Atletismo
Brasil de Ouro
Jacqueline e Sandra: consagração em Atlanta
“Muito obrigada, muito obrigada!” O carro do Corpo de Bombeiros foi parado a todo momento nas ruas do Rio de Janeiro para agradecimentos. Era 30 de julho de 1996 e todos - o público feminino, em especial - queriam reverenciar as medalhistas olímpicas brasileiras do vôlei de praia.
Aquele era, de fato, um momento único na história do esporte brasileiro. Pela primeira vez as mulheres haviam chegado ao topo do pódio em Jogos Olímpicos. Jacqueline Silva e Sandra Pires voltaram dos Jogos de Atlanta com o ouro na primeira competição de vôlei de praia no megaevento, mas ainda sem ter ideia da grandeza do feito. Elas só começaram a entender a importância da façanha no desfile pela cidade, quando foram homenageadas pelas ruas da capital fluminense ao lado de Mônica Rodrigues e Adriana Samuel, que conquistaram a prata nas Olimpíadas de 1996.
“Foi emocionante. A gente circulou no Rio e era interessante porque as mulheres paravam o carro, abriam a porta, queriam falar com a gente, agradeciam. Entrávamos nos restaurantes e todo mundo levantava e começava a aplaudir”, relembra Sandra Pires, que completa 43 anos em 16 de junho.
“No centro, as pessoas jogavam papéis das janelas. Passamos pela praia e os surfistas acenavam de dentro d´água. Só tinha visto aquela cena com os meninos do futebol. Para mim era novidade as meninas subirem no carro de Bombeiros. Foi legal, uma festa de mulheres”, complementa Jacqueline Silva, hoje com 54 anos.
Já faz duas décadas. Mas os amantes do esporte nunca vão esquecer a final 100% brasileira em Atlanta, que colocou Jacqueline e Sandra diante de Mônica e Adriana. Os fatores que levaram as cariocas ao degrau mais alto do pódio olímpico são muitos. Trata-se de uma trajetória que começa em 1993, quando o telefone da casa de Sandra tocou. Do outro lado da linha, uma tal de Jacqueline queria conversar.
Vamos bater uma bola?
“Foi minha mãe quem atendeu. Falei: ‘Que Jacqueline, mãe?’ Não imaginava que seria a Jacqueline Silva. Só a conhecia de vista. Ela queria marcar um treino. Eu tinha minha parceira, a Karina, mas fui lá. Sabia da fama dela”, recorda Sandra.
Jacqueline já tinha uma reconhecida trajetória no voleibol de quadra, tendo participado de duas Olimpíadas com a Seleção Brasileira – Moscou 1980 e Los Angeles 1984 – e sido eleita a melhor levantadora dos Jogos em 1984. Desde o fim dos anos 1980, entretanto, ela havia dado uma guinada na carreira e passado a se dedicar ao vôlei de praia.
No Brasil, a modalidade engatinhava. Mas, nos Estados Unidos, havia torneio todo fim de semana. Ali estavam os pioneiros da areia, e a brasileira, que passou a ser conhecida como Jackie, ajudou a escrever essa história.
Jogando na Associação de Profissionais de Voleibol (AVP), ela contribuiu para impulsionar o “braço” feminino da liga americana. Mas não era dali que sairia a parceira para disputar a então inédita competição de vôlei de praia nos Jogos Olímpicos de Atlanta. Jacqueline teria que montar a dupla com uma compatriota. Então pediu indicação para o amigo e técnico de vôlei Wantuil Coelho.
“Eu falei pra ele: ‘Wantu, preciso formar um time, preciso de uma jogadora brasileira’. Aí ele comentou da Sandra, que estava jogando no circuito do Brasil, que era bem pequeno. Ele falou que era uma jovem atleta, muito atlética, com muita força. Liguei pra Sandra e chamei para bater uma bola, porque eu precisava conhecê-la. Não sabia como era, quem era”, explica Jackie.
