Atletismo
Preparo mental
Psicologia e coaching, chaves para a “tensão pré-olímpica"
Quantas vezes já escutamos que determinado atleta tem potencial para ir longe, mas o lado psicológico afeta a conquista? Qual seria a melhor maneira de romper barreiras que impedem o atleta de vencer? Como um esportista de alto rendimento aprende a lidar com o temor da derrota ou com grandes fracassos? Qual é o segredo para formar grandes campeões?
Nos Jogos Olímpicos, a resposta mais precisa a esses questionamentos pode ser a diferença entre uma medalha e o tropeço, entre um pódio e uma eliminação na fase de grupos. Com tantos atletas separados por diferenças mínimas de performance, o papel de profissionais de psicologia e coaching ganha valor estratégico.
“O coaching é um trabalho de reprogramação mental. Normalmente esse profissional é acionado quando um atleta se sente pronto fisicamente e tecnicamente, mas, ainda assim, tem questões pontuais interiores a serem resolvidas. Muitas vezes é algo que ele mesmo precisa descobrir e transformar”, explica a coach esportivo Nell Salgado, que tem como clientes dezenas de atletas e os destaques olímpicos Ingrid Oliveira (saltos ornamentais), Rafaela Silva e Mariana Silva (judô).
Como a Olimpíada está na porta, o trabalho fica mais ameno. O atleta não pode estar sobrecarregado física ou psicologicamente. É preciso fazer com que ele traga para o consciente todo o esforço, treino, dores e alimente a ideia de que está pronto. A luta pela medalha não começa com a competição. Ela começou há quatro anos
Nell Salgado, coach
O processo, segundo Nell Salgado, costuma ser personalizado. "Cada indivíduo é único em sua personalidade e experiências. Primeiramente fazemos um teste específico e a partir daí começamos enfaticamente o trabalho voltado para o objetivo traçado. Meu papel é munir o atleta de ferramentas que impulsionem seus resultados”, disse.
Primeira modalidade a competir no Rio 2016, nesta quarta-feira, contra a China, a seleção feminina de futebol contou com a ajuda de João Serapião, um psicólogo velho conhecido do treinador Vadão. “O que fizemos primeiramente foi traçar o perfil individual e saber qual a melhor forma de lidar com cada jogadora. O psicólogo extrai essas informações mais rapidamente que a gente. Depois fizemos o perfil coletivo, para saber do que aquele grupo realmente precisa. Então, a partir das avaliações, individual e coletiva, iniciamos um trabalho dentro do que o psicólogo vê e do que o treinador vê, ora individual, ora coletivamente”, disse Vadão em entrevista antes da estreia.
Ao contrário do futebol feminino, a seleção de ginástica rítmica chegará à Vila dos Atletas apenas no dia 14 e competirá nos dias 20 (classificatória) e 21 (finais). Com isso, as atletas precisarão segurar ainda mais a ansiedade. Lenamar Fiorese é a psicóloga que acompanha as ginastas e conta que o trabalho vem sendo desenvolvido dentro de maneira contínua há quatro anos, quando foi iniciado o ciclo olímpico. “O psicólogo do esporte é membro da equipe multidisciplinar e atua apoiando o técnico em seu plano de trabalho. Nosso primeiro passo foi avaliar as demandas de atletas e comissão técnica e mapear o desenvolvimento de habilidades psicológicas e a ação sobre problemas específicos de performance. Cada atleta tem uma demanda e o atendimento é personalizado, ainda que o esporte seja coletivo”, diz Lenamar, que também já foi atleta profissional – de handebol – e integrou a seleção brasileira da modalidade entre 1983 a 1987.
Fator casa
A profissional pondera ainda que o fato de a competição ser realizada no Brasil foi amplamente trabalhado no aspecto psicológico das atletas para que o que pudesse vir a ser uma possível pressão ou ameaça seja transformado em oportunidade. “Não só a ginástica rítmica, mas as seleções brasileiras de todas as modalidades terão a vantagem de estar em um ambiente totalmente conhecido e de contar com o apoio da torcida”.
