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Geral

07/03/2018 18h43

Jogos Paralímpicos de Inverno

No esqui cross-country paralímpico, domar a meteorologia é desafio à parte

Seja em treinos ou nas provas, entender as limitações causadas pelo frio e pela consistência da neve na performance e no corpo dos atletas é fator tão estratégico quanto a técnica

Com neve demais, o risco é empacar, atolar. Se a neve for “de menos”, o problema é escorregar, cair com frequência. Quando o atleta tem uma lesão medular, sem sensibilidade nas pernas, o monitoramento constante das reações do corpo ao frio é essencial. No esqui cross-country paralímpico, a relação com a meteorologia é quase tão estratégica quanto o treinamento físico e técnico. Aline Rocha e Cristian Ribera, os representantes brasileiros nos Jogos de PyeonChang, na Coreia do Sul, lidam diariamente com esse desafio a mais, principalmente por não terem uma vivência de neve tão frequente quanto os rivais.

Aline e Cristian: os representantes brasileiros no esqui cross-country em PyeongChang. Foto: CPB

"Por ela não ter sensibilidade nas pernas, a gente precisa fazer um monitoramento da temperatura externa e do tempo de exposição do atleta ao frio. Quando chega a 15 graus negativos, por exemplo, não podemos fazer treinos de mais de uma hora"
Fernando Orso, sobre Aline Rocha

“A neve nunca vai estar igual. Em todo esse período de preparação, a gente procurou variar ao máximo os tipos de competição. Quero estar preparada para qualquer situação. Uma condição perfeita para mim seria uma temperatura agradável, de média de cinco graus negativos, nem tão frio nem tão quente. E que a neve esteja numa condição em que eu possa ser agressiva nas curvas, ousada e de preferência sem quedas”, afirmou Aline Rocha, que fará sua primeira prova paralímpica no dia 11 de março. A Abertura dos Jogos Paralímpicos de Inverno será no dia 9 de março, no Estádio Olímpico de PyeongChang.

A paranaense Aline, de 26 anos, sofreu uma lesão medular num acidente de carro quando era adolescente. Em função disso, não tem sensibilidade na região das pernas. Isso faz com que todo o processo de treinamento e de adaptação ao esqui sentado exija um monitoramento cauteloso.

“Essa era uma das grandes preocupações antes de começarmos a ter experiências na neve. A gente precisa fazer um monitoramento com relação à temperatura externa e ao tempo de exposição do atleta ao frio. Quando chega a 15 graus negativos, por exemplo, não podemos fazer treinos de mais de uma hora”, explica Fernando Orso, técnico dos atletas brasileiros. “Já quando está acima de zero graus e com sol, podemos treinar até duas horas e meia”, completa.

Além do olhar constante no termômetro, há cuidados durante e depois dos treinos com a proteção das pernas. “A forma como a gente protege o membro é essencial. Temos de usar uma quantidade interessante de meias, botas ou capas e, assim que termina o treino, a gente vai o mais rápido possível para o hotel ou um local aquecido para visualizar como está o pé. Normalmente fica avermelhado, e a gente monitora o tempo que leva para voltar à coloração normal”, detalha.

Segundo ele, a aclimatação em Livigno, na Itália, e as vivências em diferentes temperaturas e consistências de neve nas etapas da Copa do Mundo na Finlândia e na Ucrânia foram importantes para fazer também essa triagem. “A gente conseguiu identificar o comportamento do organismo dos atletas em cada uma dessas temperaturas”, afirmou Orso.

A chegada a PyeongChang foi um sintoma dessa alternância de possibilidades que a natureza impõe à modalidade. No primeiro dia em que tiveram oportunidade de reconhecer o percurso, em 4 de março, a neve estava meio derretida, enlameada pelo calor. No dia seguinte, nevou demais e o percurso ficou fofo. Apenas na terça-feira, dia 6, as condições ficaram próximas ao ideal previsto por Aline. “Finalmente a pista ficou compacta, com sol e pouco vento”, disse a esquiadora, que se tornará a primeira atleta nacional a competir em Jogos Paralímpicos de Verão e de Inverno. Nos Jogos do Rio, Aline disputou os 1.500m (foi a nona) e a maratona (terminou em décimo). Em PyeongChang, disputará as provas de sprint (1km), de média distância (5km) e de longa distância (12km). 

Aline usa proteção adicional nas pernas para garantir que o frio não cause problemas. Foto: Márcio Rodrigues/CPB

Adaptado até demais

Atleta mais novo dos Jogos Paralímpicos da Coreia do Sul, Cristian é desses casos raros de uma adaptação acima da média a qualquer exigência física e técnica. Aos 15 anos, ele é o caçula dos 647 inscritos de 47 países. Com as certezas típicas da adolescência, definiu o circuito dos Jogos como “fácil e rápido”.

"Temos que ter cuidado em alguns pontos, principalmente nas subidas, para saber onde e quando atacar, mas gostei bastante de tudo"
Cristian Ribera

"Temos que ter cuidado em alguns pontos, principalmente nas subidas, para saber onde e quando atacar, mas gostei bastante de tudo", disse. Cristian é de Rondônia. Nasceu em Cerejeiras, cidade de 18 mil habitantes a 730km de Porto Velho. Em função de uma artrogripose, doença congênita que afeta as articulações das extremidades, sua mãe o levou para morar em São Paulo em busca de tratamento quando tinha apenas três meses. Passou por 21 cirurgias de correção nas pernas, a última há cerca de quatro anos.

O esporte entrou em sua rotina cedo, aos quatro anos, com o objetivo de complementar a fisioterapia. “Comecei na natação, mas já pratiquei tênis, capoeira, atletismo”, conta. Já o esqui cross-country foi apresentado a ele há três anos, após uma parceria da Confederação Brasileira de Desportos na Neve (CBDN) com a Fundação Agitos, braço desenvolvedor do Comitê Paralímpico Internacional para fomentar a prática da modalidade no país.

A afinidade com o sitting ski (esqui adaptado para quem não tem mobilidade nos membros inferiores) foi quase imediata. Cristian competiu oficialmente pela primeira vez em dezembro de 2017. Em fevereiro, na etapa da Copa da Finlândia, alcançou a melhor pontuação no esqui cross-country já registrada por brasileiros (48,19) até agora e assegurou a vaga.

“Para mim está sendo tudo bem rápido. Apesar de ter três anos no roller ski treinando no Brasil, eu só tinha tido uma experiência na neve, por um mês, na Suécia, em dezembro de 2016. Por isso quando viajei no fim do ano nem criei expectativas. As diferentes condições de temperatura e de pista trazem diferenças, mas estou adorando tudo”, afirmou Cristian.

Representante do Brasil no esqui olímpico em Vancouver (2010) e Sochi (2014), Leandro Ribela elogia o calouro. “Ele é uma máquina. Não pára, tem uma frequência de movimento muito alta. Geralmente a condição de endurance vem com o tempo de treinamento e a capacidade aeróbica aumenta com o passar dos anos. Mas ele está rendendo bem tanto em prova de velocidade, de um quilômetro, até prova de 15 quilômetros, que não seria característica dele ainda”, afirmou.

Gustavo Cunha, rededoesporte.gov.br, com informações do Comitê Paralímpico Brasileiro