Geral
Tour da tocha
Chama olímpica celebra a liberdade, a resistência e a força da mulher nordestina
Pioneira na libertação dos escravos, famosa pela expulsão do bando de Lampião e revolucionária com os direitos das mulheres. A cidade de Mossoró contou a sua história durante o revezamento da tocha nesta segunda-feira (6.06). Enquanto a tocha abrilhantava a Terra da Liberdade, onde percorreu 12 quilômetros, a memória dos mossoroenses era contada no palco da celebração na Estação das Artes, no centro da cidade.
Uma multidão foi às ruas receber o símbolo olímpico. Com ponto facultativo decretado na cidade, nem mesmo a chuva que caiu várias vezes durante o dia desanimou os moradores. Cinquenta e nove condutores, quase todos potiguares, conduziram a tocha. Uma das figuras mais ilustres foi o poeta e cordelista Antônio Francisco. Nascido em 1949, ele lembra desde cedo ouvir sobre todas as histórias que orgulham os mossoroenses.
"Já nasci ouvindo falar da expulsão de Lampião, sobre Celina Guimarães, que foi a primeira mulher a votar no Brasil. Aprendi a ler com palmatória, mas lembro que ela dizia que isso não educava, adestrava. Tenho orgulho disso ter sido dito por uma mulher de Mossoró", conta Francisco. Desde menino, o poeta adorava jornais e cinema e lembra de matérias sobre o abolicionismo. "Mossoró concluiu a libertação dos escravos cinco anos antes que o restante do país com a Lei Áurea (1888)", recorda. Como agradecimento de carregar a tocha, o poeta fez até versos (veja no vídeo).
Mossoró, que está no meio do caminho entre Natal e Fortaleza, também fica entre o semi-árido e o mar. Com 164 anos, a cidade sempre foi pioneira do seu tempo e reduto cultural. A Associação Cidade Viva encenou no palco celebração a peça Quatro Atos, que conta os célebres feitos dos mossoroenses. Para o diretor Wilson Leite, Mossoró sempre esteve à frente. "A cidade respira cultura, tem a política na veia e a força do cidadão que se orgulha da sua história e dos seus feitos", acredita. Todos os atores da peça se formaram gratuitamente pela Associação.
Revezamento
As ruas enfeitadas com bandeirinhas e balões de São João eram a decoração principal do início do revezamento. O ponto de largada foi no bairro Alto de São Manoel nas mãos do ex-jogador de futebol Cícero Ramalho. A tocha passou por outros pontos importantes da cidade, como a Igreja Matriz, o Museu Municipal Lauro da Escóssia, o Ginásio Municipal Ciarlini, o Memorial de Resistência e o Teatro Municipal.
A celebração ocorreu na Estação das Artes Elizeu Ventania, com o acendimento da pira e o show do potiguar Dorgival Dantas. Além disso, foi inaugurada a obra de arte "A Chama – Celina Guimarães" do artista plástico Guaraci Gabriel – homenagem ao poder feminino. "A chama olímpica traz uma mensagem de paz e confraternização. Me inspirei na força da mulher para passar essa ideia". A obra de 12 hastes representa as sacerdotisas que conduziam o fogo na antiguidade. No centro delas está Celina, primeira mulher a votar no Brasil, em 1943.
A obra feita exclusivamente para a festa tem nove metros de altura e cerca de 2 toneladas e segue o estilo do artista. "Entrei para o Guinness Book com uma escultura que tem 24 metros e 50 toneladas, toda de material reciclado. Ainda sou o recordista", diz. Natural de São Pedro do Potengi, a 276km de Mossoró, Guaraci usou as artes para superar o medo que tinha "da cidade grande". "Tive o primeiro contato com a civilização aos 17 anos e tudo me assustava. Tive a ideia de trabalhar com sucata industrial e vi que seria a melhor forma de enfrentar meu medo", revela.
Inspiração
Celina Guimarães não é lembrada apenas pela escultura na Estação das Artes. Um dos grandes orgulhos dos mossoroenses, a pioneira se une na história com as mulheres que fizeram um motim no quartel e delegacias da cidade contra o alistamento obrigatório de maridos e filhos na Guerra do Paraguai, em 1875, e ainda inspiram as novas gerações, como a atleta Alice Melo, uma das condutoras da tocha em Mossoró. "Nossa cidade tem a característica de vencer batalhas. Tenho isso no sangue".
Para a bolsista do Ministério do Esporte, a força feminina se funde à mensagem da tocha. "O ditado que fala que a mulher nordestina é arretada é verdade. Assim como a tocha, as mulheres guerreiras nos fazem acreditar que a gente também pode lutar e ganhar", conclui a especialista em provas de velocidade que treina no Centro de Excelência em Americana (SP).
Rota
O Ceará recebe a chama olímpica nesta terça-feira (7.06), que entra no estado pela cidade de Aracati, segue para Aquiraz e termina o dia na capital Fortaleza. Ao todo, serão 470 condutores em todo o estado e cerca de 800 quilômetros, com os deslocamentos.
Lilian Amaral e Lorena Castro, brasil2016.gov.br