquer analista de esporte pensa na carreira de Teddy Riner.

"Ele se tornou um símbolo do judô. Ele realmente conhece a chave para seguir vencendo e isso é muito difícil. É surpreendente. Vai além das expectativas de qualquer um", encerra Tadahiro Nomura.

Luiz Roberto Magalhães, de Baku, no Azerbaijão - rededoesporte.gov.br