Para Nell Salgado, esse momento de pré-competição é um dos mais delicados, pois mistura sensações como ansiedade, alta expectativa, pressão. “Como a Olimpíada está batendo na porta, o trabalho fica mais ameno. O atleta não pode estar sobrecarregado física ou psicologicamente. É preciso fazer com que ele traga para o consciente todo o esforço, treino, dores e alimente a ideia de que está pronto, pois a luta pela medalha não começa com a competição. Ela começou há quatro anos”.
A campeã mundial Rafaela Silva tem um caso emblemático. Ela chegou a pensar em desistir após a eliminação frustrante nas Olimpíadas de Londres, após ser punida por um golpe considerado irregular pelos árbitros. “O coaching está sendo fundamental na minha vida desde quando havia decidido abandonar os treinos após Londres 2012. Foi um período difícil para mim e essa ajuda me fez voltar a ser a atleta que sempre fui”, diz a judoca que, com a volta por cima, retoma o posto de promessa de medalha no Rio 2016.
“A Rafa é um monstro. Se estiver no dia dela ninguém segura, é ouro olímpico”, sintetiza Nell Salgado. Rafaela, inclusive, passou a se interessar pela área da psicologia no esporte após vivenciar mais intensamente o universo. “Quando comecei a me entender melhor, passei a ter a curiosidade em saber o que passa na cabeça de outros atletas também. Foi uma área que me instigou bastante”, diz Rafaela Silva.
Assédio e nota zero
A história de Ingrid Oliveira é similar. A atleta de saltos ornamentais nunca havia cogitado acompanhamento psicológico, mas sentiu a necessidade após o Pan de Toronto. Primeiro, porque sofreu um assédio impulsivo da imprensa ao ser considerada uma das musas da competição. Depois, após um salto executado de maneira errada da plataforma de 10m, que lhe rendeu a nota zero. “Depois do que aconteceu comigo no Canadá eu considerei essa hipótese porque sabia que o meu psicológico tinha me atrapalhado. Eu estava ansiosa e receosa para fazer aquele salto”, recorda.
Com o trabalho de coaching, Ingrid passou a compreender que é necessário desligar a mente de intervenções externas. “Não acaricio o tempo todo. Tenho uma pegada de confronto com o atleta. A maior parte das pessoas tem dificuldade com isso, de enfrentar seus medos, seus fantasmas, mas quem consegue é capaz de enfrentar qualquer coisa. E assim tem sido o trabalho com a Ingrid”, afirma Nell Salgado. “Temos uma relação de amor, troca e amizade. Mas também temos a relação do ‘tiro, porrada e bomba’. Acho que essa balança é o grande segredo. Eles sabem que a dor será compartilhada. E a vitória também. Por isso passamos juntos pelos bons e pelos maus momentos”, destaca a psicóloga.
Ingrid conquistou em junho, na repescagem, a vaga para a disputa individual na plataforma de 10m no Rio 2016. “Nós já estamos fazendo história ao conquistar essa vaga e a meta real agora é a classificação para uma final olímpica. O Brasil está crescendo nos saltos ornamentais, mas sabemos que temos pela frente uma longa jornada até a excelência”, afirma.
No caso da seleção brasileira de ginástica rítmica, o trabalho precisa ser pensado e programado para atender as necessidades do conjunto e de eventuais individualidades. As meninas, que têm uma média de 20 anos de idade, estão participando pela primeira vez de uma olimpíada. Aliado a isso, o calendário tardio na competição poderia representar uma expectativa ainda maior nas jovens atletas, mas a psicóloga garante que o trabalho está focado em encontrar mecanismos que colaborem com as ginastas e ajudem-nas a equilibrar emoções. “Esse é o maior evento esportivo do mundo e o sonho de qualquer atleta de alto rendimento. Controlar as emoções e estabelecer metas não é necessariamente pensar na pressão e no risco. Precisamos escolher um caminho e seguir com o nosso plano para atingirmos o objetivo de executar as séries com precisão”, conclui Lenamar Fiorese.
Valéria Barbarotto, brasil2016.gov.br