Atletismo
Tiro com arco
Perfil: Marcus Vinícius D'Almeida, campeão mundial juvenil
As últimas marcas de espinhas e os tímidos traços de barba denunciam que a adolescência ainda é realidade para Marcus Vinícius D’Almeida. O semblante é de menino, mas aos 17 anos ele já impressiona pelos resultados alcançados em um esporte pouco conhecido pelos brasileiros: o tiro com arco.
Medalhista de prata nos Jogos Olímpicos da Juventude de Nanquim 2014 e vice-campeão da etapa final da Copa do Mundo adulta também no ano passado, Marcus Vinícius acrescentou outra conquista ao currículo este ano. Em Yankton, nos Estados Unidos, tornou-se o primeiro atleta brasileiro campeão mundial juvenil, na categoria cadete.
“Os resultados não apenas o colocam acima de muitos oponentes adultos, mas aos 17 anos Marcus já carrega um ar de confiança, sensibilidade e maturidade que estão muito à frente de seus modestos anos”, escreveu o site oficial da World Archery, entidade mundial do tiro com arco, após a conquista do título mundial.
A curva de evolução do brasileiro impressiona. Cinco anos atrás, em 2010, Marcus Vinícius disparou a primeira flecha. Aos 12 anos, encontrou o Centro de Treinamento de Maricá (RJ) graças a projeto social desenvolvido pela Confederação Brasileira de Tiro com Arco (CBTArco) com estudantes das escolas municipais de Maricá. Um convênio de R$ 207 mil estabelecido em 2011 entre o Ministério do Esporte e a prefeitura da cidade teve como foco a implantação de núcleos de categorias de base da modalidade e a detecção de talentos. Levando em conta a modalidade como um todo, houve três convênios entre o ministério e a CBTarco entre 2011 e 2013, num valor total de R$ 2,5 milhões.
À época em que começou, Marcus sequer tinha força para manusear o arco. Três anos depois, já era campeão brasileiro e da Copa do Brasil entre os adultos. A ascensão tem sido contínua desde então, a ponto de ele passar a integrar a lista de beneficiários do Bolsa Pódio, com R$ 60 mil anuais. Em 2016, aos 18 anos, ele tem chances reais de disputar a maior competição do mundo e até de sonhar com um pódio inédito para o Brasil.
Confira a entrevista ao brasil2016.gov.br
Nada de Robin Hood
Eu comecei no tiro com arco em 2010, no CT de Maricá, por meio de um projeto que inicia jovens, com apoio do Ministério do Esporte, do COB (Comitê Olímpico Brasileiro) e da Confederação (CBTArco). Não foi por vídeo, novela, revista. Todos perguntam: ‘Você começou por causa do Robin Hood’? Não, comecei porque é um esporte olímpico. Não foi aquele amor à primeira vista, foi uma coisa de continuar, perseverar e me apaixonar a cada dia. Você tem que estar em harmonia para dar um tiro bom, isso é muito interessante. E acho que está sendo bom, a gente acabou de trazer uma medalha por equipes (bronze no Mundial juvenil) só com resultados do CT de Maricá. Esse projeto revolucionou a cidade.
A primeira flecha
Eu tinha 12 anos no meu primeiro disparo. Nem tinha força para puxar o arco inteiro, um arco de iniciante, então foi um dia meio chato. ‘Nossa, que fraco, não consigo nem puxar o arco’ e todos os outros conseguiam. E aí veio a questão de continuar, de querer. Comecei a trabalhar com elástico, que era mais leve. Foi passando o tempo e dois anos depois consegui ser chamado para a seleção. Esse foi um passo bem importante para a evolução.
Motivação para seguir
O que me atraiu foi toda essa infraestrutura e todo o investimento que poderia me levar longe. Isso é importante. O ser humano sente as coisas, né? Então ele sabe qual caminho pode traçar para chegar longe. E não deixo de agradecer a meus amigos. Meus melhores amigos são do tiro com arco. Eles me motivaram e me mantiveram, dizendo que o começo era difícil mesmo, mas para continuar que ia dar certo.
