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Pai e filhos velejadores compartilham sonho olímpico no Rio de Janeiro
Santiago é daquelas pessoas que, por onde passam, recebem cumprimentos globalizados. Ao caminhar pela Marina da Glória, no Rio de Janeiro, ele é saudado em inglês, espanhol, em português, ou às vezes apenas com um aceno ou um olhar. Entre os mais de 300 atletas de 52 países presentes no Aquece Rio Regata Internacional de Vela, evento-teste da modalidade, poucos são tão respeitados como o velejador argentino de 53 anos que se prepara para a sua sexta edição de Jogos Olímpicos.
Duas vezes medalhista de bronze pela classe Tornado, em Atenas 2004 e Pequim 2008, Santi – como é carinhosamente chamado até pelos que não têm tanta proximidade – não tinha mais planos olímpicos após a China. Estava envolvido com a Copa América (America's Cup), com equipes e barcos muito maiores. Mas algo o fez sonhar novamente com uma medalha nos Jogos. "Meus filhos começaram a velejar juntos e eu decidi voltar. Se eles não estivessem participando de uma campanha olímpica, não teria energia para estar aqui", afirma.
Ele se refere a Yago e Klaus Lange, dois dos seus quatro filhos, que competem juntos há cerca de dois anos na classe 49er. Klaus, de 20 anos, começou a velejar quando era criança. Mas para Yago, 27, o interesse pelo esporte não veio tão cedo. "A vontade chegou tarde pra mim. Tentei aos 10, não me agradava. E foi aos 20 anos, quando morava na Europa, que me aproximei dos barcos por meio de um trabalho na Copa América e desde então não parei".
Os dois estavam em classes diferentes: Klaus, na 29er, e Yago, na Laser. Em 2013, decidiram velejar na 49er em busca do sonho olímpico. Não é difícil imaginar quem foi convidado para ser o técnico.
"Eu aceitei e começamos a trabalhar juntos. Cheguei a ir a algumas regatas com eles, como o Sul-Americano e o Mundial. Mas, alguns meses depois, estava de férias aqui no Brasil, estava correndo em uma manhã e decidi: 'não quero isso'. Fico muito nervoso vendo eles competindo, é muita pressão. Preferia estar no projeto de algum modo, mas não diretamente", explica Santiago.
Santiago, então, achou uma forma de viver a campanha olímpica ao lado dos filhos. Seis anos após Pequim, ele voltou a ver uma Olimpíada com o olhar de atleta. "Cecília (Carranza) estava com outra pessoa, mas eles brigaram e ela me convidou para velejar com ela na classe Nacra 17. No início, parecia que não ia dar certo, navegamos só 50 dias juntos no ano passado, mas disputamos o Mundial e foi incrível, ficamos em segundo, e eu gostei muito. Agora estamos 100%", diz o veterano velejador, acrescentando que a dupla mista já está classificada para os Jogos Rio 2016.
Históricas olímpicas
Santiago tinha 25 anos quando esteve em Seul 1988, competindo na classe Soling, mas era ainda um atleta amador. O mais importante, naquele ano, não foi o resultado. "Eu fui com muita ilusão, mas não estava preparado. Ficamos em nono de 25 barcos. A vela não era tão profissional como é agora. Meus primeiros jogos foram meu primeiro campeonato internacional, nunca havia saído da Argentina. Mas a experiência foi espetacular", relembra o argentino, que também é arquiteto naval e cuidava do próprio do estaleiro.
Brigas com a federação argentina o impediram de participar de Barcelona 1992. Foi uma época em que Santiago passou por várias classes e morou na Europa. Em 1993, a classe Laser foi colocada no programa olímpico e ele passou a treinar no novo barco pensando no retorno aos Jogos. Mas as cores que ele defenderia quase mudaram. "Eu morava na Espanha e os espanhóis queriam que eu velejasse pela Espanha. Estava quase tudo certo, até que uma empresa argentina soube disso e prometeu as condições necessárias para eu me preparar para a Olimpíada pela Argentina. Ela conseguiu um patrocinador e pude velejar pela Argentina. Por sorte. Felizmente", diz.
