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Laura Pigossi e Luisa Stefani: o mais improvável dos pódios do Brasil em Tóquio
Por definição, o adjetivo improvável diz respeito a algo que tende a não acontecer. É um cenário cujas chances de se tornar real apontam para o impossível ou para o inacreditável. Mas se existem palcos no esporte onde o improvável nem sempre se confirma eles certamente estão montados nos Jogos Olímpicos.
Na tarde deste sábado (31.07) em Tóquio, as tenistas Laura Pigossi, 26 anos, e Luisa Stefani, 23, ambas nascidas em São Paulo, conquistaram aquela que pode ser classificada até o momento como a mais impensável das medalhas para o Brasil no Japão. Jogando na quadra número 1 do Ariake Tennis Park, as duas derrotaram, em uma partida recheada de emoção e drama, as russas Elena Vesnina e Veronika Kudermetova de virada e conquistaram a medalha de bronze.
“É um sentimento de paz, de felicidade pura, de conquista, de atingir um objetivo que é um sonho, na verdade. É um sonho conquistar uma medalha olímpica e compartilhar esse momento com a Laura e com o time que estava aqui”
Luisa Stefani, tenista e medalhista olímpica
O pódio foi o primeiro do tênis brasileiro em todos os tempos em Olimpíadas e coroou uma semana em que Luisa e Laura foram escrevendo seus nomes na história da modalidade a cada vitória que conquistavam, sempre contra rivais tidas como superiores.
“É um sentimento de paz, de felicidade pura, de conquista, de atingir um objetivo que é um sonho, na verdade. É um sonho conquistar uma medalha olímpica e compartilhar esse momento com a Laura e com o time que estava aqui”, diz Luisa, ao ser indagada sobre o que se passava em sua mente, alma e coração após a conquista.
“Acho que todo mundo se entregou. A medalha vai ficar para sempre com o nosso nome. A história vai ficar para sempre. Mas haverá também as memórias dessa semana e de tudo o que vivi aqui e de todos os sentimentos. Todo dia era algo de arrepiar de tanta emoção, de tanta motivação, de tanta inspiração. Por quem eu passava na Vila, os brasileiros, o Time Brasil apoiando, a galera de casa todo dia apoiando. A gente tinha que ficar focada, mas ao mesmo tempo tentando pegar toda a energia que a galera mandava do Brasil, a família e os amigos. Esse sentimento incrível é o que não vou apagar da memória nunca. A medalha vai ficar lá, no quarto, para eu olhar para ela todo dia. Mas o que realmente vai ficar para mim guardado são todas as emoções e o sentimento de entrega que a gente teve esta semana”, continua a medalhista olímpica.
“O que passou pela nossa cabeça no primeiro momento foi alívio”, resume Laura. “A gente estava muito feliz com a conquista. Acho que a gente se superou a cada momento nessa semana, tanto dentro quanto fora das quadras, acreditando desde o primeiro momento. E eu não poderia estar mais feliz, e mais feliz ainda por compartilhar este momento com a Luisa. Ela é uma das minhas melhores amigas. E estar com ela e ela estar acreditando no meu sonho e eu acreditando no sonho dela, acho que esse já é o maior presente para mim”, prossegue a tenista.
Investimentos federais
Em Tóquio, a equipe nacional competiu com sete atletas no tênis, cinco dos quais apoiados com a Bolsa Atleta do Governo Federal: João Menezes, Thiago Monteiro, Marcelo Melo, Luisa Stefani e Marcelo Demoliner. Laura Pigossi, que mora em Barcelona, na Espanha, não recebe o benefício. No ciclo entre os Jogos Rio 2016 e Tóquio 2021, a modalidade recebeu investimento direto, via Bolsa Atleta, de R$ 3,6 milhões.
“A gente ter conquistado a medalha de bronze é algo que eu acreditava. Eu achava que a gente merecia. A gente jogou muito bem essa semana. Sentamos para conversar, vimos o que cada uma fazia melhor, como a gente podia unir as nossas forças e apresentar o nosso melhor tênis. Eu acho isso especial. Ainda estou tentando entender as emoções e queria agradecer a todo mundo aí no Brasil por mandar mensagens positivas. Quando a gente perdeu o jogo na semifinal, todo mundo seguiu apoiando a gente, dizendo que a gente já era vencedora e que o bronze era nosso. Eles fizeram a gente acreditar nisso também e isso foi muito importante para a gente”, revela Laura.
