Atletismo paralímpico
Ninguém nasce campeão
Lorena, a bailarina-velocista em eterna construção
Lorena Spoladore tinha duas paixões que julgava conciliáveis. Queria ser bailarina com a mesma intensidade que pretendia correr mais rápido e saltar mais longe que as adversárias. Dançava pela manhã, estudava à tarde, treinava à noite. E assim seguia o cotidiano na adolescência em Goiânia (GO), cidade que a família adotou para tentar tratar um glaucoma congênito que levou 100% da visão da paranaense de Maringá aos seis anos.
Determinada por natureza, ela não pretendia abrir mão de nada, mas houve um instante em que o físico lhe mandou recado. “Foi chegando uma época em que meu corpo não estava aguentando. O treino rendendo, o balé rendendo forte. Mas meu sonho era ser bailarina. E decidi ficar só no balé. Saí do atletismo. Só que percebi que faltava algo. Ficou um vazio ali. Fui começando a enjoar do balé até decidir retomar o atletismo. Foram de novo mais uns seis meses nessa rotina com as duas atividades e mais a escola”, lembrou a velocista, mais uma personagem da websérie Ninguém Nasce Campeão, do rededoesporte.gov.br.
A encruzilhada definitiva viria meses à frente. Mais do que treinar, Lorena queria índices para competições regionais e nacionais. Percebeu que precisava de foco. Ouviu falar de atletas como Alan Fonteles, Terezinha Guilhermina e Yohansson Nascimento. Acompanhou o burburinho em torno dos Jogos Paralímpicos de Londres, em 2012. Criou uma relação de encantamento com as medalhas e performances dos brasileiros. E viu que ali havia uma possibilidade de achar um “nicho de mercado”.
“Ser campeã foi uma construção. E que construção! Acho que equivale a um prédio de cento e tantos andares, porque eu não chegaria onde cheguei se não tivesse passado por toda a trajetória de treinos, de sofrimento, de dores, de vômito, de apoio psicológico, de força da família, dos amigos, do guia”
Lorena Spoladore
“Comecei a perceber que poderia ser uma profissão. Até então achava que o jeito era conciliar a vida de atleta com outra coisa. Comecei a pesquisar. Fui competindo e pensei que queria aquilo”, afirmou. Não foi contudo, uma decisão sem percalços, sem dúvidas. Na vida prática do alto rendimento, descobriu que o dia a dia seria bem mais exigente. “Fui convocada para a seleção de jovens. Vim para uma semana de treinos em São Paulo e sofri demais: senti dores em todo o corpo, vomitei, cheguei a pensar que não queria aquilo, que não valia a pena. Mas insisti. Deixei o balé de vez. E veio a convocação para o Mundial de Lyon de 2013”, recordou. Viajou para a França com o sonho de conquistar um bronze. Voltou para o Brasil com o ouro no salto em distância para deficientes visuais.
“Foi quando realmente caiu a ficha, eu vi que tinha uma carreira, que era meu dom. Até Lyon eu não queria nada muito sério, até em função da idade. Eu tinha 17 anos, a idade da indecisão. Quando ganhei, pensei que tinha de honrar. Não dava para ser campeã e desistir. Criou-se muita repercussão, muita expectativa”.
O “pós-Lyon” foi, de fato, intenso. Lorena saiu de Goiânia, deixou a família, mudou-se para São Paulo em 2014 e passou a pautar os treinos com vistas aos Jogos Paralímpicos Rio 2016. Trabalhou tanto as provas de velocidade, caso dos 100m, quanto o salto em distância. “Eu só tinha na mente que tinha de chegar bem ao Rio. E deu certo. Na minha primeira Paralimpíada, conquistei duas medalhas, uma de prata e uma de bronze. Lógico que a gente sempre quer a de ouro, mas para minha evolução foi incrível”, avaliou. Lorena foi prata como integrante do revezamento 4 x 100m e bronze no salto em distância.
Quando volta o pensamento para a trajetória que cumpriu, Lorena vê uma edificação em contínuo trabalho de consolidação. “Para mim, ser campeã foi uma construção. E que construção! Acho que equivale a um prédio de cento e tantos andares, porque eu não chegaria onde cheguei se não tivesse passado por toda a trajetória de treinos, de sofrimento, de dores, de vômito, de apoio psicológico, de força da família, dos amigos, do guia, tudo junto e misturado”, brincou. “E ainda preciso mais. A gente nunca está satisfeito. E, para continuar crescendo, é mais construção para cima. Então é trabalhar mais e mais”.
Gustavo Cunha, rededoesporte.gov.br