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Tiro esportivo

19/07/2021 10h30

¬¬TÓQUIO 2021 – ENTREVISTA

Felipe Wu: O exército de um homem só do tiro esportivo do Brasil em Tóquio

Único atleta do país na modalidade nos Jogos do Japão, medalhista de prata no Rio 2016 compete em 24 de julho. Apoiado pela Bolsa Atleta, ele ressalta a importância do suporte do Governo Federal na busca por seus objetivos desde o início da carreira

Foi em 2016, precisamente no dia 6 de agosto, que o paulista Felipe Wu, então com 24 anos, viu sua vida mudar de forma radical. Após uma disputa acirradíssima com o vietnamita Xuan Hoang no tiro esportivo, ele faturou a medalha de prata na primeira edição dos Jogos Olímpicos realizada na América do Sul.

O rival levou o ouro na disputa da pistola de ar 10m com a pontuação de 202,5 pontos e Felipe assegurou a prata ao somar 202,1 pontos. O pódio foi o primeiro do país nas Olimpíadas do Rio e fez de Felipe um personagem conhecido em todo o Brasil. Um dos heróis do esporte brasileiro nos Jogos em casa.

Medalha de prata nos Jogos Rio 2016, Felipe Wu tentará chegar ao segundo pódio nos Jogos em Tóquio: nada de pressão. Foto: Francisco Medeiros / Ministério da Cidadania

Agora, cinco anos depois da prata na capital fluminense, Felipe Wu parte para a segunda Olimpíada em condições bem distintas da festa marcada pelo espírito olímpico que tomou conta do Rio em 2016.

O vice-campeão olímpico desembarcou em Tóquio no sábado (17.09) vindo da Suíça, onde fez a reta final de preparação. Na capital japonesa, vive uma rotina de protocolos obrigatória a todos os credenciados para os Jogos, sejam eles atletas, membros das comissões técnicas, árbitros, profissionais de imprensa e demais envolvidos com a organização e que envolve testagens diárias, quarentenas e distanciamento.

“A parte esportiva tem a atenção dividida com os protocolos. Está um controle bastante rígido”, explica o atirador, que nesta segunda-feira (19.07) realizou o primeiro treino no estande onde competirá no dia 24 de julho.

“Eu acho que pelo fato de já ter uma medalha olímpica fico feliz porque já fiz história no esporte da forma que gostaria. Foi a realização de um sonho. Mas, por outro lado, isso é passado. Quando começar a competição, todo mundo começa do zero. Tem vários atletas com chances, inclusive eu. Está todo mundo na mesma condição”
Felipe Wu, medalhista olímpico do tiro esportivo

Por telefone da Vila Olímpica, onde está hospedado junto com o chefe de equipe Ricardo Brenck, Felipe Wu conversou com o rededoesporte.gov.br. Único representante do tiro esportivo brasileiro em Tóquio, ele disse não sentir pressão por ser o exército de um homem só do país no Japão. Explicou que a pandemia alterou de forma tão dramática as disputas do tiro esportivo no cenário mundial que não é possível apontar favoritos nesta edição. Detalhou as rotina na capital japonesa e disse que espera apenas dar o seu melhor, sem se deixar interferir por cobranças por resultados.

Centenário

Se tivesse sido realizada no ano passado, como originalmente estava programado, os Jogos de Tóquio marcariam os exatos 100 anos da primeira participação do Brasil em Olimpíadas, na edição da Antuérpia, em 1920. Naquela ocasião, o país conquistou um ouro, com Guilherme Paraense, o primeiro campeão olímpico do Brasil, uma prata e um bronze, todos os pódios no tiro esportivo. Wu conhece bem essa história e também falou sobre o caráter histórico de ser o primeiro e único medalhista na modalidade após os feitos dos brasileiros que defenderam o país e subiram o pódio 101 anos atrás.

Acompanhe a entrevista:

Protocolos e distanciamento social em Tóquio

A gente percebe que, geralmente, quando a gente participava de um campeonato deste nível, a única preocupação era com a parte esportiva mesmo. Agora a parte esportiva tem a atenção dividida com os protocolos de segurança. Está um controle bastante rígido e é necessário para eles garantirem a segurança do próprio país. Então, a gente acaba tendo algumas preocupações a mais com esses protocolos que eles pedem para a gente cumprir. Esse é a grande diferença.

A rotina na Vila Olímpica

A gente acorda pela manhã e faz o PCR de saliva e também tem um aplicativo que temos que informar nossa condição de saúde, temperatura, se estamos nos sentindo bem e se tivemos contato com alguém com febre. Basicamente é isso.

Investimentos federais

Felipe Wu é o único representante brasileiro na disputa do tiro esportivo em Tóquio. Apoiado com a Bolsa Atleta na categoria Olímpica, ele contou com o apoio do Governo Federal em todos os anos do ciclo.

Entre os Jogos Rio 2016 e Tóquio 2020, mais de R$ 13 milhões foram investidos de forma direta, via Bolsa Atleta, em praticantes do tiro esportivo no Brasil. O investimento foi suficiente para a concessão de 1.056 bolsas.

“A grande importância e a vantagem do Bolsa Atleta é que é um valor que chega diretamente ao atleta, diferentemente de outros programas com menos flexibilidade. O Bolsa Atleta auxilia bastante na nossa manutenção no esporte. É um auxílio que, no meu caso, desde que comecei no esporte, tem me ajudado bastante a conquistar o que venho planejando”, ressalta Felipe Wu.