Jacqueline gostou do que viu. Sandra também se empolgou. Mas havia um pequeno detalhe: “Eu achava que era para treinar no Brasil. Depois que ela disse que eu teria que ir para fora. Eu pensei: ‘Como vou fazer?’ Então vendi meu Chevette a álcool e consegui 3 mil dólares. Minha mãe me deu a maior força, meu pai também. Parece até que eles adivinhavam que ia dar tudo certo. Mas morreram de saudade. Não era só sair de casa, era sair do país”, lembra Sandra.
Com apoio da família, pouco dinheiro e muita coragem, Sandra partiu para treinar nos Estados Unidos, morando com Jacqueline em San Clemente, na Califórnia. O namorado Lívio, precavido, tratou de colocar um anel na mão direita de Sandra logo antes da viagem. “Eu tinha um relacionamento de quatro anos e fiquei noiva antes de me mudar. Naquela época não tinha Skype, não tinha internet. Gastava mil dólares por mês só com telefone”, diverte-se Sandra.
A primeira temporada nos Estados Unidos
Pagar as contas de telefone não era o único desafio. Estavam lado a lado uma jogadora já experiente e um talento que ainda precisava ser lapidado. As personalidades diferentes começaram a se delinear. E a palavra vitória demorou a entrar no vocabulário da dupla.
“No início foi bem difícil, por causa da adaptação. Eu dei tudo que eu podia em quatro meses. Já na primeira temporada nos Estados Unidos a gente chegou a subir no pódio algumas vezes. Acho que foram duas vezes em terceiro, uma em segundo e ganhamos em San Diego. Éramos muito dedicadas, não deixávamos nada interferir. Nem o noivo. Ninguém!”, relata Sandra. As duas não escondem as tensões que foram surgindo no processo. “Brigamos muito, tinha muito estresse. Fora de quadra era bem melhor, dentro era complicado. Mas nós éramos rápidas para aprender e para jogar”, disse Jackie.
O objetivo final eram as Olimpíadas de Atlanta. Mas, para isso, elas tinham que antes disputar o Circuito Mundial representando o Brasil. Era hora de voltar para casa e traçar o plano rumo aos Jogos de 1996.
De volta ao Brasil
“A gente voltou para o Brasil em setembro ou outubro (de 1994), mas estávamos suspensas, porque jogávamos a liga americana. Tivemos que ir ao Nuzman pedir liberação. E ele fez a gente assinar uma cartinha dizendo que nunca mais iríamos jogar nos Estados Unidos”, revela Sandra, referindo-se a Carlos Arthur Nuzman, à época presidente da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) e hoje presidente do Comitê Olímpico do Brasil (COB) e do Comitê Rio 2016. “É disputa de poder, mas a gente tinha que jogar o Circuito Mundial para classificar para a Olimpíada. Então topamos”, continua Sandra.
Outra decisão que veio a reboque dos Jogos de Atlanta envolveu a vida pessoal de Sandra Pires. E o noivado ficou pelo caminho. “Eu não queria abrir mão da minha escolha por nada. Eu era apaixonada por ele, mas ele não entendia. Eu queria crescer na profissão”, explica a jogadora.
O técnico da dupla passou a ser Wantuil Coelho, o mesmo que havia indicado o nome de Sandra à Jackie. Juntos, eles foram bicampeões do Circuito Mundial. “Em toda a campanha eu estive com elas. No Chile, em uma das primeiras etapas, saímos do qualifying e fomos campeões”, diz Wantuil.
Entre as principais adversárias estava a dupla norte-americana Nancy Reno e Holly McPeak. “Nós cruzávamos com elas e não conseguíamos ganhar no início. Eu dava treinos de técnica individual e ia corrigindo. Então começamos a ganhar delas e a vencer uma etapa do Circuito Mundial atrás da outra. Quando acabou 1995, já estávamos imbatíveis. Virou o ano, jogamos cinco etapas antes dos Jogos e vencemos todas . A sequência natural foi Atlanta”, detalha o técnico da dupla de ouro.
