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Atletismo

16/03/2018 12h45

Jogos Paralímpicos de Inverno

Fernando Orso: "O que a gente quer é mudar o impossível"

Técnico de Aline Rocha e Cristian Ribera enxerga boas chances de o país ganhar projeção em esportes de neve no próximo ciclo paralímpico. Dupla disputa neste sábado a última prova individual do esqui cross-country

Ele é o tipo de cara que sempre tem perguntas a mais. Por que a velocidade na subida não foi melhor? O que fazer para ajustar a estratégia nas curvas? Será que o tipo de esqui que escolhemos foi o adequado? Qual a regulagem das cadeiras e a postura dos atletas diante de cada consistência de neve? Como lidar com o estilo "kamikaze" de um e a tendência "conservadora" da outra? O que nos impede de atingir nossas expectativas?

O catarinense Fernando Orso, de 33 anos, se define como inquieto. Nascido em Joaçaba, no interior do estado, formou-se em educação física e buscou especializações em educação especial e esporte adaptado. Há dez anos atua no ambiente paralímpico de alto rendimento, com foco em provas de corrida para cadeirantes. Pouco antes dos Jogos do Rio, quando ainda tinha no horizonte a preparação de Aline Rocha para a maratona e os 1.500m, iniciou conversas com a Confederação Brasileiras de Desportos na Neve. Tinha acompanhado a experiência de Fernando Aranha em Sochi, na Rússia, em 2014. E pensou que Aline, sua atleta e esposa, poderia ter o perfil para se encaixar de forma pioneira nos Jogos de Inverno.

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Foto: Márcio Rodrigues/Mpix/CPB

"Houve uma reunião na confederação e eles nos deram um suporte muito grande. Com base na minha experiência de treinamento esportivo e no trabalho com atletas que competem na posição sentada, me sugeriram trabalhar não só com a Aline, mas com outros que estavam sendo avaliados", contou. O fim da história foi chegar a PyeongChang com Aline Rocha e Cristian Ribera como representantes nacionais no esqui-cross country sentado.

Neste sábado, na Coreia do Sul, a dupla faz a última prova individual em PyeongChang. Cristian encara os 7,5km contra 33 atletas de 14 países. São três voltas no percurso de 2,5km do Centro Esportivo de Alpensia. A largada será às 12h40 de PyeongChang (0h40 de Brasília). Aline disputa os 5km. Terá 22 adversárias, de outros 11 países, a partir das 13h (1h de Brasília).

"Claro que a gente se surpreende por estarmos muito próximos de uma condição competitiva, mas o que a gente quer é mudar o impossível. Somos audaciosos, queremos sempre ir além"
Fernando Orso

"Havia uma expectativa de neve na última madrugada, mas chegamos à conclusão de que foi rala. De qualquer forma, por mais que seja pouca, é neve nova. A condição da pista mudou totalmente. Tivemos a oportunidade de fazer um treinamento pela manhã e já sentimos bastante diferença. A expectativa é que as condições estejam favoráveis para uma boa prova. O trabalho foi feito, agora é entrar e fazer o melhor que pudermos", disse o treinador.

A neve nova era esperança dos brasileiros para mudar o cenário que eles experimentaram no sprint, na quarta-feira. Na ocasião, o clima mais quente deixou o percurso pesado, fofo, e com trechos congelados, escorregadios. A dupla nacional estranhou o ambiente e não passou da fase de classificação.

Ainda que ir longe não seja obrigação para um país que engatinha nas modalidades na neve, o treinador ficou visivelmente frustrado na quarta-feira, talvez pelo fato de Cristian, de apenas 15 anos, ter levantado a barra do possível ao conquistar a sexta posição na primeira prova que disputou, os 15km. O resultado foi o melhor de um atleta olímpico e paralímpico nacional em Jogos de Inverno. "Sou uma pessoa que cobra muito do próprio trabalho. Nunca estou satisfeito. Acho que é necessário isso, e tenho de cuidar para o meu jeito não ser um problema, mas não fico realizado com resultados que não agradam", disse Fernando.

Cristian Ribera e Aline Rocha: parceria e pioneirismo nos Jogos de Inverno. Foto: Marcio Rodrigues/MPIX/CPB

Confira, nessa entrevista com o treinador, um pouco dos bastidores da preparação da dupla nacional e projeções para o próximo ciclo paralímpico

Próximas prioridades
Encerrando esse período, retorno ao Brasil. Há todo um trabalho a ser desenvolvido junto ao Comitê Paralímpico Brasileiro. Estamos iniciando um projeto no CT Paralímpico de São Paulo com corredores em cadeira de rodas. Vou tocar isso, mas não vou me desligar dos trabalhos de inverno. Ainda que não haja possibilidade de trabalhar exclusivamente com inverno, tentarei dar contribuições quando possível para a CBDN e os esquiadores sentados.

