Judô
Mundial de Judô 2019
Rafaela Silva só cai diante da japonesa campeã mundial e conquista o bronze em Tóquio
Ela já foi campeã olímpica, mundial, dos Jogos Pan-Americanos. Mas sabe medir com precisão o tamanho de um bronze em um Campeonato Mundial disputado no berço do judô, um ano antes dos Jogos Olímpicos de Tóquio, e numa arena histórica para a modalidade. Ao confirmar o bronze, o primeiro pódio do Brasil na edição de 2019 do torneio, Rafaela correu para um abraço emocionado no técnico Mario Tsutsui. Um abraço que referenda o nome de Rafaela Silva como a atleta brasileira de resultados mais expressivos na história da modalidade.
Era o desfecho feliz de um dia em que a atleta carioca, vinculada ao Instituto Reação, venceu quatro lutas das cinco que disputou. Só não superou a então campeã do mundo, a japonesa Tsukasa Yoshida, na semifinal da competição, sendo derrotada depois de quase três minutos de Golden Score.
Na disputa do bronze, superou a jovem francesa Sarah Leonie Cysique, de 21 anos, com um waza-ari. O ouro da categoria -57kg acabou ficando com a canadense Christa Deguchi, uma japonesa naturalizada que conquistou o primeiro ouro da história do Canadá em um Mundial. Ela derrotou na final a própria Yoshida. O outro bronze foi para a polonesa Julia Kowalczyk, outra atleta da nova geração, de 21 anos.
"A realidade é que para um atleta independe se é prata, ouro ou bronze, ainda mais na minha categoria, uma das mais cheias, de muita qualidade. Estar no bolo, entre as melhores, é o que me fortalece"
Rafaela Silva
"Eu entrei aqui muito focada. Queria muito ganhar o Mundial de novo. Infelizmente não consegui, mas fiquei feliz com a minha competição. Eu estava um pouco cansada no final, desgastada, mas a realidade é que para um atleta independe se é prata, ouro ou bronze, ainda mais na minha categoria, uma das mais cheias, de muita qualidade. Estar no bolo, entre as melhores, é o que me fortalece para seguir e, quem sabe, disputar uma nova medalha numa nova Olimpíada", afirmou Rafaela.
Para a brasileira, chegar ao pódio num ano pré-olímpico e tendo uma temporada recheada de pódios relevantes em etapas do Grand Prix, de Grand Slams e no Pan de Lima abre uma janela importante para voltar a Tóquio nos Jogos Olímpicos de 2020. "Competir no Japão é diferente. Muitos dos que estão na arquibancada entendem de judô. Eles torcem com empolgação, gostam de ver luta. Na hora em que anunciavam meu nome, sempre me aplaudiam. Isso faz a grandeza da competição. Mas, no fim das contas, eu não foco em números, mas no meu trabalho, no meu objetivo. Quem sabe esse bronze vira outra cor na Olimpíada". A medalha em Tóquio foi a oitava conquista de Rafaela na temporada.
A grande surpresa da noite foi mesmo o resultado da final, com a japonesa Yoshida surpreendida pela canadense Christa Deguchi, de 23 anos. Embora tivesse resultados expressivos na temporada, com os títulos do Grand Prix de Montreal, do Grand Slam de Ecaterimburgo e do Campeonato Pan-Americano, nem a própria atleta esperava ir tão longe no principal palco da modalidade em 2019. "Estou muito orgulhosa e muito feliz. Eu sinceramente não esperava estar aqui nessa entrevista, e muito menos com a medalha de ouro, a primeira da história do Canadá. Mudei do Japão para lá há pouco tempo e, claro, é um sentimento diferente vencer em Tóquio", afirmou a campeã, que preferiu dar a entrevista em japonês em respeito ao país anfitrião.
Trilha até o bronze
No caminho para chegar à semifinal, Rafaela Silva encarou na estreia, já na segunda rodada, Abzetta Dabonne, da Costa do Marfim. Com 26 anos, ela tinha no histórico recente dois títulos em Abertos da África, disputados em 2018 nas cidades de Dakar, no Senegal, e Yaounde, em Camarões. Diante de Rafaela, contudo, a luta foi breve. Com dois waza-aris em menos de um minuto, a brasileira avançou à terceira fase.
Na sequência, a carioca teve pela frente uma antiga pedra em seu sapato: a portuguesa Telma Monteiro, de 33 anos. As duas haviam se enfrentado três vezes em ocasiões anteriores no Circuito Mundial, com duas vitórias da lusa. Uma delas foi marcante porque ocorreu logo na segunda rodada do Mundial de Budapeste, na Hungria, em 2017. O torneio era o primeiro Mundial após o ouro olímpico de Rafaela. Telma também havia levado a melhor na semifinal do Grand Slam de Tóquio, em 2014. Rafaela tinha uma vitória registrada na repescagem no Grand Slam de Paris, também em 2014.
No Mundial de Tóquio, contudo, Rafaela não deu espaço para a adversária, atualmente a 14ª do mundo. Telma recebeu uma punição por evitar a pegada, outra por um falso ataque e, na sequência, sofreu um waza-ari de Rafaela. Com pouco menos de 30 segundos para o fim da luta, a lusa ainda teve uma terceira punição, por falso ataque.
