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Geral

08/11/2018 16h41

Madri 2018

Atleta que nunca pôde ver um kata é finalista do Mundial paralímpico de caratê

Com glaucoma congênito, Débora Knihs aprendeu do zero, no escuro, os movimentos plásticos da modalidade e disputa o ouro sábado. Outros dois brasileiros brigam pelo bronze

O kata é a versão mais estética do caratê. Exige movimentos medidos, leveza, equilíbrio e intensidade nas apresentações aos árbitros. Agora, imagine o grau de dificuldade para aprender sem nunca ter tido a oportunidade de ver alguém fazer os movimentos. Essa é a realidade da catarinense Débora Knihs, e o que torna tão especial a conquista da vaga dela para a final do Mundial de Caratê paralímpico na categoria para deficientes visuais.

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Zuza e Débora: paciência, insistência e foco dos dois lados. Foto: Abelardo Mendes Jr/rededoesporte.gov.br

Débora nasceu com glaucoma congênito. Tinha visão parcial, restrita, até os 12 anos, quando ficou completamente cega. Descobriu o caratê apenas aos 29 anos, depois de ter experiências no atletismo e na natação. E criou um código todo especial de comunicação com o seu técnico, o experiente Valmir Zuza, que tem 44 anos dedicados ao esporte.

"É com a paciência do sensei que a gente caminha. Ele pega a mão e mostra como tem de ser. O soco para cima, para baixo, mais para a direita. A perna também: a posição, o encaixe do peso, e muita repetição"
Débora Knihs

"Não consigo ver alguém fazendo. É com a explicação do sensei, a paciência dele, que a gente caminha. Ele pega a mão e mostra como tem de ser. O soco para cima, para baixo, mais para a direita, mais para a esquerda. Perna também: a posição, o encaixe do peso atrás, na frente, 50% a 50%, e muita repetição, né?", explicou Débora, que já tem no currículo um bronze no Mundial, conquistado dois anos atrás, na Áustria. "Não serei mais terceira do mundo. E quero ser a primeira", afirmou.

Segundo Zuza, o processo de comunicação leva em conta inúmeros detalhes, trabalhados ao longo de meses, e a rapidez com que Débora assimilou e transformou o treino em boas performances é surpreendente por isso. "Eu não posso tocar nela o tempo todo. Assim, ela precisa entender rapidamente o que é esquerda, direita, avançar e recuar, flexionar e estender, girar 90 graus, 180 graus, 270 graus. Muitas vezes são meses criando uma base de informações conjuntas para posteriormente trabalhar o kata", explicou o treinador.

De acordo com o "sensei", outra característica importante é que normalmente os deficientes visuais, por não terem liberdade motora, são mais frágeis fisicamente. "É importante identificar isso rapidamente para evitar tendinites, rompimentos de tendão, fraturas. Muitas vezes o fortalecimento muscular tem de vir primeiro", completou. No caso de Débora, segundo o treinador, o desafio era menos de força e foco, e mais de lateralidade e de fragilidade nos braços e nas mãos. "Identificando isso, a gente trabalha mais o que falta e mantém o que tem de qualidade. O importante é criar um equilíbrio, tanto na parte física quanto na motora".

"Ela precisa entender rapidamente o que é esquerda, direita, avançar e recuar, flexionar e estender, girar 90 graus, 180 graus, 270 graus. Muitas vezes são meses criando uma base de informações conjuntas"
Valmir Zuza

Na decisão, marcada para sábado (10.11), um grande desafio pela frente. Com menos de quatro anos de treino, Débora terá pela frente a experiente alemã Helga Balkie. "A Débora vai fazer quatro anos de treinamento em março de 2019. A alemã deve ter quatro anos só de faixa preta. Então são 16 ou 17 anos de treinamento. Mas, ao mesmo tempo, a Débora fisicamente é melhor. Tecnicamente vamos ver na hora. Boa parte numa final é a parte psicológica", previu Zuza.

