Atletismo
Maratona
Quênia no topo, compaixão sul-americana, escorregão e flexão: as histórias da Maratona Rio 2016
A prova é nobre, o percurso é longo, a chegada é triunfante e as histórias que ela gera ficam eternizadas. A maratona é o símbolo do encerramento dos Jogos Rio 2016 e o cenário para isso, neste ano, foi literalmente de Apoteose. A linha de partida e chegada foi montada no Sambódromo, um dos cartões postais mais conhecidos da cidade olímpica. Na manhã deste domingo (21.08), o primeiro a comemorar o fim da prova foi o queniano Eliud Kipchoge após 2h08m44s. Ele já tinha duas medalhas olímpicas nos 5.000m (prata em Pequim e bronze em Atenas), e agora comemora o primeiro ouro.
“Esta é a melhor medalha que já consegui em minha vida. Não foi fácil, mas me senti muito confortável na prova. Nos últimos cinco quilômetros ou pouco mais, eu estava sozinho e aí sim pude relaxar minha mente”, contou Kipchoge. Foi a primeira vez que o Quênia faturou os dois ouros na maratona: Jemima Sumgong venceu a prova feminina. A prata foi para a Etiópia: Feyisa Lilesa cruzou a linha de chegada em 2h09m54s. Já o norte-americano Galen Rupp ficou com o bronze com o tempo de 2h10m05s.
O país-sede foi representado por Marilson Gomes dos Santos, Paulo Roberto de Almeida Paula e Solonei Rocha da Silva. Marilson, 39 anos, é o brasileiro ainda em atividade com melhor tempo na prova: 2h06m34s da maratona de Londres, em 2011. Nos Jogos Olímpicos do ano seguinte, também na capital britânica, ficou em quinto (2h11m10s).
“Esta é a melhor medalha que já consegui em minha vida. Não foi fácil, mas me senti muito confortável na prova. Nos últimos cinco quilômetros ou pouco mais, eu estava sozinho e aí sim pude relaxar minha mente”
Eliud Kipchoge
Sob chuva, a largada foi dada às 9h30. Os atletas percorreram o centro e parte da Zona Sul da cidade, retornando para a região central e encerrando o percurso na icônica Marquês de Sapucaí. Na marca de 10 km, a liderança estava com Ghirmay Ghebreslassie (31m08s) da Eritreia, e os brasileiros ocupavam posições entre o 56º e o 65º. Na metade dos 42,195km, Solonei já aparecia em 32º, Paulo Roberto em 34º e Marilson em 41º, enquanto o queniano Wesley Korir (1h05m55s) assumia a ponta.
Quando a prova chegou aos 30km, a liderança estava com o etíope Lemi Berhanu (1h33m15s), e o melhor brasileiro era Paulo Roberto, em 25º, 41 segundos atrás do líder. Solonei estava em 30º, e Marilson ocupava a 54ª posição. Nos quilômetros finais da prova, o queniano Kipchoge assumiu a ponta e não teve pra ninguém. Paulo Roberto foi o primeiro entre os anfitriões a cruzar a linha de chegada, em 15º, com 2h13m56s. Marilson ficou em 59º (2h19m09s), e Solonei terminou em 78º (2h22m05s).
“Só de ouvir a torcida gritando ‘Paulo, Paulo, Paulo’, não tem preço. Minha primeira maratona no Brasil, então tem um valor especial. Foi um bom resultado, mas termino esta prova aqui e já estou com a cabeça em Tóquio 2020”, disse Paulo Roberto.
“Foi minha última maratona. A partir daqui encerro minha carreira, então era uma questão de honra terminar a prova, até por todas as pessoas que vieram aqui”, disse Marilson.
Escorregão, flexão e volta a Atenas 2004
Meb Keflezighi, aos 41 anos, foi um dos principais personagens da maratona. Ele parou sete vezes ao longo do percurso, mas lutou contra o desânimo para terminar sua terceira maratona olímpica. Quando se aproximava da linha de chegada, Meb escorregou no piso molhado e caiu. Mas não queria fazer feio e protagonizou um momento divertido.
