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23/02/2015 11h25

Anfitriões de ouro: lenda do vôlei, Karch Kiraly recorda a carreira e os três títulos olímpicos, dois em casa

Único jogador da história campeão olímpico na quadra e na areia, norte-americano prevê que os Jogos do Rio serão os melhores de todos os tempos para o vôlei e o vôlei de praia

Para a maioria dos atletas, ser campeão olímpico representa o auge. Equivale a chegar ao Olimpo do esporte e ter o nome escrito entre os grandes heróis das pistas, das piscinas, das quadras, das raias náuticas, dos ringues e dos demais palcos dos Jogos. Receber a medalha de ouro no maior evento do planeta só pode ser superado por uma única situação (à exceção da Copa do Mundo, para o futebol): ser coroado em seu próprio país, diante da família, dos amigos e dos fãs compatriotas.

Brilhar em casa é ainda mais difícil quando se percebe que desde 1896, quando a primeira edição dos Jogos Olímpicos da Era Moderna foi realizada, em Atenas, apenas 18 países sediaram a competição (o Brasil será o 19º em 2016). Nada disso, entretanto, foi problema para o norte-americano Charles Frederick Kiraly.

Nascido em 3 de novembro de 1960, em Jackson (estado de Michigan), Karch Kiraly, como tornou-se conhecido mundialmente, é considerado uma lenda do esporte e tido por muitos como o maior jogador de vôlei de todos os tempos. Dono de três ouros olímpicos, ele protagonizou uma façanha até aqui jamais igualada: ter sido campeão nos Jogos tanto na quadra (Los Angeles 1984 e Seul 1988) quanto na areia (Atlanta 1996). Cabe ainda mais um detalhe: por duas vezes foi coroado em casa.

Durante entrevista ao brasil2016.gov.br, ele recordou alguns dos momentos mais brilhantes da carreira, como a importância da vitória sobre o Brasil na decisão dos Jogos de 1984, que marcou a primeira medalha olímpica da história dos Estados Unidos no vôlei masculino. Simpático e atencioso, Kiraly falou também sobre o fato de ser comparado ao astro Michael Jordan, sobre sua intensa ligação com o vôlei de praia, sobre o desafio de agora liderar como técnico a seleção feminina norte-americana de quadra e, é claro, revelou suas expectativas para as Olimpíadas do Rio 2016.

Confira os principais pontos da entrevista

Ser campeão olímpico em casa

Eu diria que realmente não me importo muito sobre onde as conquistas das medalhas de ouro aconteceram. Não foi mais importante conquistar o ouro em Los Angeles (1984) do que foi quatro anos depois na Coreia do Sul (em Seul 1988). O importante foi que estávamos tentando ser o melhor time que podíamos e com isso aumentar as nossas chances de ter sucesso. O que foi emocionante sobre Los Angeles é que foi a primeira medalha olímpica de qualquer tipo para a nossa seleção masculina e, como uma boa surpresa, aconteceu de a conquista ter sido nos Estados Unidos. Foi a cereja no bolo. Muitas pessoas em nosso país não conheciam muito o vôlei até aquela Olimpíada, quando as mulheres ganharam a prata (perderam a final para a China) e, na noite seguinte, a seleção masculina conquistou o ouro contra o Brasil. A equipe brasileira, é claro, era um grande time, que tinha grandes lendas que ajudaram a formar uma tradição para o vôlei brasileiro, com jogadores como Bernard, William, Xandó, Montanaro, Renan... Tivemos o começo de uma nova tradição e isso foi um momento especial de se ver em uma quadra americana.

Los Angeles 1984 x Atlanta 1996

Não é possível dizer qual dessas duas medalhas é mais importante para mim, pois elas são tão diferentes... Uma foi a primeira medalha olímpica para o vôlei de quadra dos Estados Unidos (1984) e a outra foi conquistada na primeira competição olímpica da história do vôlei de praia (1996). Cada uma foi a primeira na sua maneira e as duas foram conquistas divertidas e houve, sim, uma vantagem por terem sido em casa. Você não tem que viajar longas distâncias e tem outras vantagens também. Isso foi bem legal.

Lembranças da final em Los Angeles

A principal lembrança é que o Brasil jogou muito bem naquela Olimpíada. Eles haviam nos vencido de forma incontestável em um jogo que ajudou a equipe a avançar para as semifinais (no último duelo da primeira fase, o Brasil derrotou os Estados Unidos por 3 sets a 0, com parciais de 15/10, 15/11 e 15/2) e então estávamos empolgados com a possibilidade enfrentar o Brasil uma segunda vez. E tínhamos a nossa torcida, que estava nos apoiando bastante e o resultado foi que dessa vez nós é que conseguimos uma vitória convincente (por 3 sets a 0, com parciais de 15/6, 15/6 e 15/7). Sentimos uma alegria imensa por termos sido os primeiros a fazer algo que nosso país jamais tinha feito no vôlei, que foi conquistar medalhas com as mulheres (prata) e o ouro com os homens. Quando toda a alegria pela conquista se foi, ficou claro em nossas mentes que por mais bacana que o torneio tivesse sido, foi uma competição mais fraca tecnicamente por conta do boicote. A União Soviética não estava lá, Cuba não estava lá e vários bons times não estavam lá [em resposta ao boicote dos Estados Unidos aos Jogos de Moscou 1980, a hoje extinta União Soviética se negou a disputar as Olimpíadas de Los  Angeles 1984 e com isso outros países do bloco socialista, como Cuba e Alemanha Oriental, também ficaram de fora]. Isso foi uma das razões pelas quais vários atletas que jogaram em 1984 ficaram no time por mais quatro anos para participar dos Jogos na Coreia do Sul em 1988, onde o campeonato foi mais forte.

