Judô
Mundial de Judô 2019
Larissa Pimenta: promessa da base com potencial de surpreender as "protagonistas"
A paulista Larissa Pimenta não é exatamente fácil de decifrar. É do tipo que esconde o olhar. Da turma dos que observam de canto, dos que falam baixo quando não se sentem ambientados. O traço de timidez, contudo, é mais fachada do que essência. Com um quimono e diante de uma adversária, a atleta de 20 anos abandona qualquer sinal de hesitação. "Eu não tenho muita expressão facial, mas por dentro fico acelerada. Mesmo assim, sou tranquila, consigo me controlar bem e manter a concentração. Antes de entrar em cada luta, sempre penso direitinho no que posso fazer", afirmou a judoca, uma das duas representantes do Brasil na categoria -52kg no Campeonato Mundial, que será disputado de 25 de agosto a 1 de setembro em Tóquio, no Japão.
Em maio de 2018, quando teve a primeira boa chance de representar o Brasil numa competição de relevância, Larissa conquistou o ouro nos Jogos Sul-Americanos de Cochabamba, na Bolívia. Desde então, vem numa ascendência consistente, constante. Mesmo ainda figurando no time de juniores, garantiu a vaga na seleção principal na categoria em que brilhou a recém-aposentada Erika Miranda, dona de duas pratas e dois bronzes em mundiais.
"Eu não tenho muita expressão facial, mas por dentro fico acelerada. Mesmo assim, sou tranquila, consigo me controlar e manter a concentração. Antes de entrar em cada luta, penso direitinho no que posso fazer"
Larissa Pimenta
Entre etapas do Grand Slam e do Grand Prix em 2019, Larissa colecionou pódios e performances em que foi longe na chave. Foi terceira na Áustria, na Turquia e na Geórgia. Ficou nas quartas na França e na Alemanha. E, no passado mais recente, foi ouro em dose dupla no continente. Primeiro, no Pan-Americano da modalidade. Em seguida, nos Jogos Pan-Americanos de Lima, no Peru, há dez dias.
"Acho que tive uma boa preparação para chegar aqui. Aquele ouro lá atrás, nos Jogos Sul-Americanos, teve muita importância. Era praticamente minha primeira competição internacional. Ganhei confiança para estar em outras competições, para aproveitar outras oportunidades", comentou a filha do meio entre cinco irmãos.
Inicialmente, aliás, Larissa buscou o judô para "se defender" dos familiares. "Comecei quando tinha oito anos, numa escola do litoral paulista, em São Vicente. Meus irmãos mais velhos faziam judô. Chegavam em casa e queriam lutar. Cansei de apanhar", brincou. A 'chave' para o alto rendimento foi virada quando recebeu um convite do Pinheiros (SP), aos 14 anos.
"A Larissa é uma promessa muito boa. Vem crescendo. A gente espera que ela possa se espelhar na Rafaela Silva, na Mayra Aguiar. Essa integração, essa mesclagem da experiência do nosso elenco com a disposição das novas atletas melhora a confiança de quem está chegando, ao mesmo tempo em que estimula as mais velhas com sangue novo. Isso gera um ambiente muito bom para o judô brasileiro", afirmou o técnico da seleção feminina, Mario Tsutsui.
"Conheço bastante as adversárias. A nova da categoria sou eu. Elas estão me mapeando agora, mas já conhecia elas todas faz tempo"
Larissa Pimenta
Correndo por fora
Larissa chega ao Mundial como a vigésima do ranking mundial em sua categoria, mas com uma menção especial dos especialistas. Na previsão feita pela própria organização do evento, a brasileira aparece como uma das que corre por fora em Tóquio. "Larissa disputou dez campeonatos este ano e vem melhorando a cada um. Conquistou cinco pódios e aparece como estreante a ser observada", indica o texto.
A tarefa é complexa. A categoria de Larissa é uma das mais estreladas do Mundial. Conta com 59 competidoras, e pelo menos quatro delas com um currículo bem extenso. A líder do ranking é a francesa Amandine Buchard, de 24 anos, ouro no Grand Slam de Baku e no Grand Prix de Marrakech, além de terceira colocada nos Jogos Europeus de 2019.
Outra atleta de amplo retrospecto é a experiente Majlinda Kelmendi, de Kosovo, de 28 anos. Com dois títulos mundiais e dona da etiqueta dourada no quimono, símbolo que identifica as atuais campeãs olímpicas, Kelmendi tem três títulos no currículo em 2019, no Grand Prix de Israel, no Grand Slam da Alemanha e nos Jogos Europeus.