Nada de Vila Olímpica
Jacqueline, com 34 anos, e Sandra, com 23, chegaram aos Jogos Olímpicos de Atlanta 1996 como favoritas. Mas não deixaram isso afetar a preparação. Jackie tomou decisões que, mais tarde, mostraram-se muito acertadas para a equipe.
As competições de vôlei de praia ocorreram em um parque na cidade de Jonesboro, que integra o condado de Clayton, distante 30 quilômetros de Atlanta. Em nome da melhor preparação e, sobretudo da concentração, considerada fundamental para o objetivo que elas haviam traçado, Jacqueline vetou a estadia na Vila Olímpica.
“Eu já tinha vivido a vila como atleta que não ia ganhar nada. Tem muito oba-oba. Fica difícil, porque é muito legal. Eu disse pra Sandra: ‘Vamos arranjar uma casa perto da arena’. Ficando na vila ia ser um horror para treinar, voltar, comer... Insisti: ‘Vamos ficar perto e aí poderemos ter o Wantuil com a gente, já que ele não tem credencial e não pode entrar na vila’. Era a única forma de manter a equipe”, lembra Jackie.
A casa de Richard
Por meio de um amigo, Jacqueline chegou a um senhor chamado Richard Anderson. Apaixonado por vôlei de praia, ele não só alugou uma casa em Clayton para os brasileiros, como disponibilizou a própria residência para os treinos.
“Treinávamos na casa do Richard, que montou uma quadra lá. Alugamos um carro, era bem perto da nossa casa. E era incrível porque tinha quadro negro pra colocar horário de treino, pra não chegar outra dupla no mesmo horário que você. Tinha um quiosque e no freezer tinha isotônico, limonada, refrigerante, fruta, tudo de graça pra gente”, recorda Wantuil.
O técnico conta que a maior parte dos treinos foi feita entre 12h e 14h, para que Jacqueline e Sandra se acostumassem com o calor e não tivessem problemas caso jogassem naquele horário. E dois parceiros ajudaram nas atividades.
“A Sandra, àquela altura, namorava o Guilherme (Marques), que jogava com o Pará. E Guilherme esteve lá, bateu bola com elas alguns dias. O Frederico Marcondes também ajudava nos treinos. Ele foi tricampeão brasileiro como técnico. Os dois ajudavam bastante. A gente sempre treinou contra homem porque ninguém queria treinar com a gente” afirma Wantuil.
Divisão de tarefas
Se viver fora da vila olímpica trouxe vantagens na preparação, a decisão também implicou outras responsabilidades. E aqui a divisão de tarefas na casa alugada ganha versões diferentes.
“Eu cozinhava, o Wantu lavava e a Jackie dormia. A Jackie só cozinhou um dia na vida dela, no dia do meu aniversário, quando morávamos na Califórnia”, afirma Sandra. “Eu cozinhei também. Lembro de ter feito feijão preto, arroz, purê, bife, salada. Tudo bem, foram só alguns dias, mas eu ajudava a Sandra e tinha uma participação ali na cozinha sim”, pondera Wantuil.
“Dormia só, não!”, defende-se Jacqueline. “Eu fazia a logística da casa. A Sandra gosta de cozinhar. Wantuil fala demais, então tinha que colocá-lo pra lavar louça”, conta Jackie.
Na logística de Jacqueline, não estava incluso o desfile na abertura dos Jogos Olímpicos, para a decepção de Sandra. “A Jackie falou que a gente ia cansar, mas a gente estreou muitos dias depois. A gente viu o desfile na casa, na televisãozinha de 14 polegadas. E o Brasil passou em um segundo, porque só mostravam os Estados Unidos. Eu queria ter desfilado”, confessa.
Quatro passos rumo à final
1º jogo – 23/07/1996 - NiRahayu e EngelKaize (Indonésia)
Da abertura dos Jogos Olímpicos, em 19 de julho, até a estreia das brasileiras passaram-se quatro dias. Em 23 de julho, Jacqueline e Sandra venceram facilmente NiRahayu e EngelKaize, da Indonésia, pelo largo placar de 15 a 2.
