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Atletismo

18/01/2016 13h13

Entrevista

Iziane: "Se pudesse voltar para trás no tempo com a visão de hoje, seria maravilhoso"

Ala que perdeu duas Olimpíadas por problemas extra-quadra diz que a maturidade lhe faz agarrar firme a chance de disputar os Jogos no Brasil. "Você deixaria passar? Eu não"

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Iziane contra a Venezuela durante o evento-teste na Arena Carioca 1: cestinha com 30 pontos. Foto: Miriam Jeske/Brasil2016.gov.br

A etiqueta "paz e amor" nunca casou bem com o figurino de Iziane Castro Marques. O "temperamento forte", como ela define, foi duplamente marcante ao longo da carreira da ala da Seleção Brasileira. Quando revertido em vontade a mais dentro de quadra, simbolizou oportunidades superlativas, como defender seis equipes da WNBA (liga feminina dos Estados Unidos) e atuar em clubes de Espanha, França, Polônia, República Tcheca, Turquia, Letônia e Rússia. Quando transformado em rebeldia extra-quadra, tirou dela duas Olimpíadas pela Seleção Brasileira, a de Pequim-2008 e a de Londres-2012.

Cestinha em duas das três partidas da Seleção no evento-teste do basquete realizado no último fim de semana, na inauguração da Arena Carioca 1, Iziane não deseja o gosto amargo de olhar a distância um megaevento, principalmente em casa, para ninguém. "Com certeza, pesa muito. Sinto falta de não ter participado tendo todas as condições de estar no grupo. E desta vez é em casa. Poucos têm essa oportunidade. Você vai deixar passar? Eu não deixaria", disse.

A seleção jogou o evento-teste desfalcada. Em função de um desentendimento entre a Confederação Brasileira de Basquete (CBB) e alguns clubes da Liga de Baquete Feminina (LBF), sete atletas optaram por não se apresentar. "As meninas querem estar aqui, mas tem algo que as impede. Elas precisam saber o que é melhor na vida delas, aí podem viver tranquilamente com as consequências disso".

Aos 33 anos e defendendo a equipe do Sampaio Basquete no circuito nacional, a atleta se enxerga numa versão lapidada pelos acertos e equívocos cometidos. "Se pudesse olhar para trás com a visão de hoje, seria maravilhoso e provavelmente diferente, mas a gente aprende com a vivência. Não dá para pular etapas, não dá para aprender de uma vez e não cometer os erros".

Para ela, a prioridade em 2016 é consolidar a vaga na Seleção Brasileira e brigar por uma medalha. "Torço para estar entre as 12. Seria um fechamento super bom para minha carreira na seleção. Estou disposta a dar o melhor, dentro das coordenadas e das regras. Espero que as coisas fluam em prol disso e que a gente consiga um resultado positivo", disse.

Para a atleta, o amadurecimento, aos 33 anos, trouxe serenidade e visão de jogo. Foto: Miriam Jeske/Brasil2016.gov.br

Entrevista

Perda de duas Olimpíadas e Seleção desfalcada

São situações que a gente passa e acaba aprendendo. Sinto falta de não ter participado de duas Olimpíadas por questões extra-quadra, enquanto eu tinha todas as condições de estar no grupo. São quase 12 anos entre a Olimpíada de 2004 (a única que ela jogou) e agora. De Atenas para 2016, sou outra atleta, outra pessoa. Melhor como ser humano em todos os sentidos. As experiências vividas tem de servir como aprendizado. As coisas ruins a gente aprende para não fazer e as boas, perpetua. E desta vez é no Brasil. Com certeza, isso pesa muito. São poucos atletas que têm essa oportunidade. É mais uma coisa para pesar. Você vai deixar passar essa oportunidade como atleta? Eu não deixaria. Aí cada um tem que avaliar. A situação das meninas atualmente é muito isso. Elas querem estar, mas tem algo que as impede. Elas precisam saber o que é melhor na vida delas, aí elas podem viver tranquilamente com as consequências disso.

Temperamento e amadurecimento

Eu nunca fui paz e amor. Tenho um temperamento forte, mas falo que isso é uma qualidade minha, me fez ser a atleta que sou. Por isso, a melhor parte para mim é essa maturidade. É a premiação da parte física e tática, que já existe, com a inteligência emocional que a maturidade traz. O momento-chave de eu me tornar uma grande atleta foi isso. Foi quando consegui descobrir algumas coisas que me tiravam do melhor que eu poderia ser. É maravilhoso poder olhar para trás e corrigir o que eu não tinha consciência que fazia.

