Tenis de mesa paralímpico
Eslovênia 2018
Catia Oliveira vence a "número 3" e Brasil garante medalha no Mundial
Há apenas quatro dias, a paulista Catia Oliveira recordou, vivendo um misto de emoções, o 11º "aniversário" daquela foi a data mais marcante de sua vida: 15 de outubro de 2007. Naquele dia, a brasileira, hoje com 27 anos, iniciou a história que fez com que ela se tornasse, nesta sexta-feira (19.10), em Celje, na Eslovênia, uma medalhista do tênis de mesa paralímpico em Campeonatos Mundiais.
No fim desta manhã na Eslovênia, Catia disputou as quartas de final do Mundial contra a russa Nadejda Pushpasheva, atual número 3 do mundo na Classe 02, para atletas cadeirantes com baixa mobilidade. Prata no Mundial de 2010, a russa era uma rival experiente e, até então, favorita. Mas Catia se impôs desde o início da partida e, por 3 x 0, com parciais de 11/4, 11/7 e 11/9, carimbou a vaga para a semifinal.
"O principal momento da partida foi no terceiro set. Estava 5/1 para mim, ela encostou, e o Paulo (Paulo Molitor, técnico) parou o jogo. Ele não me disse nada. Só disse: 'Respira'. Ali eu voltei para o jogo de novo"
Catia Oliveira, mesatenista
Como no Mundial não existem disputas de terceiro lugar, as jogadoras que chegam às semifinais já asseguram, no mínimo, as medalhas de bronze. Com isso, o Brasil já igualou seu resultado de 2014, em Pequim, quando Bruna Alexandre conquistou o bronze no Mundial, até então a única medalha na disputa individual que o país que tinha na competição.
Acidente e convocação
As mãos de Catia Oliveira não pararam de tremer quando ela deixou a área de competição e entrou no túnel por onde os atletas passam no ginásio de esportes de Celje. A emoção aumentou quando ela percebeu que a russa Nadejda Pushpasheva, uma sorridente senhora de 58 anos, a esperava para parabenizá-la. Sorrindo, a rival a entregou de presente uma das tradicionais bonequinhas russas e um imã com um mapa de seu país.
"Desde que eu a conheci, vi que era uma pessoa boa", conta Catia. "Em 2016, no meu primeiro campeonato depois da lesão séria que tive no ombro, quando tive que operar e ficar oito meses afastada das competições, fui para a Romênia e ela assistiu a uma partida minha e não parava de vibrar por mim a cada ponto. Eu venci de virada por 3 x 2 e, desde esse jogo, a gente tem essa conexão. Ela não fala inglês e nem eu falo russo. Nos entendemos por mímica, mas o carinho uma pela outra é demais", prossegue.
A tremedeira nas mãos de Catia não cedia enquanto ela, de olhos mareados, falava sobre a sensação de ter se tornado uma medalhista em um Mundial. E para entender sua história e o motivo de tanta emoção é preciso retornar ao distante 15 de outubro de 2007 do início do texto.
Naquele dia, Catia, nascida em Cerqueira César, no interior de São Paulo, voltava de carro com duas de Piracicaba em direção a Bauru quando um acidente alterou drasticamente sua vida. "Eu estava dormindo no banco de trás do carro, batemos e lesionei a coluna. Tive uma lesão medular cervical na C5 e na C6", narra a mesatensita. "Foi um acidente leve. Minhas amigas estavam com cinto e só ficaram com a marca do cinto. O carro bateu por volta das 11h na traseira de outro carro e nem foi com força. Mas como eu estava deitada e sem cinto, deu uma chicotada na minha coluna e pronto. Cinco minutos antes eu estava acordada. Deitei e batemos. Tinha que ser...", diz, transparecendo resignação após tanto tempo.
Antes do acidente, Catia jogava futebol em Bauru. E aqui entra um componente ainda mais impressionante daquele 15 de outubro. "Eu estava no hospital quando, às 17h, saiu a minha convocação para a Seleção Brasileira. Eu iria disputar o Mundial Sub-17 no Chile. Era meu maior sonho e para mim aquilo tudo foi difícil demais. Mas superei e hoje estou aqui, vivendo essa emoção toda", recorda.
Vida que segue
Depois do acidente, Catia e a mãe buscaram tratamento no Sarah Kubitschek, em Brasília, e foi lá que a percepção da paulista sobre sua condição começou a mudar. "No Sarah, onde passei três meses, eu via as pessoas felizes e em situação muito pior do que a minha. Depois disso, dizia para mim: 'Você está viva, menina! Para de reclamar e segue a vida!'"
A vida seguiu e, em 2013, durante uma feira chamada Reatec, em São Paulo, voltada para inclusão de pessoas com deficiência, Catia descobriu o tênis de mesa. Ela fez a classificação funcional, começou a treinar, e, no fim daquele ano, disputou sua primeira competição, em Maringá (PR). "Quando entrei e vi aquele clima, acendeu a chama e eu disse: 'Quero ser atleta de novo'".
O resto é história. Determinada, Catia se classificou para os Jogos Paralímpicos Rio 2016, viveu a emoção de defender seu país em casa, mas, ainda no processo de recuperação da cirurgia no ombro, não teve como fazer a preparação necessária e ficou fora do pódio.
A recompensa veio agora, em Celje, uma pequena cidade da Eslovênia com menos de 50 mil habitantes, distante cerca de 50 minutos da capital Liubliana. Ainda nesta sexta, às 12h15 no horário de Brasília (17h15 em Celje), Catia enfrenta a italiana Giada Rossi, número 2 do mundo, medalha de bronze no Rio 2016. "Até agora não parei de tremer de emoção, mas tenho que controlar isso. Quero mais. Vou lutar para chegar à final para brigar pelo ouro", encerra Catia.
Galeria de fotos do Mundial de Tênis de Mesa Paralímpico da Eslovênia 2018
Chances de mais medalhas
O Brasil ainda pode chegar a outras quatro medalhas nesta sexta-feira na Eslovênia. Pela classe 09 feminina, para atletas andantes com pequeno comprometimento de mobilidade, Danielle Rauen e Jennyfer Parinos venceram seus jogos nesta manhã em Celje e às 15h, no horário local (10h, em Brasília), disputam as quartas de final.
Quem também está nas quartas da classe 07, para atletas andantes com comprometimento nas pernas, é Paulo Salmin, que venceu com propriedade o tcheco Daniel Horut por 3 x 0, com parciais de 11/4, 11/6 e 11/5. Pela mesma classe, o brasileiro Israel Stroh por pouco não avançou, mas perdeu nas oitavas de final para o espanhol Jordi Morales por 3 x 2, com parciais de 11/9, 8/11, 11/1, 6/11 e 11/6.
Por último, Bruna Alexandre, número 2 do mundo na classe 10, para jogadores com deficiências motoras leves ou amputação de membros superiores, também joga hoje pela quartas de final, às 13h de Brasília, 18h em Celje.
Luiz Roberto Magalhães, de Celje, na Eslovênia - rededoesporte.gov.br