"Sou uma pessoa que cobra muito do próprio trabalho. Nunca estou satisfeito. Acho que é necessário, e tenho de cuidar para esse jeito não ser um problema, mas é o que me faz ir adiante"

Próximo ciclo
Acredito que será extremamente positivo para o Brasil. A Confederação Brasileira de Desportos na Neve tem elaborado estratégias interessantes e importantes. Num momento inicial, a ideia é expandir a modalidade em território nacional. Há projetos a serem desenvolvidos e abertura de núcleos de atendimento a atletas com deficiência no esqui cross-country previstos. Não apenas com atletas sentados, mas atletas também em pé, como deficientes visuais ou com outras deficiências motoras.

Redução de burocracia
Tem sido feito um trabalho para facilitar o processo de importação de materiais. Muitos dos equipamentos esportivos são fabricados fora do Brasil. Os trâmites de importação são burocráticos, complicados, e os impostos, muito altos. Mas há avanços. No caso dos atletas sentados, do sit esqui, estamos conseguindo desenvolver no Brasil, com um fabricante nacional. Isso vai contribuir para o avanço da modalidade.

Processo de amadurecimento
Temos quatro anos para compreender melhor a modalidade, termos mais rodagem em Copas do Mundo. Temos tempo para selecionar novos atletas, dar oportunidade de contato com a neve. Mas o carro-chefe são as competições de roller-esqui (o esqui com rodinhas, que permite a prática em países sem neve), com atletas do olímpico e inclusão de paralímpicos. O Brasil é um dos únicos países do mundo com essa estrutura para trabalhar e avaliar atletas do movimento paralímpico. No caso de atletas sentados, talvez o único. Foi assim que trabalhamos até agora e foi eficiente. Óbvio que isso não anula a necessidade de experiências na neve, mas ajuda e é o que está ao nosso alcance para desenvolver a modalidade.

Barra elevada
Claro, quando a gente olha o resultado do Cristian na prova de longa distância e fica encantado. Isso elevou a barra. E sou uma pessoa que cobra muito do próprio trabalho. Nunca estou satisfeito. Acho que é necessário, e tenho de cuidar para esse jeito não ser um problema, mas ao mesmo tempo é o que me faz querer ir adiante. Não fico realizado com um resultado que não me agrada, como o do sprint.

Circuito de Alpensia, palco das provas do esqui cross-country nos Jogos de PyeongChang. Foto: Marcio Rodrigues/MPIX/CPB

O kamikaze e a conservadora
A gente teve muito pouco tempo de contato com a neve. Foram basicamente três meses. Chegamos aqui e pegamos uma neve extremamente molhada e macia. Então, para quem tem um pouco de insegurança na instabilidade corporal, como é o caso da Aline, isso acaba virando um problema. O Cristian é um menino que tem muita coragem, muito audacioso. A gente brinca que ele é até meio kamikaze. Ele não tem medo de queda. Evidentemente que ele sabe que não pode cair porque perde tempo, mas ele arrisca. A Aline ainda sofre muitas quedas nos treinamentos. Trabalhamos isso o máximo, mas ela tem uma postura naturalmente mais conservadora. Quando a gente chega numa neve e percebe que é mais instável, fica difícil conseguir manter a confiança.

Irregularidade é do jogo
O nome da modalidade é cross-country. É uma prova cheia de irregularidades em relação a terreno. Nós não vamos encontrar um circuito padrão. O que temos é diferença mínima de mudança de altimetria. O mínimo de tantas subidas com tal grau de inclinação, e que pode variar muito. Por exemplo, pode haver subidas longas de quatro a 12 graus de inclinação. Está na regra. Assim, há terrenos que não são tão difíceis para um determinado atleta, mas para outros fica mais complicado. Numa etapa da Copa do Mundo, o Cristian ficou em quarto no sprint, mas era um circuito que tinha apenas uma subida. O resto era descida forte e um falso plano. Bem diferente daqui. Mas é do jogo, o jogo é esse e é para ser jogado.

Mudar o impossível
Claro que a gente já se surpreende por estarmos próximos de uma condição competitiva, ou com um resultado como o do Cristian, mas o que a gente quer é mudar o impossível. Se era impossível estar aqui, já estamos. Nós somos audaciosos. Queremos sempre estar indo além.

Gustavo Cunha, de PyeongChang, na Coreia do Sul - rededoesporte.gov.br