Arquivo pessoal

A importância da geração de 1984 para o Brasil e os Estados Unidos

Desde aquela Olimpíada, os dois países passaram a ser candidatos a medalha nos Jogos, seja na quadra ou na areia. Tem sido assim desde 1984. Então, foi o início de uma grande tradição e é por isso que eu acho que será tão grandioso para o vôlei que o Brasil e o Rio de Janeiro sediem as próximas Olimpíadas. Eu acho que será, de longe, a melhor Olimpíada para o vôlei em todos os tempos. O Brasil tem grande tradição no vôlei e o país adora esse esporte que eu tanto amo.

Façanha de ser campeão olímpico na quadra e na areia

Eu comecei no vôlei muito cedo, aos seis anos. Meu pai jogou muito vôlei e ele se dispôs a me ensinar quando eu era pequeno. Ele nasceu na Hungria e jogou na seleção húngara juvenil. Quando eu era novo, joguei muito vôlei de praia e é o melhor jogo para ensinar vôlei, melhor do que o de quadra, porque são apenas duas pessoas e você tem que tocar na bola a cada jogada que vem para o seu lado da rede. Você tem que ver mais e reagir mais e tem que cobrir uma área maior. Então, você tem que ter uma boa visão da quadra para aprender como ver o jogo de forma correta. Eu tinha 13 ou 14 anos, depois de já ter jogado vôlei de praia por sete ou oito anos, quando comecei a jogar vôlei de quadra. Então, eu tinha uma real vantagem. Eu joguei vôlei de quadra por muitos anos, mas mesmo quando eu estava na seleção dos Estados Unidos, de 1981 a 1989, nesses oito anos eu ainda jogava de tempos em tempos no vôlei de praia, pois amava esse esporte. Eu perguntava se podia jogar e o treinador, algumas vezes, dizia que eu podia. Então, quando eu terminei a carreira no vôlei de quadra,  voltei para o jogo que foi meu primeiro ‘professor’. Na verdade, nunca parei realmente de jogar vôlei de praia e então foi fácil voltar para a areia e ter uma bela carreira, incluindo nas Olimpíadas, com Kent Steffes, meu grande parceiro em 1996 (com quem foi medalha de ouro em Atlanta).

Arquivo pessoal

Comparações com Michael Jordan (por ser apontado como o melhor jogador de vôlei de todos os tempos)

É um elogio enorme e fico grato que as pessoas pensem algo assim. Mas não penso em ontem, ou em um ano, dez anos ou trinta anos atrás. Atualmente, só penso em como posso ser um técnico melhor. Agora, meu trabalho e minha grande paixão nesse esporte é comandar a seleção feminina dos Estados Unidos (de quadra). Eu também sei que muitas pessoas, incluindo Michael Jordan, tiveram muito sucesso como jogadores e isso nem sempre quer dizer que serão grandes treinadores. Eu estou tentando fazer algo diferente. Tive sucesso como jogador e agora tento fazer com que a seleção feminina americana seja melhor a cada dia. Tento ser o melhor treinador que posso e isso exige aprendizado, o mesmo que tive como jogador, só que de uma maneira diferente.

Sensação de ter perdido o ouro em Londres 2012 (Kiraly era o assistente técnico da seleção feminina dos EUA, que foi derrotada pelo Brasil)

Antes de tudo, ficamos orgulhosos por termos conquistado a medalha de prata, mesmo que o nosso último jogo tenha sido uma derrota. O Brasil jogou muito bem e conquistou a medalha de ouro. Foi desapontador, pois trabalhamos duro por quatro anos para nos colocar em posição de tentar conquistar algo que o vôlei de quadra feminino dos Estados Unidos jamais tinha feito, que é conquistar o ouro nas Olimpíadas. Na verdade, até poucos meses atrás o time feminino dos Estados Unidos nunca tinha conquistado o ouro em nenhum dos grandes eventos, seja nas Olimpíadas, na Copa do Mundo ou no Campeonato Mundial (em outubro de 2014, a seleção feminina dos Estados Unidos venceu o Campeonato Mundial na Itália, derrotando a China na final). Então, estávamos animados com a possibilidade de fazer isso pela primeira vez em Londres, como foi quando eu estava no time masculino em 1984. Mas o Brasil foi muito bem...