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Prioridade de Iziane é convencer Barbosa de que merece estar entre as 12 escolhidas para os Jogos do Rio. Foto: Getty Images
Perspectiva para os Jogos Rio 2016

Seria um fechamento super bom para minha carreira na seleção. Está sendo ótimo voltar a jogar com o Barbosa (Antonio Carlos Barbosa, técnico da Seleção), com amigas que tenho. Torço para estar em condições adequadas para estar entre as 12. Em casa as chances realmente mudam. É diferente. Uma atmosfera favorável. Espero que realmente tudo isso seja uma coisa positiva e que a gente consiga levar o Brasil de volta as grandes potências mundiais e ao pódio nas Olimpíadas.

Momento atual

O basquete feminino está em reconstrução. Ainda não temos o apoio necessário para ter a força que necessita o esporte. O basquete ainda sobrevive em torno de São Paulo. Hoje temos três equipes no Nordeste, duas concentradas em São Luís e outra em Recife. Ainda precisa de uma ajuda maior do poder privado, em parceria com governos, para disseminar o feminino Brasil afora. O masculino já conseguiu essa estruturação. Hoje o NBB está excelente, o que dá estrutura melhor para termos atletas melhores e uma seleção mais forte. O feminino ainda precisa de apoio.

O esporte como perspectiva

Sou de um bairro de periferia, onde a marginalidade impera. O esporte me deu um caminho e uma possibilidade de vida diferentes. Foi um marco. Para mim a importância do esporte foi total. Eu jogava basquete em São Luís até os 15 anos, quando tive a oportunidade de me tornar profissional e sair. Fui para São Paulo jogar profissionalmente e realmente entrei na carreira esportiva. Foi uma mudança completa.

Diferença de estrutura

Quando o ministro do Esporte foi a São Luís entregar quadras, eu até comentei: foram necessários quase 20 anos para eu conseguir treinar em uma quadra de alto rendimento. É complicado, porque se exigia o resultado mas não havia condições adequadas. Hoje o foco nisso é bem mais claro. Não adianta ter só material humano. É preciso ter a adequação de tudo para que esse material humano seja o melhor que pode ser. Hoje vejo o Brasil trabalhando para isso. Ainda não está 100%, mas já vimos onde é o problema e estamos trabalhando para resolver. No basquete a gente já tem essas quadras propícias, com piso flutuante, com placares eletrônicos. Já é quase o ideal.

Experiência fora do país

Joguei 11 anos fora do país. Aos 19 anos saí e fiquei um ciclo de Europa e Estados Unidos. Foi uma experiência maravilhosa. Joguei em seis equipes da WNBA nos EUA. Na Europa joguei na Espanha, França, Polônia, República Tcheca, Turquia, Letônia, Rússia. Todo ano era um país diferente. Disputei várias ligas. Isso acrescentou muito. Pude ver o basquete de diferentes países, jogado de diferentes modos. E tudo isso soma. E fiz de tudo. Não só como ala. Fui de pivô a armadora. Como ala me sinto mais à vontade porque a responsabilidade é um pouco menor nas ações dentro de quadra. É a parte mais legal, de resolver o jogo. Armadora, por exemplo, tem de ajudar mais, pensar pela equipe, colocar todo mundo para jogar. Pivô é a parte mais dura, mais física. Ala é onde me sinto mais à vontade e tenho mais liberdade.

Ala diante da Austrália no domingo. Outra derrota para a equipe da Oceania, no Mundial de 2006, foi a mais doída. Foto: Miriam Jeske/Brasil2016.gov.br

Derrota que nunca saiu da cabeça

Tem uma que não consigo pensar sem uma ponta de frustração. A semifinal do Mundial do Brasil de 2006, contra a Austrália. A gente estava com o jogo controlado, ganhando por quase 10 pontos de diferença no último quarto. Aquela vitória garantia a classificação para a final, em casa, e conseguimos perder esse jogo (vitória australiana foi por 88 x 76). Você chega tão perto de conseguir um feito tão histórico, no seu país, e a gente deixou escapar.

Espelho como atleta

A Hortência sempre foi o meu espelho. Eu assisti pouco ela jogar ao vivo, porque quando comecei ela já estava no fim da carreira. Nunca jogamos juntas, mas assisti a muitos vídeos. Para mim, ela era extraordinária: a garra, o modo como jogava sempre foi marcante. 

A vivência olímpica

É a maior festa do esporte, não tenha dúvida. É poder estar ali com os melhores do mundo inteiro em todos os esportes. É até um foco de dispersão, se você se deixar contagiar pelo ambiente. Você está ali passando e encontra uma Serena Williams, é maravilhoso. Uma atmosfera onde se respira esporte 24 horas e você compartilha do mesmo ideal do outro. Quem está ali sabe exatamente o esforço necessário para estar ali, as dificuldades do caminho, o que precisa fazer para chegar lá. São histórias que se unem em torno do ideal que é conseguir o melhor, buscar uma medalha.

Gustavo Cunha e Vagner Vargas - Brasil2016.gov.br