O caminho do imponderável
Para entender o feito de Pigossi e Stefani e compreender onde o imponderável se encaixa neste enredo é preciso, antes, conhecer o caminho que trouxe as duas aos Jogos Olímpicos no Japão. Para disputar o torneio de duplas olímpico, a confederação da modalidade em cada país precisa, antes de tudo, inscrever suas atletas na competição. Para isso, utiliza-se o ranking mundial de duplas de cada atleta individualmente e as duas posições, somadas, determinam se o time terá ou não condições de jogar nas Olimpíadas.
"Eu não poderia estar mais feliz. E mais feliz ainda por estar compartilhando este momento com a Luisa. Ela é uma das minhas melhores amigas. Estar com ela e ela estar acreditando no meu sonho e eu acreditando no sonho dela, acho que esse já é o maior presente para mim"
Laura Pigossi, tenista e medalhista olímpica
Nesse processo, existe uma data limite para realizar as inscrições e uma data final para que todas as duplas inscritas sejam definidas. Entre uma e outra, muitas atletas inscritas desistem de jogar por variados motivos e, assim, a cada desistência uma dupla de ranking imediatamente mais baixo é chamada.
O limite para que a chave de duplas de Tóquio fosse fechada era 16 de julho. Neste dia, Eduardo Frick, coordenador da Confederação Brasileira de Tênis (CBT), que havia inscrito Laura e Luisa para as Olimpíadas no dia 22 de junho, recebeu uma ligação que mudaria para sempre a vida das duas tenistas. Era o início desta improvável história que terminou com um pódio olímpico para ambas e com um país inteiro orgulhoso do feito delas do outro lado do planeta.
“A gente sabe que para poder jogar um torneio tem que estar inscrito. Isso é o básico. Se não está inscrito, não joga”, explica Frick. “O que dizia quando fiz a inscrição? Nós tínhamos que juntar as nossas duas melhores jogadoras, o melhor ranking para fazer a combinação. As duas melhores eram a Luisa, ranking 23, e a Laura Pigossi, ranking 190. Essa foi a inscrição feita no dia 22 de junho e eu sabia que 16 de julho era o dia em que a lista poderia ter a última alteração. E foi o que ocorreu. No dia 16 de julho, a ITF (Federação Internacional de Tênis) me ligou pela manhã e me disse que, devido às realocações, as meninas tinham entrado. Esse é que foi o grande X da questão”, continua.
Do Brasil, Eduardo Frick ligou para Laura, que disputava um torneio no Cazaquistão e que jamais poderia imaginar a notícia que estava por vir. “Ele me ligando e eu falava: ‘Eu vou jogar a semifinal e depois eu te ligo’. E ele falava: ‘Não! É agora! É urgente!’. Eu falei, tá bom... Sei lá, achei que fosse algum torneio novo no Brasil. Eu não sabia nem que a gente estava inscrita. Eu não sabia que iria haver chance de a gente entrar. E, nossa, fiquei sem chão”, lembra Laura, que venceu aquela semifinal e acabou superada na decisão do torneio de duplas.
Milhares de quilômetros distante de Laura, Luisa dormia em uma confortável cama na Flórida, igualmente sem imaginar o que lhe esperava. Desesperada de emoção, Laura tentava insistentemente ligar para Luisa e contar a incrível novidade, mas simplesmente não tinha sucesso. “Nada me tira do sono”, brincou Luisa, morrendo de rir com a história que as duas adoram contar.
“Eu acordei e estava indo sentar em um lugar para ver o mar. Eu estava numa paz, relaxando, e aí o Frick me liga. Eu pego o telefone e falo: ‘E aí, Frick, tudo bem? E ele fala: ‘Você viu a minha mensagem?’. Aí eu falo: ‘Não”. Aí começo a olhar o celular e tinha 500 ligações. Eu pensei: ‘Nossa, o que aconteceu?”
A resposta deixou Luisa sem ação.
"Vocês entraram em Tóquio!”, avisou Eduardo Frick.
“Quando recebi a ligação, a felicidade foi indescritível. Acho que os dois dias antes de chegar aqui a minha cabeça não parava. Eu quase não dormi. Liguei para a Laura e a gente estava pulando e gritando ao telefone. Eu falei com a minha família, falei com meu técnico e os planos mudaram em dois segundos. Eu estava muito animada”, detalha Luisa.
“Quando a gente recebeu a ligação informando que a gente tinha entrado a gente ficou um pouco histérica, pulando, se ligando, e a gente não conseguia acreditar. A primeira coisa que falei para ela foi que as últimas iam ser as primeiras e que eu acreditava. Infelizmente a gente perdeu o jogo na semifinal e foi bem dolorido. Sofri muito. Parecia que tinha entrado uma faca no meu peito, para ser bem sincera. Mas a Lu me ajudou muito a segurar a onda, a me reorganizar e a saber que a gente tinha algo mais para lutar”, reforça Laura.
