Vela
Aquece Rio
Estrangeiros investem em tecnologia para reduzir o “fator-casa” na vela para 2016
Tricky. Em português: complicado, traiçoeiro, astuto. A palavra foi usada pela maioria dos 300 velejadores que participaram da Regata Internacional de Vela, finalizada neste sábado (22.08), ao comentar as características da Baía de Guanabara, local das competições do evento-teste e dos Jogos Rio 2016.
“É muito traiçoeira. As correntes são fortes, o vendo muda muito. Você não consegue treinar nunca nas mesmas condições”, explicou a polonesa Malgorzata Bialecka, prata na classe RS:X.
Em função disso, equipes estrangeiras não medem esforços para compreender melhor o local. Desde o início do atual ciclo olímpico, velejadores de diversos países vêm ao Rio para treinar e competir com frequência. E contam com o auxílio da tecnologia para tentar “decifrar” a baía.
Assim como nos ciclos olímpicos de Pequim e Londres, a equipe de vela da Holanda contratou uma empresa especializada no estudo da dinâmica da água (correntes e ondas) para fornecer previsões específicas da área de competição. A empresa iniciou o trabalho no Rio em março de 2013, com o uso de equipamentos de ponta, que realizam medições em vários momentos do dia. Foi elaborado um modelo de fluxo numérico que vem sendo aprimorado desde então.
“Eles nos fornecem a informação macro, mas quem nos dá a informação micro são os atletas, à medida que velejam na Baía de Guanabara. Há três anos, nossos atletas treinam aqui sempre que possível”, disse Simon Keijzer, porta-voz da equipe holandesa de vela. Uma casa foi alugada na Urca, local próximo da Marina da Glória, desde 2013, para uso da seleção até os Jogos Olímpicos.
Com tantos dados à disposição, o desafio é filtrar a informação. “Nós passamos tudo aos técnicos e cabe a eles determinar o que vão passar aos atletas. Você tem que tomar cuidado para não se complicar com tantas informações”, ponderou Simon.
O objetivo dos holandeses no Rio 2016 é superar o resultado de Londres: um ouro, uma prata e um bronze. No evento-teste deste ano, foram três bronzes.
Sempre que possível
Desde 2013, os britânicos também vêm para o Rio em diferentes épocas do ano e cada vez mais frequentemente, tanto para competições quanto para treinos.
“Não temos um contrato com terceiros. Medimos o que a maioria dos outros times mede, como velocidade e direção do vento, e tentamos medir as correntes em diferentes momentos do dia de regata e em momentos diferentes de todo o ciclo. Se você quer um cenário completo, quanto mais informações, melhor. Em última análise, estamos tentando desenvolver as probabilidades e discutir com os velejadores o que eles vivenciam quando estão aqui. A principal peça tecnológica são os cérebros dos velejadores. A vantagem (em relação aos brasileiros) diminui não pela tecnologia, mas pelo tempo a mais que passam aqui”, opinou o chefe da equipe britânica, Stephen Park.
Ele reforça que a Baía de Guanabara é desafiadora. “Ultimamente, já progredimos muito, mas você nunca vai decifrar a baía inteiramente. Estamos tentando entender o máximo possível. Mesmo modelos tecnológicos não terão precisão máxima. Variam as condições com o passar do dia. É complicado, e nem precisa que os velejadores digam isso, basta olhar para os resultados, variam muito”, disse. Os britânicos faturaram um ouro e uma prata no evento-teste de 2015.
"As equipes estrangeiras estão trabalhando para zerar essa vantagem (brasileira). O mais importante quando estamos treinando ou competindo aqui é dividir as informações com a equipe. Não é só o que eu vejo, é o que os outros membros também veem", disse o britânico Giles Scott, ouro na classe Finn.
De acordo com a francesa Charline Picon, bicampeã do evento-teste na RS:X, a melhor estratégia é o treino constante. “O importante é passar o máximo de tempo possível na água. Aqui não é simplesmente ir rápido, é preciso ser técnica. Quanto mais tempo você passa aqui, mais entende como se comportam ventos e correntes. Faz três anos que a gente (os franceses) vem para o Brasil para ter o máximo de experiência. Estamos começando a conhecer melhor. Mas, de forma geral, os brasileiros conhecem mais, navegam aqui desde pequenos. Quando eles estão em forma, é difícil saber o que esperar”, disse.
Para o bicampeão olímpico e atual coordenador técnico da equipe brasileira de vela, Torben Grael, a vantagem brasileira não é relacionada ao conhecimento da Baía, mas exatamente por ser um local difícil de encaixar em modelos matemáticos.