Ninguém, no entanto, chega com tanto brilho e holofotes quanto Uta Abe. Com apenas 19 anos, a japonesa é um fenômeno. Conquistou o Mundial de 2018, em Baku, no Azerbaijão, e vem de um ciclo de 37 lutas de invencibilidade, 23 delas finalizadas com um ippon, o golpe perfeito no judô. Em 2019, Abe disputou apenas o Grand Prix de Hohhot, na China, em maio, e, claro, saiu com o título.
Abe luta em casa, diante de uma torcida que idolatra o judô, e dentro de um ginásio que é um ícone da modalidade: o Nippon Budokan foi construído para os Jogos Olímpicos de 1964, também realizados em Tóquio. É chamado por alguns mais empolgados de Maracanã do judô. A arena para 8 mil torcedores tem a arquitetura de um templo e é um dos atrativos do Mundial de 2019.
Uma das possíveis rivais de Abe vem também do Japão. Ai Shishime, de 25 anos, foi a vice-campeã mundial em Baku, em 2018, venceu o Grand Slam de Paris e terminou com a segunda colocação no Grand Slam de Baku, em 2019. É a terceira colocada no ranking mundial.
"É difícil, mas conheço bastante as adversárias. A nova da categoria sou eu. Elas só estão me mapeando agora, mas eu já conhecia elas todas faz tempo", afirmou Larissa. Para impor seu estilo, a brasileira não elege um golpe preferido ou um estilo determinado. Valoriza a capacidade de adaptação. "Durante a luta, a gente vai sentindo o que consegue fazer de fato. Às vezes não dá de um jeito e tem de buscar outra coisa. Por isso, não tenho preferência. Gosto de lutar em cima e embaixo. Para mim é indiferente. Se tiver de ganhar em cima, vamos em cima. Se tiver de jogar embaixo, vamos lá", brincou.
"A Larissa é uma promessa muito boa. A gente espera que ela possa se espelhar na Rafaela Silva, na Mayra Aguiar. Essa mesclagem da experiência com a disposição das novas atletas gera um ambiente muito bom para o judô brasileiro"
Mario Tsutsui, técnico da seleção feminina
Sonho e simbolismo
Para a atleta de 1,57m, ter a chance de estrear num Mundial em solo japonês representa a concretização de uma série de sonhos e simbolismos. "Eu sempre sonhei estar um dia num Mundial Adulto. Não sabia que seria tão rápido, e muito menos que essa estreia viria no 'berço do judô', no mesmo lugar em que serão os Jogos Olímpicos de 2020".
A categoria de Larissa será disputada na segunda-feira, dia 26 de agosto. A outra brasileira no -52kg é a paulista Eleudis Valentim, de 27 anos, que conquistou a prata na etapa de Haia do Grand Prix, disputada em novembro de 2018, na Holanda. Além disso, Eleudis esteve duas vezes entre as oito melhores em 2019. Foi a quinta colocada tanto no Grand Slam de Baku, no Azerbaijão, em maio, quanto na etapa de Budapeste, na Hungria, em julho.
Números expressivos
Evento-teste para os Jogos Olímpicos de 2020, o Campeonato Mundial de Judô de 2019 reúne 860 atletas, de 149 países. São sete categorias no masculino e outras sete no feminino. Entre 25 e 31 de agosto, a disputa será individual. No dia 1 de setembro, será a vez da competição por equipes mistas, formato que será adotado pela primeira vez no programa olímpico nos Jogos do Japão.
Na chave individual, o Brasil tem 18 atletas inscritos. Dezessete deles são integrantes do Bolsa Atleta, programa da Secretaria Especial do Esporte do Ministério da Cidadania. O investimento anual do governo federal no grupo é de R$ 1,67 milhão.
Além disso, 12 dos 18 atletas estão incluídos na Bolsa Pódio, a categoria mais alta do programa, voltada para esportistas que se consolidam entre os 20 melhores do mundo. Eles recebem repasses mensais que variam entre R$ 5 mil e R$ 15 mil. Numa outra frente de investimentos federais, 11 dos 18 atletas integram o Programa de Alto Rendimento das Forças Armadas (PAAR).
Larissa é uma das contempladas pela Bolsa Atleta, na categoria Internacional, e pelo PAAR, como terceira sargenta da Marinha. "Eu enxergo a bolsa como um investimento em nós mesmos. Temos de saber aproveitar esses recursos. Investir no que a gente precisa, nas melhores coisas. É um incentivo que me ajuda e a muitas outras pessoas", afirmou a judoca. Depois do Mundial, Larissa ainda tem compromissos expressivos em 2019, ambos em outubro: o Campeonato Mundial Júnior, no Marrocos, e os Jogos Mundiais Militares, na China.
Gustavo Cunha, de Tóquio, no Japão - rededoesporte.gov.br