As duas só viriam a comemorar juntas a participação nas Olimpíadas na própria capital japonesa. Como faltava apenas uma semana após a ligação para a cerimônia de abertura dos Jogos, as duas tiveram que correr e preparar tudo em cima da hora. Assim, Laura partiu para Tóquio do Cazaquistão e Luisa embarcou dos Estados Unidos. Na cidade-sede dos Jogos, as duas deram início à segunda parte da história que derrubaria de vez a definição do imponderável que abre este texto.
“A gente estava tranquila (após a derrota na semifinal), chegando na Vila, e eu falei: ‘Laura, vamos fazer um videozinho rápido. Ela disse: ‘Tá bom”. E aí eu falei: ‘Não. Não fala amanhã (sexta), porque a gente só joga depois de amanhã (sábado)’. Aí ela falou: ‘Não joga amanhã? Então espera um pouquinho porque eu preciso chorar’”
Luisa Stefani
Superação a cada partida
Uma vez conhecida a inusitada estrada percorrida por Laura e Luisa para chegar aos Jogos Olímpicos de Tóquio, é preciso estar ciente de um fator histórico para que seja possível mensurar o que as duas conquistaram no Japão.
Antes da façanha de Pigossi e Stefani, o máximo que o tênis feminino havia conquistado em Jogos Olímpicos era uma vitória em uma mesma edição, com Teliana Pereira (Rio 2016), Joana Cortez e Vanessa Menga (Sydney 2000), Andrea Vieira e Cláudia Chabalgoity (Barcelona 1992) e Gisele Miró (Seul 1988). E a única vez que o país disputou uma medalha olímpica foi com Fernando Meligeni, em Atlanta 1996, quando o tenista acabou superado pelo indiano Leander Paes, que levou o bronze.
Assim, tendo entrado nas Olimpíadas aos 45 do segundo tempo e tendo um tabu extremamente desfavorável para quebrar, Laura Pigossi e Luisa Stefani começaram a caminhada em Tóquio.
Desde o primeiro confronto, Luisa e Laura tiveram que superar grandes rivais. A estreia foi contra as canadenses Gabriela Dabrowski, vice-campeã de duplas em Wimbledon em 2019, e Sharon Fichman, cabeças de chave número 7 em Tóquio. Consideradas um time azarão, as brasileiras venceram por 2 x 0, com parciais de 7/6 (7/3) e 6/4.
Na sequência, elas superaram as tchecas Karolina Pliskova, vice-campeã de Wimbledon este ano e vice-campeã do US Open em 2016 em simples, e Marketa Vondrousova, vice-campeã de simples em Roland Garros em 2019. O triunfo, dramático, veio de virada, por 2 x 1, com parciais de 2/6, 6/4 e 13/11 no tie-break decisivo, depois de as brasileiras salvarem quatro match points.
Nas quartas de final, as brasileiras venceram, novamente de virada, as norte-americanas Bethanie Mattek-Sands, campeã de duplas do Aberto da Austrália em 2015 e 2017, de Roland Garros em 2015 e 2017, do US Open em 2016, e medalha de ouro nas duplas mistas no Rio 2016, e Jessica Pegula. Novamente, depois de perderem o primeiro set sendo dominadas pelas rivais, Laura e Luisa viraram e venceram por 2 x 1, com parciais de 1/6, 6/3 e 10/6 no tie-break decisivo.
Na semifinal, disputada na quinta-feira (29.07), as duas enfrentaram as suíças Belinda Bencic, semifinalista do US Open nas duplas em 2019, e Viktorija Golubic. No primeiro set, as representantes do Brasil começaram arrasadoras e lideravam por 4/0. Foi então que as suíças reagiram e as derrotaram por 2 x 0, com parciais de 7/5 e 6/3.
A derrota machucou Laura. Nas entrevistas que deu após o revés, a paulista segurou as lágrimas. Mas quando chegou à Vila Olímpica o sentimento foi mais forte. E foi aí que o apoio de Luisa fez a diferença.
“A gente estava tranquila chegando na Vila e eu falei: ‘Laura, vamos fazer um videozinho rápido. Ela disse: ‘Tá bom”. E aí eu falei: ‘Não. Não fala amanhã (sexta), porque a gente só joga depois de amanhã (sábado)’. Aí ela falou: ‘Não joga amanhã? Então espera um pouquinho porque eu preciso chorar’”, lembra Luisa, se divertindo com a história.