“Quem veleja aqui, quem é do Rio de janeiro, conhece melhor. Mas, com o tempo aqui, os estrangeiros também vão conhecer. A vantagem que vejo não é porque a gente conhece e eles não conhecem, é porque é um lugar difícil e isso para nós é bom. Se é um local de vento constante, sem mudar, é igual corrida de cavalo. Quem for mais rápido, ganha. Numa regata em um lugar como a baía, é o velejador que ganha”, explicou.
Tecnologia nas provas
Torben não se preocupa com os investimentos dos estrangeiros durante o ciclo olímpico, mas é contra o uso de tecnologia durante os Jogos Olímpicos.“O que não quero é que se usem medições durante as provas. Você pode ter informações do que vai acontecer com o vento daqui a 10 minutos, na hora da largada. Algumas equipes estão com muita tecnologia e estão puxando nessa direção, fazendo pressão para isso. Nunca houve isso nos Jogos Olímpicos. Hoje tem mais bote andando por aí que velejador. Isso não é bom para o esporte”, disse.
Outro bicampeão olímpico, Robert Scheidt concorda com Torben Grael. “Os países com muitos recursos que querem isso (tecnologia nas provas). Eu não vejo com bons olhos, porque acaba virando mais uma corrida tecnológica que uma regata de barco a vela. É importante preservar o feeling do atleta”, disse.
O chefe da equipe britânica não se colocou contra a contra a possibilidade, mas ponderou que o uso em Jogos Olímpicos não seria tão útil. “Se fosse possível, eu provavelmente concordaria. Se você está em uma regata como a Volvo Ocean Race, são usados sistema de rastreamento, modeladores de maré. Mas, no caso das regatas olímpicas, são apenas dois ou um velejador. E se você gastar muito tempo para receber informações que estão chegando, você pode perder o que é chave, que é o que está acontecendo na sua frente na área de competição”, disse Stephen Park.
De acordo com o diretor de Marketing da Federação Internacional de Vela, Malcolm Page, o uso da tecnologia é proibido durante as provas olímpicas e isso não vai mudar para o Rio 2016. “O limite para nós é quando as competições começam, e algumas vezes um pouco antes, quando a área de competição já está ativa, sob o controle do Comitê Olímpico Internacional. A partir desse momento em que fechamos a área de competição, não podem entrar barcos não registrados, apenas aqueles da organização olímpica”, explicou.
Investimento brasileiro
Os brasileiros não assistem passivamente ao investimento dos estrangeiros. Desenvolvido pela Coordenadoria do Programa de Pós Graduação e Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPE-UFRJ), em parceria com o Comitê Olímpico Brasileiro (COB), o programa Estratégia Náutica teve início no evento-teste de vela de 2014.
“As seis raias estão mapeadas e, por meio de satélites e sensores instalados em diversos pontos da Baía de Guanabara, apresentamos informações de direção e intensidade das correntes e dos ventos, além da temperatura da água. Com sondas em alguns pontos, também mostramos o relevo submerso da Baía. Temos um site com acesso restrito em que atletas e técnicos do Time Brasil estão cadastrados para terem acesso às informações”, explicou Julio Noronha, coordenador do “Estratégia Náutica” na gerência de performance esportiva do COB.
No evento-teste de 2015, foi realizada uma reunião diária com os atletas brasileiros, após o café da manhã, em que os especialistas passaram as informações para a equipe e os velejadores disseram como foi no dia anterior.
"Você vai pra raia com o que o meteorologista te falou. Claro que ocorrem coisas diferentes, mas, por exemplo: ele fala ‘quando ficar mais nublado,a tendência é o vento girar para a direita’. Se você identifica a situação, tem uma vantagem muito grande. É difícil identificar isso sozinho", explicou Jorge Zarif, 9º lugar na classe Finn.
“É muito útil, a gente tem bastante informação. Mas muitas vezes não bate, vai muito de avaliar o que está acontecendo no momento. É uma condição complicada (a da Baía). Dá rasteira até nos especialistas. Tem muitas variáveis. É a raia mais técnica que conheço e isso me dá orgulho, porque é a minha casa, onde aprendi a velejar”, disse a brasileira Fernanda Decnop, 9º lugar na classe Laser Radial no evento-teste e já classificada para os Jogos Rio 2016.
Para Robert Scheidt, vencerá nos Jogos Rio 2016 o velejador mais completo. “Espero que os estrangeiros não conheçam como nós, mas a distância vai diminuindo, muitos países estão vindo. Eles coletam informações, tem câmeras no alto do Pão de Açúcar, mas ainda depende do instinto. Velejador pra vencer aqui que ser muito versátil e se adaptar a todas as condições de vento, velejar fora (da Baía), velejar dentro (da Baía), então testa muito o geral”, explicou.
Carol Delmazo, brasil2016.gov.br