Dois na disputa de bronze

Na mesma categoria de Débora, Paula Gomes, de 23 anos, se classificou para a disputa do bronze. Natural de Carmo do Paranaíba, pequeno município mineiro de 30 mil habitantes, ela pratica o caratê desde os nove. Tem 8% de visão num dos olhos e 15% no outro, consequência da "doença dos pontos brancos", conhecida no jargão médico como Fundus Flavimaculatus,  que ataca a retina e tem caráter progressivo.

"Fiquei muito feliz. Disputar uma medalha em Mundial é o sonho de qualquer atleta. Vou me concentrar muito para fazer o melhor. Quero levar essa medalha para o Brasil. É o meu primeiro Mundial no ano em que saí pela primeira vez para fora do país", comemorou a brasileira, que tem como diferencial em sua performance a parte acrobática do kata. "Acho que a característica principal que tenho é o salto. Consigo fazer muito bem", comentou a atleta, que terá pela frente na disputa do bronze a russa Alexandra Meteleva.

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Paula Gomes vai disputar o bronze. Aposta nos saltos como diferencial no kata. Foto: Abelardo Mendes Jr/rededoesporte.gov.br

Outro brasileiro na disputa do bronze será Jaime Ruiz, na categoria para cadeirantes. "É uma sensação incrível. Não dá nem para imaginar. Depois que vim do Chile, no Pan, fiquei de junho a outubro, de segunda a sábado, treinando três horas por dia. Vou levar esse bronze", comentou o atleta, que mora e treina em Santo André (SP). O adversário dele na disputa pelo pódio será o francês Fatah Sebbak. A decisão do ouro será 100% egípcia, entre Mohamed Allakany e Abdelaziz Abouelnaga.

Jonas Rocha e Julio Pereira, os outros brasileiros no Mundial de paracaratê de Madri, tiveram performances tecnicamente convincentes, mas acabaram eliminados nos critérios de compensação de deficiências. Como Jonas, por exemplo, tem lateralidade completa e movimento de tronco para frente e para trás, a nota final dele perde um pouco no ajuste de handicap em relação a outros cadeirantes com limitação de movimentos.

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Jaime Ruiz disputa o bronze. Jonas Rocha ficou no 'quase lá'. Foto: Abelardo Mendes Jr/rededoesporte.gov.br

"Foi uma experiência ótima. Eu só tinha disputado o Pan. O Mundial é estar entre os melhores e poder ver o nível técnico de vários países. Agrega muito. Na próxima vou batalhar ainda mais. O kata foi forte, mas como há diferentes graus de lesão competindo em conjunto, tem atletas que ganham até três pontos a mais", disse o paulista de Embu das Artes, que precisou amputar a perna esquerda após sofrer oito tiros.

Para Ariel Longo, técnico da seleção paralímpica, a possibilidade de três medalhas com uma delegação de cinco atletas mostra a força do caratê adaptado no Brasil. "Temos grandes chances de três pódios na primeira participação em peso do paracaratê como modalidade num Mundial. O resultado é muito importante para abrir as portas para as próximas gerações e para possíveis incentivos de patrocinadores", avaliou, em referência ao fato de a competição ter recebido mais de 120 inscrições. "Todos foram bem. Você normalmente não consegue fazer num palco desse algo a mais do que treinou, e eles reproduziram muito próximo do que treinaram. O mérito é todo deles", completou.

Galeria do paracaratê no Mundial de Caratê Madri 2018: imagens disponíveis em alta resolução para uso editorial gratuito (crédito obrigatório: Abelardo Mendes Jr/ rededoesporte.gov.br)

Paracaratê - Mundial de Caratê Madri 2018

Infográfico - Mundial de Caratê Madri 2018

Galeria do Mundial de Caratê no Flickr do Ministério do Esporte: imagens disponíveis em alta resolução para uso editorial gratuito (crédito obrigatório: Abelardo Mendes Jr/ rededoesporte.gov.br)

Mundial de Caratê Madri 2018

Gustavo Cunha, de Madri, na Espanha - rededoesporte.gov.br