Tenis de mesa
Budapeste 2019
Ma Long tenta um tri inédito no Mundial de Tênis de Mesa desde os anos 1960. Suécia volta à final após 22 anos
Nos anos 1980 e 1990, o tênis de mesa teve um período em que os suecos desafiaram a hegemonia chinesa. Os europeus eram representados, em especial, por uma geração de dois protagonistas: Jan-Ove Waldner e Jörgen Persson. Waldner, até hoje apontado por muitos como um dos mais talentosos atletas da modalidade em todos os tempos, levou os mundiais individuais de 1989 (Persson foi prata), em Dortmund, na Alemanha, e de 1997, em Manchester, na Inglaterra, além do ouro olímpico nos Jogos de Barcelona, em 1992. Persson deu o troco e venceu a final contra Waldner em Chiba, no Japão, em 1991.
Liderados por essa dupla, os atletas suecos da "Golden Age", como Erik Lindh, Mikael Appelgren e Peter Karlsson, ajudaram o país a somar mais de 15 pódios entre mundiais individuais e por equipes em menos de 20 anos. Mas, desde a última conquista do "Mozart" do tênis de mesa, como é carinhosamente chamado Waldner, fez-se um hiato. A final entre Waldner e o bielorrusso Vladimir Samsonov, em 1997, foi a última com registro de suecos na disputa. Um vácuo que terminou neste sábado, 27.04, em Budapeste, na Hungria.
Após 57 minutos de jogo, Mattias Falck, de 27 anos e 1,91m, encerrou em 4 sets a 3 o conto de fadas do sul-coreano An Jaehyun. O asiático de 19 anos, 157º do mundo, veio do qualifying e ganhou oito partidas seguidas até a semifinal do primeiro Mundial de que participou. Saiu com o bronze. Falck garantiu o carimbo no passaporte de finalista com parciais de 8/11, 11/7, 3/11, 11/4, 11/9, 2/11 e 11/5.
"Eu só consigo dizer que estou muito feliz. Eu tentava o tempo todo focar em cada bola. Esse era um jogo importante. Tinha muita coisa em questão. É algo grande para mim e para a Suécia", afirmou o jogador. Do lado de fora da área de jogo, no banco, quem sentia novamente a emoção de uma decisão no horizonte era exatamente Jörgen Persson, técnico do atleta sueco e protagonista da geração de ouro do país escandinavo. "É um sentimento ótimo. Vinte e dois anos é muito tempo, mas que bom que chegou a nossa hora de voltar", afirmou o treinador.
No caminho para chegar à decisão, Mattias Falck, 14º do ranking, disputou seis partidas. Superou na estreia o húngaro Adam Szudi (136º), por 4 a 1. Na sequência, eliminou o austríaco Robert Gardos (48º), por 4 a 2. O português Tiago Apolónia (54º) foi a vitima na fase de 32 atletas, batido por 4 a 0. Nas oitavas, uma batalha contra o sul-coreano Lee Sangu, top ten do mundo (sexta posição), e vitória por 4 sets a 1. Nas quartas, tirou do caminho Simon Gauzy (4 a 1). O francês vinha embalado por ter eliminado, na rodada anterior, o chinês Xu Xin, 2º do mundo.
"Eu só tento me manter calmo, atento à estratégia pensada. Nisso o meu técnico, que já esteve nessa situação, me ajuda muito. É isso e aproveitar o que tenho de melhor, que é a aceleração no forehand", disse Falck. O atleta tem um estilo único no alto rendimento. Usa um pino curto, borracha que não tem tanto efeito quanto a de outros atletas, mas que tem o potencial de acelerar mais as bolas e tirar o tempo de reação do adversário, principalmente nessa era de bolas plásticas e um pouco maiores.
"Ele tem mantido uma consistência e jogado em muito alto nível. É a primeira vez dele nesse tipo de situação e de pressão, num palco desse tamanho e em fases tão decisivas. Por isso meu trabalho é mais mantê-lo focado no que tem de fazer, sem medo, bem pautado na estratégia", disse Persson.
Três vezes Ma Long?
A tarefa de Falck na decisão deste domingo a partir das 8h30 (de Brasília) não será nada, nada fácil. Do outro lado da mesa estará o chinês Ma Long, de 30 anos. É o atual bicampeão do mundo (2015 e 2017). Dono do ouro nos Jogos Olímpicos Rio 2016. Colecionou títulos de mais de 25 etapas do circuito internacional e liderou o ranking mundial de forma ininterrupta entre março de 2015 e fevereiro de 2018.
De 2006 para cá, Ma Long integrou a equipe vencedora do Mundial por equipes sete vezes. Em Mundiais individuais, além dos dois ouros que já tem, foi semifinalista (bronze) em 2013, 2011 e 2009. Isso significa subir ao pódio nas últimas seis edições, um feito inédito, principalmente desde que a competição passou a ser disputada a cada dois anos. Depois de um período lesionado e fora do circuito em 2018 em função do nascimento do filho, Ma Long voltou ao seu nível mais elevado.
"Não importa o oponente na final, eu penso que é sempre ou uma oportunidade ou um desafio. Eu prefiro sempre encarar como desafio"
Ma Long
Demonstrou isso de forma clara nas três últimas partidas do Mundial da Hungria. Primeiro, diante do brasileiro Hugo Calderano, número sete do mundo, nas oitavas de final: após perder a primeira parcial, Ma Long igualou o placar em 1 x 1 e engatou três sets em que parecia "imparável". No dia seguinte, enfileirou um 4 x 0 em seu compatriota e número três do mundo, Lin Gaoyuan. Neste sábado, outro chinês ficou para trás, Liang Jingkun, número nove da listagem da ITTF, batido por 4 sets a 1.
