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Badminton

02/08/2019 04h27

LIMA 2019

Ygor Coelho: de uma piscina vazia na Chacrinha para uma final inédita dos Jogos Pan-Americanos

Carioca venceu o canadense Jason Ho-Shue na semifinal e, nesta sexta-feira, coloca o Brasil pela primeira vez na decisão do badminton

Jogos Pan-Americanos Lima 2019

“Se eu saí da favela e estou aqui, todo mundo pode”, defende Ygor Coelho. Aos 22 anos de idade, o maior nome do badminton no país já tem muito o que ensinar. Fruto de um trabalho social iniciado pelo próprio pai, Sebastião Dias de Oliveira, na comunidade carioca da Chacrinha, o jogador segue fazendo história: foi o primeiro brasileiro a disputar os Jogos Olímpicos da modalidade, no Rio 2016, o primeiro a vencer edições do Pan-Americano, em 2017 e 2018, e, agora é também o primeiro a chegar a uma final individual dos Jogos Pan-Americanos.

“É um orgulho. Ter vindo da Chacrinha, com meu pai lutando tanto por aquelas crianças, e eu ser o fruto desse trabalho e representar o meu país... é um orgulho, uma honra estar na final e fazer história para o badminton brasileiro”, comemorou Ygor após vencer um duelo duríssimo contra o canadense Jason Ho-Shue por 2 sets a 1 (20/22, 22/20, 21/8), nas semifinais em Lima.

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Vitória suada em cima do canadense: vaga inédita na final do Pan. Foto: Abelardo Mendes Jr/ rededoesporte.gov.br

Hoje o atleta mora na Dinamarca e viaja para jogar nas quadras de todo o mundo, mas o início foi em uma realidade bem diferente. Nos fundos de uma piscina vazia, em uma quadra improvisada e, muitas vezes, sem peteca disponível, uma criança de apenas três anos de idade aproveitava o término das aulas do pai para, brincando, aprender um esporte pouco conhecido no país.

“É um orgulho. Ter vindo da Chacrinha, com meu pai lutando por aquelas crianças, ser fruto desse trabalho e representar o meu país"
Ygor Coelho, finalista do Pan no badminton

“Meu pai veio de uma instituição chamada Funabem (Fundação Nacional de Bem-estar do Menor), para menores carentes ou infratores, e foi muito ajudado lá. Ele foi atleta de natação, fez uma piscina de natação, mas no caminho descobriu o badminton. Então ele construiu uma quadra de badminton dentro da piscina. Ele tinha a primeira equipe e eu jogava com ele depois dos treinos”, relembra Ygor.

A criança começou a crescer e, ao longo do percurso, outros esportes tiveram a chance de “roubar” suas habilidades. “Com seis anos, na escola, tive acesso a handebol, basquetebol, futebol, tudo com ‘bol’”, diverte-se. O gosto, contudo, era, além de hereditário, bastante produtivo. “O badminton me encantou porque comecei primeiro e já ganhava medalhas, no pré-mirim, no mirim. Com 10, 11 anos de idade, tive a honra de jogar o Pan-Americano juvenil e ganhei três medalhas de ouro. Aí eu descobri o meu talento”, conta.

A sequência de títulos estava apenas começando. Ygor é hexacampeão pan-americano júnior e bicampeão na categoria adulta. Chegou a figurar no top 30 do ranking mundial, sendo o atleta mais bem colocado das Américas. Ao Peru, desembarcou como número 59 da listagem, mas o 33o da corrida olímpica. Para o objetivo de permanecer entre os 35 melhores e, assim, garantir um posto em Tóquio, os Jogos Pan-Americanos ganham uma dimensão especial por contar pontos para a sonhada classificação.

Mais do que cálculos e listas, o desempenho significativo em Lima representa ainda a recuperação de um momento difícil. “Eu queria tentar o World Tour, mas tive lesões que me impossibilitaram. No Brasil Open, o circuito olímpico começou e eu lesionei a panturrilha esquerda. Foi muito difícil de voltar, juro que eu não estava conseguindo encaixar o meu jogo, mas aqui está sendo um torneio muito especial para mim. Era uma meta, e estar na final para mim representa superação”, define Ygor. 

O espírito de luta ganhou até uma trilha sonora. “Tenho uma nova playlist neste torneio, do filme Creed. Eu me sinto um lutador”, brinca, enquanto arrisca cantar a melodia do spin off da série “Rocky”. E assegura ter chegado preparado para o confronto. “Eu foquei muito em preparação física. Acredito que estou muito forte”, comenta.

A força do brasileiro não é isolada. Em Lima, a modalidade já garantiu a melhor campanha da história. Além da final de Ygor, o Brasil levou também outras quatro medalhas de bronze: nas duplas femininas, com Tamires Santos/Fabiana Silva e Jaqueline/Sâmia Lima, nas duplas masculinas, com Fabrício/Francielton Farias, e nas mistas, com Fabrício/Jaqueline. 

“Eu estou muito orgulhoso dos meus companheiros. Cada um tem uma história diferente, tem gente do Piauí, de Campinas. É muito gratificante ver nosso badminton crescendo no país. Desde as Olimpíadas vem crescendo e isso é muito legal”, aponta Ygor.

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Foto: Abelardo Mendes Jr/ rededoesporte.gov.br

A vitória

Na primeira parcial, o canadense número 73 do ranking mundial chegou a abrir quatro pontos de vantagem, mas Ygor reagiu e virou. O brasileiro marcou 20/16, mas viu o adversário fazer seis pontos seguidos e fechar em 22/20. No segundo set, Jason também começou melhor e Ygor precisou correr atrás. Mais uma vez, um placar apertado e uma reação do rival quase acabaram com o sonho do Brasil de chegar à decisão.