Naquela época, os jogos eram disputados em apenas um set, com exceção da final. O time indonésio era muito fraco e a vitória já era esperada. Mas, por pouco, um acidente não colocou tudo a perder, como revela Wantuil Coelho.
“A Jackie pisa diferente. Em quadra, por exemplo, ela jogava com uma palmilha. Na estreia, numa disputa de bola, a menina da Indonésia pulou e invadiu a quadra por baixo. Quando a Jackie foi pisar no chão, ela virou o pé, como sempre fazia, e essa virada fez com que ela não pisasse no pé da indonésia. Acho que eu nunca falei isso pra ela, mas cheguei a ficar de pé de medo. Estava vendo o jogo da arquibancada. Vi a Jackie caindo, podia ter acabado tudo lá. Mas a pisada pro lado foi o que salvou”, narra o treinador.
2º jogo – 24/07/1996 - Liane Fenwick e Anita Spring (Austrália)
A verdadeira estreia de Jacqueline e Sandra nos Jogos Olímpicos de Atlanta se deu um dia depois do triunfo sobre as atletas da Indonésia. E terminou com placar favorável, mas bem apertado para as brasileiras: 15 a 13. A lembrança das meninas sobre esse confronto é vaga. Mas Wantuil recorda a dificuldade.
“As australianas entraram descontraídas e arriscaram tudo. A gente era que tinha a responsabilidade. Tivemos que ir pressionando para elas caírem na real de que não tinham chance de ganhar. Foi um jogo nervoso, disputado, mas a gente dominou e terminou”, recorda.
3º jogo – 25/07/1996 – Mônica Rodrigues e Adriana Samuel (Brasil)
O primeiro encontro com as rivais brasileiras foi arrasador: Jacqueline e Sandra ganharam por 15 a 4. “Elas não viram a cor da bola. Foi uma surra. A gente acabou com o jogo delas. Tudo que elas faziam não dava certo”, relembra Jackie. “A gente se enfrentava muito e já sabia como neutralizar o time delas”, completa Sandra.
Wantuil, que se atrasou para chegar à arena, só viu os dois pontos finais. “Eu não tinha credencial. Naquela época, o técnico não tinha apoio nenhum. Eu ganhava o convite e ia para o meio do povo. Naquele jogo, a minha condução de torcedor demorou. Quando eu cheguei, já estava 13 no placar”, diz.
4º jogo – 26/07/1996 – Barbra Fontana e Linda Hanley (Estados Unidos)
Eram dois times que também se conheciam bem, já que as brasileiras jogaram a liga americana. Segundo Wantuil, foi uma dupla muito estudada antes da partida. E o placar de 15 a 8 foi a prova de que Jackie e Sandra fizeram bem o dever de casa.
“A Hanley ficava fazendo gracinha e ela é muito engraçada mesmo. A gente brincava normalmente, mas naquele dia a brincadeirinha podia custar caro, porque relaxa. Não demos bola pra elas”, conta Jackie.
A vitória e a vaga na final garantiram uma medalha olímpica à dupla. Sandra comemorou, mas sabia que Jacqueline não queria saber da prata. “Eu pensei: ‘Já sou medalhista, que bom!’ Era minha primeira Olimpíada, estava bom demais”, lembra Sandra.
“Para mim era como se nada tivesse acontecido. Eu queria ser medalhista de ouro. Eu tive que falar para a Sandra não ficar animada, porque não tinha acabado”, recorda Jacqueline, que naquele dia ainda viveu uma surpresa.
Em uma quadra ao lado, Mônica e Adriana, que haviam disputado a repescagem e tinham conseguido chegar à outra semifinal, também comemoraram a vaga na decisão. “A gente achava que ia jogar contra a Austrália. Mas a gente escutou alguém dizendo: ‘Brasil é campeão!’ Mas como, se ainda não jogamos? Depois foi que a ficha caiu: as meninas ganharam também. Eu achei aquilo tudo muito estranho. Dali em diante as coisas foram muito estranhas”, confessa Jacqueline.