Escada contínua
Não digo que é uma surpresa. Vejo como uma escada, degrau por degrau. Primeiro era a seleção, depois entrar no time da seleção, entre os três melhores do país, depois ser o melhor do Brasil, o que é uma eterna luta, porque não é fácil. A gente tem que ficar nessa luta. É difícil, mas não é impossível.
Maior dificuldade
Na competição o mais difícil é a concentração, manter o mesmo nível e conseguir repetir todos os tiros iguais. São 72 disparos, não é fácil mantê-los iguais. É um esporte de repetição, repetição e repetição.
Curva de evolução
Eu encontrei rápido as pessoas certas. Muitos demoram para encontrar. Comecei com a Dirma Miranda dos Santos (técnica do CT de Maricá) e foi um caminho perfeito. Dois anos depois fui chamado para a seleção e treinei com um técnico coreano que me ensinou muitas coisas da escola coreana, que é bem diferente. Treinei seis meses com ele. Depois entrou um inglês e fiquei um ano e meio com ele. Também aprendi bastante. Agora é um brasileiro que está levando, o Evandro, e a gente está conseguindo o nosso padrão brasileiro, estamos escrevendo a nossa história. Isso além de todos os profissionais que temos à disposição, como fisioterapeuta, psicólogo, preparador físico, massagista. Tudo isso é inédito para o tiro com arco e faz com que os atletas acreditem mais no próprio potencial.
CT de Maricá
No tiro com arco, a base nunca morre. Você pode ter um milhão de técnicos, mas a base é a sua referência. Esse CT me deu essa base e me ensinou o amor ao esporte. Sem esse amor, eu não seria hoje o que sou.
Jogos Olímpicos da Juventude
Todo mundo se lembra da medalha, mas tem uma coisa que me lembro muito: eu fui o porta-bandeira. Ser porta-bandeira nas Olimpíadas, mesmo da Juventude, foi sensacional. E esse foi o primeiro fato diferente. Eu fiquei pensando: ‘por que eu?’ Entre 100 atletas do Brasil? Todos nós merecíamos, porque estávamos ali para ser os melhores e lutar pela medalha. Só que eu estava ali por todos e fiquei muito feliz.
Isso me deu uma motivação para a competição, que foi no final das Olimpíadas. Treinei 15 dias na China. Eu estava me sentindo bem preparado e sabia que era possível. A gente consegue sentir se é possível ou não. Estava numa fase boa e veio. Foi como uma caminhada. Todo o preparo do passado veio à tona. A disputa da final é o que me deixa mais feliz. Foi prata, mas foi uma prata em que eu ouvi o narrador falar assim: ‘esses caras estão dando um show’. Eu estava no show do meu esporte. O que eu quero ouvir é isso, ‘um show’. Quero que todo mundo sinta a emoção batendo. É o mais legal pra mim.
Vice na Suíça
Eu estava em Nanquim, ganhei a medalha, e fui diretamente para a Suíça. Não tive tempo para comemorar. Fiquei pensando comigo mesmo: se eu não ganho nenhuma medalha na Suíça, minha medalha em Nanquim é apagada. Brasileiro é assim, você tem que ganhar e ganhar e aí vão comemorar com você. Eu estava com preparo físico para os Jogos Olímpico da Juventude. Quando cheguei à Suíça, me senti fraco e tecnicamente mal. Meu técnico disse que eu ia conseguir, que ia chegar no dia e daria tudo certo. Fui confiando nisso, tomando força e, no dia da competição, ele me acordou como se eu fosse para um ringue. Ele sabia que na técnica eu não ia ganhar nada, tinha que ganhar na raça, querer o algo a mais. O primeiro combate, contra o norte-americano, foi o mais difícil. Ali, se eu passasse, estava disputando a medalha. Era decisivo. Passando dali eu ganhei confiança. Tanto que no segundo combate, contra o alemão, eu estava voando. Foi perfeito. Em seguida veio o norte-americano, que esbarrei na faixa de morte, quase um cara ou coroa, podemos dizer. Mas entre mortos e feridos, foi bom.