“Eu senti toda a pressão do torneio. Não é fácil liderar em uma semifinal, é algo histórico, tudo isso veio na minha cabeça e não deveria ter vindo. No segundo set eu vi esse filme passar, mas, quando ele me deu uma oportunidade, eu agarrei todo o meu pensamento na estratégia”

Foi preciso um trabalho psicológico muito forte para sair do empate em 20/20, fazer mais dois pontos e conseguir levar a disputa para o set decisivo. “Eu senti toda a pressão do torneio. Não é fácil liderar em uma semifinal, é algo histórico, tudo isso veio na minha cabeça e não deveria ter vindo. No segundo set eu vi esse filme passar, mas, quando ele me deu uma oportunidade, eu agarrei todo o meu pensamento na estratégia”, explica. 

Percebendo a exaustão do adversário, Ygor soube aproveitar melhor seu espaço para, implacável, abrir oito pontos de vantagem, enquanto Jason deitava no chão, vencido. Com um placar cada vez mais largo, o brasileiro fechou o set em 21/8 e, vibrando, comemorou a inédita vaga na grande final. As vitórias anteriores foram em cima de Uriel Canjura, de El Salvador, Leodannis Martínez, de Cuba, e Timothy Lam, dos Estados Unidos, sempre por 2 x 0.

“Vem na cabeça toda a história, todo o esforço, com peteca, sem peteca, sem raquete, morar fora. É uma mistura de sensação”, tenta definir. “Sei que estou fazendo história, mas preciso continuar focado no que vim para fazer”, pondera.  Nesta sexta-feira (02.08), o atleta enfrenta o também canadense Brian Yang. “Já joguei duas vezes contra ele, uma ganhei e outra perdi. Espero jogar com o mesmo espírito de garra e de vontade, continuar focado na tática. Vamos ver o que vai acontecer”, comentou.

Suporte

O árduo início da carreira de Ygor Coelho ganhou uma nova perspectiva ainda na adolescência. “Desde os 14 anos recebo a Bolsa Atleta. Isso me permitiu viajar para torneios internacionais, nacionais, e eu continuei sendo um dos melhores do meu país. Isso me ajudou a comer”, aponta o jogador, que hoje integra a categoria Olímpica. “Não só para mim, mas os atletas da minha equipe vêm de uma situação muito mais difícil que a minha. Eu tenho a maior honra de ser atleta bolsista. Se não fosse isso, não estaria fazendo história hoje”, completa.

Em Lima, 100% do elenco do badminton é formado por contemplados pelo programa Bolsa Atleta do governo federal, em um investimento de R$ 192,6 mil anuais. Na modalidade como um todo, há hoje 88 nomes, representando um aporte de R$ 1,5 milhão ao ano. Um recurso que, além de permitir a dedicação ao esporte, vem transformando ainda a realidade social. 

“O Bolsa Atleta para a gente é crucial. A gente vive disso, ajuda os nossos pais. Quando a gente não recebia, nossa condição era bem escassa. Agora a gente consegue ter um rendimento bem melhor para ajudar nossas famílias”, compara Fabrício Farias. “Minha família é bastante humilde. Ajudo a levar meus pais para médicos, porque eles estão doentes, ajudo na alimentação das minhas sobrinhas”, enumera o jovem de 19 anos. 

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Foto: Abelardo Mendes Jr./rededoesporte.gov.br

Quatro bronzes 

Ao lado de Jaqueline, Fabrício conquistou hoje o bronze nas duplas mistas após a derrota para os canadenses Joshua Hurlburt e Josephine Wu por 2 sets a 1 (20/22, 21/17, 21/13). “A gente já tinha jogado contra eles antes e sempre é um jogo pegado. Eu me sinto muito orgulhoso por termos feito uma boa partida. A gente queria muito passar para a final, mas não deu”, lamenta. “Estar aqui e levar medalhas para casa é inexplicável. Aproveitei cada momento”, completa Jaqueline.

Já nas duplas femininas, Sâmia e Jaqueline foram derrotadas pelas norte-americanas Kuei-Ya Chen e Jamie Hsu, também por 2 sets a 1 (17/21, 21/12, 21/18), e levaram mais um bronze. “Quando eu comecei, nem imaginava jogar um campeonato, só queria brincar”, relembra Sâmia. “Começaram a chamar os melhores da escolinha para um torneio interno em Teresina, chamaram novos atletas para a seleção piauiense. Para mim tudo era uma brincadeira. O meu primeiro campeonato foi em Blumenau, eu não sabia nem como que viajava. Tinha uns oito anos. A partir daquele momento, quis seguir”, relata a atleta, hoje aos 19 anos.

Berço de grande parte da equipe, Teresina tem, na Universidade Federal do Piauí, um investimento de R$ 6 milhões do governo federal que garantiu a construção e a equipagem de um centro de treinamento de excelência para o badminton. O complexo conta com ginásio com seis quadras, de acordo com as normais internacionais, além de arquibancada para 500 pessoas, academia, departamento médico, alojamento, cabines para imprensa, auditório, biblioteca e espaço administrativo. 

Ainda nesta quinta-feira, Tamires e Fabiana foram derrotadas pelas canadenses Rachel Honderich e Kristen Tsai por 2 sets a 0 (21/5, 21/8), enquanto Fabrício e Francielton perderam para os americanos Philip Chew e Ryan Chew por 2 sets a 1 (22/20, 13/21, 17/21). As duas duplas brasileiras também ficaram com medalhas de bronze.

Badminton - Jogos Pan-Americanos Lima 2019

Ana Cláudia Felizola, de Lima, no Peru – rededoesporte.gov.br