Dormindo com as inimigas
A determinação veio do Comitê Olímpico do Brasil. Para garantir que as duas duplas tivessem igualdade de condições na disputa da final dos Jogos de Atlanta 1996, Jacqueline e Sandra deveriam dormir na Vila Olímpica, no mesmo apartamento de Mônica e Adriana. A notícia chegou como uma bomba.
“Eles estavam preocupados com a possibilidade de alguém dizer que tínhamos condições e tratamentos diferentes. Mas tudo foi oferecido para elas também, da mesma maneira. Foi uma opção”, afirma Jacqueline. “Eu achei péssimo! Elas já estavam lá e nós entramos num ambiente estranho. Eram três quartos, tinha gente do voleibol de quadra, a Ana Moser, a Virna, mas não tínhamos intimidade. Sabe aquilo de tirar você de algo que estava dando tudo certo?”, continua.
Sandra conta que saiu com Jacqueline para jantar na Vila e, ao entrar no apartamento, mal conversou com Adriana e Mônica. “Lembro de ter entrado naquele quarto apertadinho, que mal cabia as malas, e dormir logo. E ainda falei: ‘Me acorda, Jackie, pra eu não perder a hora’. Eu desligo. Hora de dormir é hora de dormir”, revela.
Jackie, então, decidiu que a jornada de sono seria mais curta. “Aquilo era literalmente dormir com as inimigas. Então falei com a Sandra: ‘Vamos acordar bem cedo pra ir embora. Quando elas acordarem, já não vamos estar mais aqui’. Virou guerra. A gente pegou o primeiro ônibus, voltamos pra nossa casa, pra arrumar a nossa bolsa pro jogo. Eu não queria cruzar com elas de manhã cedo. Nada a ver. Era jogo de vida ou morte”.
As lembranças do que ocorreu entre a saída da vila e o início da última partida do vôlei de praia feminino nos Jogos Olímpicos de Atlanta são poucas. Mas os detalhes da decisão estão bem vivos na memória da dupla.
Final – 27/07/1996 – 2 x 0 (12/11 ,12/06)
Jacqueline e Sandra e Mônica e Adriana já haviam se enfrentado várias vezes, incluindo o 15 a 4 no próprio torneio olímpico. Difícil imaginar espaço para grandes surpresas. Mas uma mudança de estratégia das adversárias surpreendeu Jackie e, sobretudo, Sandra.
“Na última hora, elas resolveram fazer um jogo diferente e passaram a sacar na Sandra. Em três anos, o mundo inteiro só sacava em mim. Íamos imaginar que resolveriam sacar na Sandra? A gente precisava manter a calma. Se conseguíssemos passar pelo teste, as coisas voltariam pro lugar. Você tem que entender que faz parte e continuar em busca do seu objetivo”, afirma Jacqueline.
“Ali foi a hora em que eu mais senti a pressão de participar dos Jogos Olímpicos. Eu tinha que conquistar esse ouro, eu tinha que fazer diferença. Até adaptar à mudança, causa um desconforto e você tem que trabalhar os pensamentos para não perder o foco”, acrescenta Sandra.
E ponto a ponto, elas conseguiram vencer o primeiro set. O placar foi apertado, 12 a 11, mas o suficiente para desestabilizar Mônica e Adriana. No segundo set, o domínio foi todo de Jackie e Sandra, que fecharam em 12 a 6.
O ponto decisivo, repetido em transmissões diversas vezes nestes últimos 20 anos, não foi exatamente como elas imaginavam, mas não importou. Ao final de tudo, a medalha de ouro seria pendurada no pescoço de Jacqueline e Sandra Pires e isso faria das duas as primeiras campeãs olímpicas do Brasil.
“O saque da Jackie foi muito bom, a Adriana puxou a bola para dentro, mas ela veio rodando. A Mônica levantou de toque, mas ela arriscou, porque a bola veio igual um peão e aí deu dois toques. Ficou marcado aquilo ali. Mas não quis nem saber. Já fui pulando. Acabou! Eu era medalhista de ouro mesmo”, relembra Sandra.