"No início do jogo eu estava liderando, mas o Liang retomou as ações. Tentei me certificar de usar as bolas mais delicadas, dos momentos mais importantes, a meu favor, e a me manter em minha estratégia. Estive muito ativo durante todo o jogo e acho que atuei muito bem", afirmou o atual número 11 do mundo.
Ma Long tenta um feito que não ocorre no tênis de mesa masculino desde os anos 1960, quando o chinês Zhuang Zedong foi o último atleta a vencer por três vezes consecutivas um mundial individual, em 1961 (Pequim, na China), 1963 (Praga, na antiga Tchecoslováquia) e 1965, em Liubliana (na Eslovênia).
"O Ma Long, hoje, é o melhor do mundo, e não há muita discussão em relação a isso, mas o Falck atingiu um nível tal que não se intimida e é capaz de propor o jogo contra quem quer que seja"
Jörgen Persson, técnico de Mattias Falck e campeão mundial individual em 1991
"Não importa o oponente na final, eu penso que é sempre ou uma oportunidade ou um desafio. Eu prefiro sempre encarar como desafio", afirmou Ma Long. Para se ter uma ideia de como um tricampeonato em sequência é raro, antes de Zhuang Zedong apenas o húngaro Victor Barna conseguiu tal feito. Ele venceu quatro vezes em sequência, entre 1932 e 1935.
O encontro entre Ma Long e Mattias Falck remonta, também, à última final que opôs um chinês e um sueco. Foi há 32 anos, em 1987, no Mundial disputado em Déli, na Índia. Na ocasião, Jan-Ove Waldner perdeu a decisão para Jiang Jialiang por 3 sets a 1, com 22/20 na última parcial. As partidas, naquele tempo, eram disputadas em parciais de 21 pontos.
"São tempos e jogadores bem diferentes. Não há uma comparação possível. O Ma Long, hoje, é o melhor jogador do mundo, e não há muita discussão em relação a isso, mas o Falck atingiu um nível tal que não se intimida e é capaz de propor o jogo contra quem quer que seja. Vai ser uma bela final", afirmou Persson.
A chegada de Ma Long à final individual masculina é só mais uma face do amplo domínio atual chinês no tênis de mesa. No Mundial de Budapeste, a China já comemorou um pódio completo no individual feminino, com o título para Liu Shiwen. Celebrou pódio duplo nas duplas mistas, com Xu Xin e Liu Shiwen em primeiro e Ding Ning e Fan Zhendong com o bronze. Foi vitoriosa nas duplas masculinas, com Ma Long e Wang Chuqin campeões, com Lin Gaoyuan e Liang Jingkun em terceiro.
O resto do mundo teve como celebração especial, além da retomada do orgulho sueco, a inclusão de dois novos países na geografia dos contemplados com medalhas. Primeiro com a prata do espanhol Alvaro Robles, que fez parceria internacional na dupla masculina com o romeno Ovidiu Ionescu. Depois, com o bronze dos portugueses Tiago Apolónia e João Monteiro, também nas duplas masculinas. Os dois países ibéricos estrearam no quadro histórico de medalhas do torneio.
Investimento e retorno
O Brasil participou da competição em Budapeste, na Hungria, com uma delegação de oito atletas, sete deles atualmente integrantes do Bolsa Atleta, programa da Secretaria Especial do Esporte do Ministério da Cidadania. O investimento federal no grupo é de 274 mil por ano. Jéssica Yamada, assídua como bolsista entre 2010 a 2017, é a única que não está atualmente vinculada.
No ciclo olímpico atual rumo aos Jogos de Tóquio, o tênis de mesa já teve 395 atletas contemplados pelo programa, com R$ 5,6 milhões em investimentos. Atualmente, há 247 inscritos, com 125 atletas olímpicos, 112 paralímpicos e outros dez no Bolsa Pódio (Calderano e nove esportistas paralímpicos).
No torneio húngaro, o Brasil colecionou indicadores do crescimento do esporte. Pela primeira vez na história, sete atletas do país chegaram à chave principal do torneio. Mais do que isso, o fato de o país ter classificado cinco atletas a uma chave principal individual masculina deixou o Brasil ao lado de outras cinco nações que conseguiram o mesmo feito em 2019: Japão, China, Coreia do Sul, Suécia e Alemanha.
Para completar, Hugo Calderano, atual número sete do mundo, fez sua melhor campanha em quatro participações em mundiais individuais. O carioca de 22 anos chegou pela primeira vez às oitavas de final, após deixar para trás o argentino Horacio Cifuentes (100º do mundo), o japonês Kazuhiro Yoshimura (50 º) e o indiano Sathiyan Gnanasekaran (28 º). Calderano só parou diante do bicampeão mundial e ouro olímpico, o agora finalista Ma Long, da China.
Galeria de fotos (imagens disponíveis para download em alta resolução e uso editorial gratuito. Crédito: Abelardo Mendes Jr/ rededoesporte.gov.br)
Gustavo Cunha, de Budapeste, na Hungria - rededoesporte.gov.br