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Atletismo

21/09/2016 19h28

Legado

Atletas esperam que Paralimpíadas façam pessoas com deficiência saírem de casa

Caso da Grã-Bretanha é emblemático: menos de um ano após sediar os Jogos de 2012, a nação teve aumento de mais de 30% no número de praticantes em modalidades paralímpicas

Torcedores acompanham as disputas da bocha na Arena Carioca 2. Foto: Francisco Medeiros/Brasil2016.gov.br

Para o esporte paralímpico brasileiro, o resultado final dos Jogos Rio 2016 vai além dos pódios e das comparações de campanhas. O principal legado para os atletas do país será fazer com que as pessoas com deficiência saiam do sedentarismo e comecem a praticar esporte. Medalha de prata nos pares da classe BC4 da bocha nas Paralimpíadas no Brasil, após quatro ouros no individual e por equipes em Pequim 2008 e Londres 2012, Dirceu Pinto é representante de uma modalidade que reúne atletas com algumas das paralisias mais severas. Nem por isso eles se resignaram a ficar em casa.

“O número de atletas no Brasil vai aumentar. Nós já temos várias pessoas nos procurando para fazer o esporte paralímpico e acredito que daqui a quatro anos o Comitê Paralímpico Brasileiro vai ter uma dificuldade grande para escolher quais atletas levar para Tóquio”, opinou Dirceu, que tem uma doença muscular degenerativa. Para ele, a maior divulgação na mídia sobre as competições despertará o interesse das pessoas. “A informação de que existe esporte de alto rendimento para deficientes, graves ou não, chegou às famílias brasileiras. Acredito que agora eles vão sair de casa”.

Reclusão que era vivida por Evelyn Vieira, também da bocha, e que foi medalhista de ouro por equipes na classe BC3 nos Jogos do Rio. “Eu sou exemplo disso. O esporte foi uma ferramenta transformadora na minha vida. Eu vivia essa realidade da pessoa com deficiência dentro de casa, só família e estudo, sem contato com a sociedade. Quando passei a praticar o esporte, descobri que os limites que eu acreditava que tinha, na verdade não existiam, e passei a superá-los”.

Uma grata surpresa para o time da bocha brasileira foi a visita da ex-ginasta e praticante de esportes na neve, Laís Souza, que ficou tetraplégica após um acidente enquanto treinava para as Olimpíadas de Inverno em Sochi 2014. Ela foi à Arena Carioca 2 assistir a uma partida da modalidade e gostou do que viu. “Ela tem espirito de atleta. Ela aceitou o nosso convite e fez o teste com a calha da Evani (a calha é o instrumento utilizado para que os atletas com comprometimentos mais severos realizem os arremessos)”, explicou Dirceu. “Acredito que logo ela estará representando o nosso país, mas vamos supor que ela só ficasse em casa vendo a vida passar. Nós perderíamos uma atleta. Outras pessoas viram e também vão praticar as diversas modalidades”, projetou.

Dirceu no pódio (à esq. no alto), Laís Souza durante evento nas Paralimpíadas (à esq. abaixo) e Evelyn realizando arremesso com a calha (à dir.). Fotos: Brasil2016.gov.br

O caso da Grã-Bretanha, que reúne um conjunto de países (Escócia, Inglaterra, Irlanda do Norte e País de Gales) competindo sob a mesma bandeira, é emblemático. Menos de um ano após sediar os Jogos de Londres 2012, a nação teve um aumento de mais de 30% no número de praticantes em algumas modalidades paralímpicas (hipismo, 33%; goalball, 31%; ciclismo, 25%; bocha, 23%; natação, 20% e; vôlei sentado, 20%, são os principais exemplos).

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Karen Bradley, ministra de Estado para Esporte e Cultura britânica, durante encontro com ministro do Esporte, Leonardo Picciani. Foto: Gabriel Heusi/Brasil2016.gov.br

O resultado foi que os britânicos, que já haviam conquistado um excelente resultado em casa, terminando em terceiro com 120 medalhas (34 ouros, 43 pratas e 43 bronzes), nos Jogos Rio 2016 melhoraram o desempenho e ficaram em segundo, com 147 pódios (64 ouros, 39 pratas e 44 bronzes). “O sucesso nos Jogos do Rio começou depois que as pessoas acompanharam de perto as competições em Londres. Isso despertou essa paixão pelo esporte. Muitas pessoas vieram falar comigo e disseram que após os Jogos ficaram motivadas a praticar alguma atividade, porque há tempos não se exercitavam”, revelou Karen Bradley, ministra de Estado para Esporte e Cultura britânica.