“Eu comecei a soluçar de chorar. E aí ela disse: ‘Não tem problema. A gente vai conseguir essa medalha. Eu prometo para você. A gente vai juntas. Eu acredito e você tem que acreditar. Isso não acabou’”, contou Laura. “Isso realmente me ajudou muito”, emenda, agradecida.
Drama no tie-break
Depois de sair perdendo nos confrontos para as tchecas Karolina Pliskova e Marketa Vondrousova, para as norte-americanas Bethanie Mattek-Sands e Jessica Pegula, e de serem derrotadas pelas suíças, Laura e Luisa não tiveram vida fácil contra as russas Elena Vesnina e Veronika Kudermetova.
As adversárias abriram 4/0 rapidamente no primeiro set, mas as brasileiras não se abalaram. Reagiram e empataram em 4/4. A reação não foi suficiente para que elas ganhassem o set, que acabou vencido pelas russas por 6/4.
Entretanto, a partir daí a confiança das brasileiras já estava em outro patamar. No segundo set elas não ficaram em nenhum momento atrás no placar até fechar a parcial em 6/3. Foi então que o drama entrou em cena de forma dominante.
“A gente ter conquistado a medalha de bronze é algo que eu acreditava. Eu achava que a gente merecia. A gente jogou muito bem essa semana. Sentamos para conversar, vimos o que cada uma fazia melhor, como a gente podia unir as nossas forças e apresentar o nosso melhor tênis”
Laura Pigossi
Em Tóquio, os jogos de duplas empatados em um set a um são decididos em um tie-break de 10 pontos. E o que se viu foram as russas chegarem a 7/2 e praticamente assegurarem seu lugar no pódio. Luisa e Laura chegaram a encostar em 7/5, mas quando parecia que poderiam empatar, Elena e Veronika venceram os dois pontos seguintes e chegaram a 9/5.
E aqui, mais uma vez, o improvável surgiu no caminho de Laura e Luisa.
Para as poucas pessoas que tiveram a honra de acompanhar o jogo pelas arquibancadas, o sentimento dominante era de que a parada estava decidida. Afinal, as russas tinham que ganhar apenas um dos quatro pontos seguintes e a medalha de bronze estava garantida. Jogar nessas condições força aqueles que se encontram atrás no placar a ter que simplesmente zerar a margem de erros, o que raramente acontece.
Então, pela última vez em Tóquio, Luisa Stefani e Laura Pigossi disseram não ao imponderável. Elas venceram os seis pontos seguintes e chegaram ao inédito bronze com 11/9 no placar. A final das duplas femininas será disputada neste domingo (01.07). Ao fim, as duas receberão as medalhas de bronze e verão a bandeira do Brasil subir mais uma vez em Tóquio.
Em todas as partidas, Laura Pigossi jogou um tênis em nível elevadíssimo no fundo de quadra e muitas vezes foi determinante nos momentos mais difíceis. Assim, mereceu um agradecimento particular.
“Tinha muita gente botando dúvida e não pensando que a gente iria chegar tão longe. Eu tenho uma confiança um pouco mais reservada que a Laura, mas o tanto que ela trouxe para esse time e confiou e acreditou e chamou para ela a responsabilidade, não só nesse jogo, mas em todos, é uma coisa incrível. É uma coisa para inspirar e que vou levar para mim. Aprendi muito essa semana. Com ela e com o time. É realmente de tirar o chapéu. Parabéns, Laurinha! Foi um prazer estar na quadra nesses momentos juntas. Foi bem especial”, agradeceu Luisa, que espera que o feito das duas possa inspirar mais meninas a praticar tênis no Brasil e a acreditar que é possível sonhar com voos elevados.
Maior tenista da história do país, Maria Esther Bueno não está mais aqui e, assim sendo, não assistiu ao que Laura Pigossi e Luisa Stefani fizeram nesta semana em Tóquio. Dona de mais de 170 títulos de simples e duplas ao longo da carreira, jogada nos anos 1950, 1960 e 1970, dos quais 19 foram conquistados em Grand Slams, ela morreu em 8 de julho de 2018, aos 78 anos.
Mas certamente Maria Esther, como todos os amantes do tênis e do esporte no Brasil, teria vivido um sábado diferente neste 31 de julho de 2021, o dia em que Laura Pigossi e Luisa Stefani conquistaram a medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Tóquio e, finalmente, provaram ao mundo que o improvável nem sempre vence!
Luiz Roberto Magalhães, de Tóquio, no Japão – rededoesporte.gov.br