José Roberto Guimarães (único treinador de vôlei na história a ter conquistado o ouro olímpico com times masculino e feminino)

Hugh McCutcheon esteve bem perto de repetir esse feito em Londres 2012, pois quatro anos antes ele ganhou o ouro em Pequim 2008 com o time masculino dos Estados Unidos. Zé Roberto é um grande técnico e a equipe técnica do Brasil e a equipe técnica dos Estados Unidos se dão bem. Os brasileiros foram legais ao aceitar o nosso convite para nos visitar no último verão e os recebemos para quatro partidas de exibição. Então, temos uma relação bem amigável e de respeito pelo que Zé Roberto e sua equipe já conquistaram.USA Volleyball

Maior desafio: ser atleta ou treinador?

Os desafios são diferentes e grandiosos. Os dois exigem enorme dedicação e um trabalho duro todos os dias. É preciso foco para se tornar um mestre melhor no nosso ofício, para aprender e crescer a cada dia, e também para errar e aprender com os erros. Não consigo dizer qual das duas carreiras é mais desafiadora. Ambas são. Se não fosse assim, todo mundo teria uma medalha de ouro. Mas poucas pessoas têm, pois é muito difícil, tanto para um atleta quanto para um time e, portanto, é muito difícil também para o grupo técnico.

Jogos Rio 2016

Eu já fui ao Brasil muitas vezes e acho que será a melhor Olimpíada de todas para o vôlei, tanto de quadra quando de praia. No vôlei de praia, a disputa vai ser em uma praia de verdade, o que é ótimo. Em Atlanta (1996), em Atenas (2004), em Pequim (2008) e em Londres (2012) eles tiveram que fazer a competição em “praias artificiais”. O Rio não precisa disso. Algumas das praias mais bonitas do mundo estão lá. Então, acho que será um sucesso espetacular, tanto na quadra quanto na areia.

Brasil x Estados Unidos no vôlei em 2016

Espero que os dois times possam se enfrentar no Rio. Antes de tudo, o Brasil já está classificado e isso é uma das coisas boas de ser o país-sede, pois você não tem que brigar pela vaga. O desafio dos Estados Unidos começa neste ano, com a classificação para as Olimpíadas. Mas tenho certeza de que quando as Olimpíadas começarem no Rio, em 2016, sabendo como os times feminino e masculino do Brasil são fortes e grandiosos, todo mundo tem ciência de que quem quer sonhe em ganhar a medalha de ouro olímpica no Rio terá que passar por essas grandes seleções do Brasil. É um grande desafio para todos os outros times no planeta.

O que gostaria de ver em 2016

Se a gente se classificar, eu adoraria assistir aos jogos de futebol. Seria legal ver o time brasileiro jogando, especialmente no Maracanã, que é um dos maiores estádios do mundo. Os brasileiros certamente vão torcer muito por sua seleção e isso seria bom de ver. Também gostaria de ver o vôlei de praia, pois acho que será bem bonito.

Jogos Olímpicos

O que me vem a cabeça é todo o trabalho duro e a preparação que cada time, cada atleta, cada técnico e todos os outros envolvidos têm que fazer.  As pessoas sempre vêem o resultado final, mas é um longo processo em que todos tentam se tornar melhores a cada dia. Além disso, é emocionante perceber que nos bastidores todo o trabalho foi feito para que os times e os competidores possam tentar o melhor no que eles se prepararam tão arduamente. As Olimpíadas são o maior evento multiesportivo do planeta e é incrível ver isso acontecer a cada quatro anos para os Jogos de Verão e a cada quatro anos para os Jogos de Inverno também.

Um momento olímpico especial

Não tenho um momento especial, mas um dos muitos foi quando disputamos a primeira Olimpíada. Na cerimônia de abertura em Los Angeles, em 1984, vivemos um momento especial como atletas quando caminhamos por último no desfile. Leva-se horas para todas as delegações desfilarem e, quando caminhamos por último como o time do país-sede no Los Angeles Memorial Coliseum, a torcida fez um barulho como eu nunca tinha ouvido antes. Estávamos todos tentando descobrir quem seria a última pessoa a carregar a tocha olímpica e acender a pira. E então, quando ele finalmente percorreu os últimos passos e acendeu a pira, vimos que era Rafer Johnson (ex-decatleta americano, medalha de ouro nos Jogos de Roma 1960), um dos grandes heróis olímpicos dos Estados Unidos, cuja filha, Jeniffer Johnson, joga vôlei e jogou vôlei de praia nas Olimpíadas de Sydney (2000). Aquele momento, quando ele acendeu a pira olímpica e abriu as Olimpíadas de 1984, foi muito especial para a gente. Tínhamos trabalhado duro para tornar o vôlei americano algo especial, pois quatro anos antes era um esporte ainda fraco, que não havia conseguido se classificar para as Olimpíada de Moscou. Então, aquele momento foi especial para o nosso time, que chegou aos Jogos de Los Angeles como real candidato ao ouro.

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Luiz Roberto Magalhães – brasil2016.gov.br