Mundial juvenil
O nível é muito grande tanto no adulto quanto na base. Não pense que se atiro no adulto vou ser o melhor da base, não é assim. Outros atletas de outros países também fazem isso. Foi uma competição técnica, ventou, choveu, e estava frio. Para mim, que sou carioca, 16ºC com chuva, eu estava congelando. Teve que ser na raça e na técnica. Um erro a mais e eu podia estar fora. No primeiro combate quase fiquei por prestar atenção demais no vento, na chuva e no frio. No segundo eu já sabia que estava frio, que eu ia tomar chuva e que eu tinha que atirar bem. Foi um aprendizado. Algo que posso levar para as categorias principais.
Próximos compromissos
Acho que o Pan de Toronto vai ser uma grande competição para a equipe, não só para mim. A gente está em concentração, todo mundo junto e estamos fazendo um belo trabalho. E logo em seguida é o Mundial. Então os frutos do Pan vão ser os mesmos do Mundial. É a mesma preparação. Os bons resultados podem vir nos dois campeonatos. Depois do Mundial, vamos direto para a Polônia (etapa da Copa do Mundo). Voltando da Polônia aí fechou, é pensar nas Olimpíadas: treinamento físico, preparação psicológica, é tudo Olimpíadas. Lógico que tem algumas etapas da Copa do Mundo, mas visando sempre as Olimpíadas, que é o principal.
Pressão em casa
Poder disputar os Jogos no Brasil é uma honra. Muita gente pensa que a gente vai sofrer por isso, e eu sei que vão ter muitas barreiras, mas tenho que acreditar nisso como apoio, como algo que vai fazer a diferença. Se eu pensar como algo que vai me fazer mal, lógico que vai fazer mal. Se eu pensar como algo que vai me fazer bem, vai ajudar. Mas ainda não estou dentro da equipe, não tem os três que vão para os Jogos e, como disse, eu penso degrau por degrau. O primeiro é classificar.
Caminho olímpico
É a seletiva brasileira. Não foi definido exatamente o padrão dela, mas já foi falado que será uma seletiva em janeiro ou fevereiro. Será algo longo, que todos os atletas aprovam. Se eu estiver nos Jogos, quero ser um dos três melhores do Brasil. Se eu não for um deles, prefiro deixar outro. É pela nação, estamos fazendo isso pelo Brasil. A gente quer fazer uma seletiva longa, que vá selecionar os três melhores do Brasil.
Bolsa Pódio
O investimento do Ministério do Esporte é uma coisa que faz diferença total na minha vida. O atleta precisa de conforto e tranquilidade para ter um treino bom e que renda. A Bolsa Pódio te leva a isso. Lançou um equipamento e você quer testar, você consegue planejar sem medo de faltar no futuro. Essa tranquilidade é muito importante para um atleta.
Sonhos
O sonho é conseguir fazer a modalidade ser maior. Claramente estou conseguindo atrair mais espectadores pelas redes sociais. O tiro com arco tem 700 praticantes e tenho dois mil e poucos seguidores. Então não são só praticantes, tem alguém vendo e gostando. Quero cada vez mais aumentar esse número. A gente consegue levar o esporte a ser grande nas redes e queremos ter cada vez mais atletas de bom nível para tornar a seletiva brasileira mais difícil e parecer com o circuito mundial.
Concentração
Eu sou extremo. Na hora da competição sou muito concentrado e fora sou brincalhão. Tenho que ter meu momento de concentração, que é quando entro na linha, e momento de brincadeira, que é no hotel, com o grupo, que também é brincalhão. Se não for assim, a gente vira uma bomba, fica nervoso, nervoso e explode e não dá resultado. Se você quiser ser um arqueiro, você vai ser, e se quiser ser brincalhão, pode também, não vai interferir.
Curtindo a adolescência
Nos meus momentos livres tem três coisas que eu gosto muito: família, namorada e praia. Normalmente no fim do ano é isso que faço. Pego a família e a namorada e vamos para alguma região de praia, curtir e esfriar a cabeça.
Distância da namorada
A gente mantém bastante contato pela internet. A gente namora há dois anos, então ela entende, pegou desde o início, quando podemos dizer que eu não era nada. Ela acompanhou o processo, foi crescendo junto comigo e entende bastante.
Vagner Vargas – brasil2016.gov.br