Treinando com Scheidt
Santiago já tinha 33 anos, uma idade que, segundo ele, já pesa pelo esforço físico exigido pela classe Laser. E quem o ajudou bastante na adaptação foi ninguém menos que o bicampeão olímpico brasileiro, Robert Scheidt. "Treinei muito com ele. Sempre tive muito respeito por Robert e é impossível ter problemas com ele, é um grande esportista em todos os sentidos. Ele já era muito bom e ele me ajudou. Ele ganhou o Pan de 1995 e eu fui segundo. Foi uma linda experiência", relembra.
Em Atlanta 1996, ano do primeiro ouro olímpico de Scheidt, Santiago não conseguiu o pódio. "Estava bem, mas ganhei uma regata que foi contestada. Alegaram que eu saí da raia, mas eu não tinha saído. Poderia ter brigado pelo bronze, mas esse protesto me tirou do foco e fiquei em nono", conta.
Do mar para os produtos congelados
Após Atlanta, Santiago parou de velejar por dois anos, a pedido da esposa. Foram tempos difíceis, que o levaram a uma decisão ainda mais complicada. "Parei, fui trabalhar para uma empresa de distribuição de produtos congelados. Mas, no ano 2000, na última oportunidade para classificar para os Jogos, eu me separei, abandonei o trabalho e fui tentar a classificação".
Era a força da paixão pelo esporte falando mais alto. Em Sydney 2000, já pela classe Tornado, a medalha olímpica ainda não viria. Mas era questão de tempo.
Dois bronzes olímpicos
Para Atenas 2004, Santiago Lange se juntou a Carlos Espínola, velejador que já tinha duas pratas olímpicas. A dupla conquistou o bronze na classe Tornado na Grécia. "O pódio é incrível para qualquer um. Imagina para mim que já tinha várias experiências olímpicas? Foi algo sensacional".
O segundo bronze viria quatro anos depois. "Em Pequim 2008 foi interessante. Depois de Atentas, fui para a Copa América e não velejei mais em classes olimpíadas. Fizemos toda a campanha olímpica em um ano. Foi muito difícil. Mas conseguimos outra medalha", conta.
A dedicação ao esporte, entretanto, tinha um preço. "Estar longe dos meus filhos sempre foi o que mais me fez sofrer. No mais, sempre tive a sorte de fazer o que mais gosto", avalia.
Em casa, em Buenos Aires, Klaus sentia. "Para mim foi muito difícil, porque meu pai viajava muito e estava sempre fora de casa. Era difícil falar com ele, sempre com muito trabalho. Para mim foi duro", conta. Mas o próprio esporte se encarregaria de mudar isso.
Caminho x resultado
Diferentemente do pai, Yago e Klaus ainda estão lutando por uma vaga olímpica. O principal objetivo é garantir o país na disputa da 49er, o que pode ocorrer em novembro, já que os três primeiros lugares do Mundial que será disputado na Argentina carimbam o passaporte. Depois, ainda precisam passar pela seletiva nacional. "Estamos fazendo todo o possível para poder estar aqui no Rio no ano que vem. Para os dois é um sonho e vamos seguir trabalhando muito", garante Klaus.
"Chegar aos Jogos Olímpicos seria um sonho, mas estamos conscientes de que temos que atravessar um longo caminho. Temos que aproveitar o que fazemos todos os dias, treinando, competindo. Claro que não precisa pensar muito para entender que seria lindo estar aqui com nosso pai, todos juntos. Poderiam vir nossos outros irmãos, nossa família para torcer pra gente. É o desejo de todos. Mas ainda faltam muitas coisas e isso também que ser aproveitado a cada dia", acrescenta Yago.
A declaração foi de Yago, mas poderia ter sido de Santiago. Pai e filho estão em sintonia. "Só de estar aqui já é um prazer, estou desfrutando de cada momento. A campanha olímpica não é o resultado, mas é aproveitar cada passo. Vir aqui, ver meus filhos competindo, isso já tem um algo mais que é muito especial. É difícil de descrever. Se estivermos todos juntos no ano que vem, ainda melhor", diz Santiago.
Mais alguns cumprimentos, um último passeio de bicicleta pela Marina da Glória e Santiago se despede. As regatas continuam: sai o pai, entra o atleta.
Carol Delmazo - brasil2016.gov.br