"Quando o meu sensei perguntou o que achei da chave, eu disse que tinha achado boa. Eu gosto de entrar numa competição e lutar com adversárias com as quais tenho retrospecto ruim, porque sei que nessas situações tenho de dar mais, de crescer. No Mundial de 2017 ela me venceu na primeira luta, e entrei pensando que tinha algumas coisas para resolver com ela", brincou Rafaela.
Já nas quartas de final, Rafaela teve pela frente a russa Daria Metzhetskaia, de 25 anos. As duas haviam se encontrado uma vez, na segunda rodada do Grand Slam de Ecaterimburgo, na Rússia, em março de 2019. A russa, atual número 18 do mundo havia levado a melhor.
Na arena da Nippon Budokan, contudo, Rafaela dominou as ações do início ao fim. Tomando a iniciativa em todas as ocasiões, provocou um punição por falta de combatividade na adversária com 2min06s de luta. Na sequência, aplicou um waza-ari, aos 3min11s, e completou o serviço com um ippon aos 3min27s. "Na Rússia eu perdi para essa atleta muito rápido. Ela é mais baixa e foi difícil colocar o golpe. Por isso dessa vez tive de estudar mais e ter um pouco de paciência", comentou Rafaela.
Semifinal e disputa do bronze
Na semifinal, Rafaela lidava com uma estatística incômoda. De cinco confrontos anteriores com a japonesa Tsukasa Yoshida, ela havia perdido quatro. No mais recente, contudo, havia saído com uma vitória por ippon. O confronto, com ampla participação da torcida no ginásio a favor da anfitriã, foi muito equilibrado ao longo do tempo normal de luta, mas no Golden Score a japonesa foi mais efetiva. Em várias ocasiões levou a luta para o solo, em que é uma ótima atleta, e fez com que a energia física de Rafaela fosse minada. Até que, com 2min23s do tempo extra, a japonesa acabou encaixando um golpe e finalizou a luta.
"Eu prefiro não falar em pedra no meu sapato, mas em considerar que estou feliz com a evolução da minha capacidade de adaptação. Quando cheguei na final olímpica do Rio, eu também tinha um currículo desfavorável com a mongol, mas consegui vencer. Lutar com as melhores sempre faz o meu judô melhorar", comentou Rafaela.
Na disputa do bronze, Rafaela teve pela frente a francesa Sarah Cysique, de 21 anos. Ainda sentindo o desgaste físico da semifinal, a brasileira tentou cadenciar a luta ao máximo, encaixou um golpe computado como waza-ari e segurou a vantagem até a contagem regressiva do cronômetro. "Ali eu confesso que também estava na contagem regressiva", brincou Rafaela, que somou o bronze às outras duas medalhas que já tinha conquistado em mundiais: ouro no Rio de Janeiro, em 2013, e prata em Paris, em 2011.
"Essa ajuda é importante na carreira do atleta. Dá uma confiança a mais. A gente não precisa se preocupar com o dinheiro, porque sabe que ele entra na conta certinho, e a gente pode focar só no treino, nas competições"
Rafaela Silva
Números expressivos
Evento-teste para os Jogos Olímpicos de 2020, o Campeonato Mundial de Judô reúne 839 atletas, de 148 países, em sete categorias de peso no masculino e sete no feminino. Até 31 de agosto, a disputa é nas categorias individuais. No dia 1 de setembro, será a vez da competição por equipes mistas, formato que será adotado pela primeira vez no programa olímpico nos Jogos do Japão. Pelo sorteio da chave, o time brasileiro vai estrear contra a seleção alemã. Se vencer, terá pela frente o vencedor do confronto entre Portugal e Azerbaijão.
Na chave individual, o Brasil tem 18 atletas inscritos. Dezessete deles são integrantes do Bolsa Atleta, programa da Secretaria Especial do Esporte do Ministério da Cidadania. O investimento anual do governo federal no grupo é de R$ 1,67 milhão.
Além disso, 12 dos 18 atletas estão incluídos na Bolsa Pódio, a categoria mais alta do programa, voltada para esportistas que se consolidam entre os 20 melhores do mundo. Rafaela Silva está nesse grupo. Os contemplados pela Bolsa Pódio recebem repasses mensais que variam entre R$ 5 mil e R$ 15 mil. Numa outra frente de investimentos federais, 11 dos 18 atletas, também incluindo Rafaela, integram o Programa de Alto Rendimento das Forças Armadas (PAAR).
"Esses incentivos são muito importantes, ainda mais num momento em que a gente está na reta final de ciclo olímpico, e muitos atletas não têm patrocínio pessoal. Às vezes, por exemplo, você precisa pagar uma viagem para se ranquear melhor e ter chance de ir para os Jogos Olímpicos. Essa ajuda é importante na carreira do atleta. Dá uma confiança a mais. A gente não precisa se preocupar com o dinheiro, porque sabe que ele entra na conta certinho, e a gente pode focar só no treino, nas competições", concluiu Rafaela.
Fotos do Mundial de Judô de Tóquio em alta resolução para uso editorial gratuito
Gustavo Cunha, de Tóquio, no Japão - rededoesporte.gov.br