“Acho que vou ficar conhecido por conta dessa chegada. Eu estava olhando para trás para ver se havia alguém, e começaram a gritar ‘Estados Unidos, Estados Unidos’. Levantei as mãos para saudar a torcida e acabei caindo. Mas aí eu ‘mergulhei’ e aproveitei para fazer algumas flexões”, contou Meb, que fez questão de lembrar que seu nome mesmo é Mebrahtom, que soa como “marathon”, em inglês. Ele que ficou em 33º (2h16m46s).
Nascido na Eritreia e refugiado nos Estados Unidos desde 1987, Meb foi o corredor que ficou com a prata na maratona de Atenas 2004, exatamente a prova em que o padre irlandês Cornelius Neil Horan empurrou Vanderlei Cordeiro de Lima quando o brasileiro liderava. Foram 13 segundos perdidos, mas Vanderlei seguiu e ficou com o terceiro lugar. Meb relembrou o episódio:
“Todos nós temos um sonho olímpico. E quando faltava um quilômetro vi que ele estava sentindo muita dor, e eu também estava sentindo muito. Nós que não estamos acostumados à maratona, pensamos mesmo em abandonar, mas fomos mais fortes que esse abandono"
Derlys Ayala
“Eu não me lembro disso acontecendo na hora, mas lembro que na coletiva de imprensa disseram: ‘Gostaríamos que fossem duas medalhas de ouro’. E eu pensei: eu fiquei em segundo, também quero uma medalha de ouro, o que aconteceu? Foi uma episódio infeliz, mas aquilo mudou o esporte em termos de segurança, porque você ficava vulnerável. Vanderlei traduz o espírito esportivo e ainda ficou com o bronze, fiquei feliz por ele. E ele acendeu a tocha aqui (na cerimônia de abertura), foi muito especial”.
Compaixão sul-americana
O paraguaio Derlys Ayala não se destacou pelo posicionamento na chegada, já que ficou em 136º (2h39m40s), mas brindou os torcedores com uma cena marcante. Ao ver que o argentino Federico Bruno estava pensando em desistir, perdeu segundos – ou até minutos – importantes na reta final para incentivar o amigo. Aproximaram-se juntos do fim da prova, Derlys cruzou primeiro e não parou de “puxar” Federico até que ele também terminasse. A resposta do argentino foi uma chegada emocionante, correndo de lado, para suportar as dores até o fim, e ficou em 137º (2h40m05s).
“Todos nós temos um sonho olímpico. E quando faltava um quilômetro vi que ele estava sentindo muita dor, e eu também estava sentindo muito. Nós que não estamos acostumados à maratona, pensamos mesmo em abandonar, mas fomos mais fortes que esse abandono. Agora é treinar mais para a próxima. Seria muito triste não terminar a primeira maratona olímpica, ainda mais que o conheço desde pequeno, e fico feliz que conseguimos realizar o nosso sonho”, disse Derlys Ayala.
“Com 30 quilômetros, senti muita cãimbra, e depois foi o corpo, o estômago, achei que não chegaria. Estava desidratado, mas queria terminar o sonho olímpico. Tomei muita água, parava uns 30, 40 segundos, para relaxar o corpo e tentava continuar. Tratei de correr reclinado, de lado, mas estava difícil. Aí veio o paraguaio e me deu força nos últimos três quilômetros. Disse: ‘Vamos chegar juntos, temos que chegar’. E conseguimos”, recordou Federico Bruno.
Poderíamos continuar narrando várias outras histórias, como a do pequeno cambojano Kuniaki Takizaki, que cruzou em penúltimo, mas levou medalha de ouro em animação. Uma bela cena para encerrar a prova e dar um gostinho de “quero mais” para Tóquio 2020.
Carol Delmazo e Mateus Baeta, brasil2016.gov.br