“Eu custei a acreditar. Ali a gente não tinha a dimensão da coisa. Era a primeira medalha de ouro de tudo, do vôlei de praia e de mulheres brasileiras nas Olimpíadas”, acrescenta Jackie.
De top no pódio
O agasalho já estava todo passadinho na bolsa de Sandra especialmente para o pódio. Afinal, é assim que ela se acostumou a ver os atletas no momento de receber as medalhas olímpicas. Mas, como conta Jacqueline, não foi essa a vontade de Malú de la Fuente, esposa do então presidente do Federação Internacional de Voleibol (FIVB) Rubén Acosta.
“A imagem que a gente tem de qualquer atleta que recebe uma medalha olímpica é ele todo agasalhado. Não é com a roupa que ele usou (na final). Quando a gente foi trocar de roupa, a mulher do presidente da FIVB falou que todo mundo tinha de subir no pódio de biquini, para passar a imagem para o mundo inteiro das mulheres de biquini, uma imagem sexy do esporte. A Sandra queria morrer. Ela não tinha desfilado, não tinha ficado na vila e ainda não poderia usar o agasalho que ela queria tanto”, recorda Jackie.
Se é verdade que a dupla viveu uma decepção ao ouvir a alegação de Malú de la Fuente sobre a indumentária da premiação olímpica, também é certo que o sentimento no alto do pódio acabou sendo mais forte. “Passa um filme mesmo. Você fica imaginando as coisas, é a hora que mais emociona. Fora do seu país, você escutar o Hino Nacional, no lugar mais alto, é muito forte”, diz Sandra Pires.
Wantuil, acompanhando tudo, também vibrou. “A Jackie era uma grande atleta de vôlei de quadra e não tinha conseguido medalha nos Jogos. Ela merecia. Sandra era ambiciosa, queria melhorar, e tinha se tornado a parceira ideal da Jackie. Eu era um técnico novo, mas com potencial. Esse resultado saiu porque éramos três pessoas completamente envolvidas, acreditando nisso, cada um por seu motivo. Foi demais”, analisa.
Passada a premiação, finalmente era chegada a hora de comemorar com os amigos, certo? Ainda não...
O jantar obrigatório
Uma formalidade adiou a comemoração em grande estilo tão esperada pela equipe. “Quando acabou tudo, veio um secretário da FIVB para dizer que tínhamos sido convidadas para um jantar na casa do dono do terreno que foi cedido para criar a arena. Era no meio da lagoa. Ficamos sentadas naquela mesa, cheio de gente que não tinha nada a ver”, conta Jackie. Sandra acrescenta: “Foi uma festa estranha, com gente esquisita. Fomos sujas, sem tomar banho. Ainda tivemos que fazer discurso. Ninguém merece... Nossa festa mesmo foi no Brasil”.
A comemoração teve início na chegada ao Galeão e depois continuou no carro do Corpo de Bombeiros e nas ruas do Rio de Janeiro. E motiva uma nova celebração toda vez que a conquista é relembrada. Foi assim nos últimos 20 anos e, possivelmente, ainda será assim por muitos outros.
“A medalha é eterna. A gente descobriu isso. Mas ela não te dá o direito de descansar, ela te dá a oportunidade de fazer outras coisas em prol do esporte, da juventude”, afirma Jacqueline, que há mais de 15 anos encabeça projetos que levam o esporte a crianças e adolescentes.
“Naquela época não pareceu tão difícil. Mas o tempo vai te mostrando o quanto conseguir o que nós conseguimos é difícil. No caso do vôlei de praia, ainda não teve outro ouro feminino. Sempre temos grandes chances, como agora no Rio 2016, mas até hoje não aconteceu”, diz Sandra, que ainda foi bronze com a ex-rival Adriana em Sydney 2000.
Na Austrália, Sandra finalmente participou do desfile de abertura, mas foi além. Como uma recompensa pelo sonho que não viveu em Atlanta, tornou-se a primeira mulher a ser porta-bandeira da delegação brasileira em Jogos Olímpicos.
Carol Delmazo – brasil2016.gov.br