Outro ponto importante foi como os próprios deficientes passaram a enxergar a sua condição. “As pessoas com deficiência viram que elas também poderiam se tornar aqueles seres humanos que faziam coisas incríveis. Elas viram de perto e passaram a ter certeza de que o país inteiro era acessível a elas”, opinou Bradley. No dia Nacional Paralímpico britânico de 2013, uma pesquisa foi feita com 18 mil pessoas e 37% dos entrevistados disseram que foram inspirados a fazer um esporte que não praticavam anteriormente como consequência direta da data, na qual são realizados diversos eventos.

Viés de alta

O presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), Andrew Parsons, pretende manter uma agenda grande de eventos e trabalhar com os principais atletas para que o paradesporto no país continue a crescer. Candidatos ao posto de ídolo não faltam, ainda mais que o Brasil diversificou o número de modalidade com medalhas. “Sempre falavam em atletismo e natação, agora nós medalhamos em 13 modalidades, algumas inéditas, como halterofilismo, ciclismo, vôlei sentado e canoagem, outras que voltam a medalhar como hipismo e tênis de mesa, que também teve a sua primeira medalha no individual. É um bom sinal que a gente consegue diversificar e atrair atletas para essas modalidades. As medalhas atraem e as pessoas têm seus ídolos”, analisou.

Andrew também elenca as iniciativas da entidade para que novos talentos surjam. “A gente já faz um programa de atendimento na base com a Paralimpíada Escolar e um programa grande de capacitação de profissionais de educação física das redes públicas municipais e estaduais de ensino, para que eles recebam as crianças com deficiência na sala de aula. Temos várias iniciativas para aproveitar este momento de alta, mas também para sermos capazes de receber essa demanda, porque não adianta as crianças quererem fazer esporte e não haver profissionais que saibam recebê-las”.

Se na base o país conta com essas iniciativas, que incluem ainda as diversas associações, clubes e entidades que direcionam as pessoas para a iniciação esportiva, no alto rendimento o grande legado em infraestrutura das Paralimpíadas Rio 2016 é o Centro de Treinamento construído em São Paulo, com estrutura de ponta capaz de abrigar as seleções de 15 diferentes modalidades.

Novos ídolos: atletas do tênis de mesa em cadeira de rodas comemoram bronze com a torcida. Foto: Francisco Medeiros/ME

Outro olhar

A visibilidade que o esporte paralímpico recebeu durante o megaevento sediado em Londres mudou a maneira como os britânicos viam os deficientes. “A luta pelo direito à acessibilidade teve uma incrível visibilidade com os Jogos Paralímpicos. As pessoas não estavam assistindo apenas esportes, mas queriam ver aqueles seres humanos inacreditáveis, que mostravam que não é porque eram deficientes que não seriam capazes de fazer as coisas impressionantes que eles faziam”, comentou Bradley.

Uma pesquisa feita pela British Paralympic Association (BPA) indicou que os Jogos Paralímpicos tiveram grande efeito sobre as crianças: sete entre dez mudaram a forma como enxergavam os deficientes. Entre os adultos, o percentual em entrevista sobre o mesmo tema realizada após a Cerimônia de Encerramento foi de 81%. A ministra britânica acredita que o mesmo pode ocorrer no Brasil. “Eu vi os brasileiros celebrando, curtindo as Paralimpíadas e compartilhando a felicidade daqueles atletas. Tenho certeza de que as milhares de pessoas que viram as mais incríveis performances na Cerimônia de Encerramento, com os músicos e dançarinos com deficiência, mostrando o que pode ser alcançado, vão querer que voltem eventos como esse e vão ajudar a cidade a ser um lugar mais acessível”.

O craque da seleção brasileira de futebol de 5, Ricardinho, que conquistou o tetracampeonato paralímpico nos Jogos Rio 2016, acredita em uma mudança no comportamento dos não deficientes em relação às pessoas com deficiência, mas acha que será um processo lento. “O primeiro legado que vai ficar é que as pessoas estão conhecendo mais de perto o deficiente, viram que somos profissionais do esporte e que a gente tem êxito no que faz. Só que nosso país precisa melhorar muito a acessibilidade. Se temos vários problemas sociais, imagina quando entra em uma área ainda mais restrita, que é a da pessoa com deficiência. Acredito que possa ter uma mudança, vai ser lenta, mas o resultado que tivemos vai ser importante até para que as pessoas, ao encontrarem um deficiente, ajam de forma diferente”.

Gabriel Fialho – Brasil2016.gov.br