“A grande importância e a vantagem do Bolsa Atleta é que ele chega diretamente ao atleta, diferentemente de outros programas que têm menos flexibilidade. O Bolsa Atleta auxilia bastante na nossa manutenção no esporte. É um auxílio que, no meu caso, tem me ajudado a conquistar tudo o que venho planejando”

O primeiro dia de treinos

Hoje (segunda-feira – 19.07) foi o primeiro dia em que fomos treinar. Tomamos café e fomos para o estande. É uma instalação provisória, um pouco parecida como foi nos Jogos de Londres (2012) que pude acompanhar. Não é uma instalação 100% boa porque é provisória e estava um pouco de calor. Eu não sei o motivo de essa questão da climatização não estar funcionando. Fora isso, sem novidades.

O clima dos Jogos 

Na verdade, a gente não tem aquele sentimento que geralmente temos de que a cidade está respirando o evento. Estamos fechados na Vila, vamos até o local de competição e voltamos. A gente não tem contato com o público local, não sabe se as pessoas estão gostando ou não e se estão curtindo. É bem atípico por esse lado. É como se a gente estivesse em uma competição comum, porque não tem o país respirando os Jogos Olímpicos, que é uma coisa geralmente tão bacana de se ver.

Favoritos ao pódio 

É bem difícil definir quem são os melhores porque muita gente está sem competir em função da pandemia. Quem já conquistou a vaga há muito tempo está desde então sem participar de competição e sem viajar. Então não temos como medir. Na verdade, são poucos atletas. Se você comparar com uma Copa do Mundo, o número aqui é menor (36 competidores), mas todo mundo com um nível muito alto, pois conquistou a vaga em uma Copa do Mundo ou um Mundial. Então, é difícil a gente definir qual atleta tem melhor chance ou não. Mas temos equipes fortes, como sempre, como Índia, China, Coreia do Sul e o próprio Japão, que a gente não sabe como está. Este ano está bem difícil para fazer qualquer previsão.

Pressão por ser o único representante do tiro 

Eu não sinto pressão por esse motivo. Acho que pelo fato de já ter uma medalha olímpica, fico feliz porque já fiz uma história no esporte da forma que gostaria. Foi a realização de um sonho. Mas, por outro lado, isso é passado. Quando começar a competição todo mundo sai do zero. Tem vários atletas com chances, inclusive eu. Está todo mundo na mesma condição. Por outro lado, o fato de eu ser o único atleta brasileiro classificado é algo que me deixa triste, porque acho que a gente merecia ser representado por mais pessoas. Outros atletas podiam ter essa oportunidade que estou tendo. Espero que para as próximas edições a gente tenha um trabalho bem feito por parte dos atletas e da confederação para que não aconteça isso de novo e mais pessoas possam representar o país no tiro esportivo, que é um esporte que distribui tanta medalha.

Antuérpia 1920: 101 anos das primeiras medalhas olímpicas do Brasil 

Por eu ter conquistado a medalha 96 anos depois sinto uma pena pelo fato de ter demorado tanto, mas felizmente fui eu. É como falei. É difícil ficar pensando no passado ou no futuro. É obvio que tem esse componente histórico, mas eu, aqui, só penso no trabalho que fiz, na forma como me preparei e espero fazer uma competição de acordo com o que me preparei. Eu não fico pensando muito no que já aconteceu ou no que pode acontecer.

Medalhas centenárias

Na Antuérpia, em 1920, o Brasil disputou os Jogos pela primeira vez e os atletas do tiro brilharam e voltaram para casa com três medalhas: uma de ouro (com Guilherme Paraense), uma de prata (com Afrânio da Costa) e uma de bronze por equipe (com Guilherme Paraense, Afrânio da Costa, Sebastião Wolf, Dario Barbosa e Fernando Soledade).

Mesmo que seja uma edição totalmente atípica e que tenha essas restrições, a gente tenta focar na parte esportiva. Torcemos para que a próxima seja um pouco mais normal, mas vamos aproveitar essa da melhor forma que for possível

Pistola de ar 10m

Os atletas geralmente chegam antes e fazem um aquecimento. Eu faço de uns 30 a 45 minutos. A competição tem uma hora e 15 minutos. São 60 disparos e esses 60 disparos você pode realizar da forma que quiser dentro dessa uma hora e 15 minutos. Ao fim dos 60 disparos a pontuação é somada e pegam-se os oito melhores resultados. Os oito melhores vão para a etapa final, na qual realizam até 24 tiros, sendo que a partir do 12º tiro elimina-se o pior colocado. Então, a cada dois tiros vai eliminando o pior a partir do 12º tiro, até que no 24º tiro é definida a medalha de ouro entre dois atletas.

A estratégia 

Isso depende de como está andando a competição. Eu pelo menos não tenho nada programado em relação à quantidade de tiros (na primeira fase, em relação ao tempo estipulado). Geralmente, demoro um pouquinho mais. Tento aproveitar da melhor forma o tempo.

O preparo psicológico e técnico 

Não é por esse motivo (da pandemia e todas as suas consequências) que o atleta vai deixar de lado tudo o que batalhou tanto, ainda mais com tanta dificuldade. Eu tive um ciclo olímpico conturbado, uma classificação tardia, na última oportunidade, e isso me deixou feliz por estar participando de mais uma edição. Eu me classifiquei na última Copa do Mundo que valeu vaga, que foi na Índia, em Nova Deli, em março deste ano. Foi quando fechou o ranking mundial. Isso é uma coisa. Agora que estou aqui vou querer fazer o melhor trabalho possível. Pelo menos comigo, é difícil me cobrar tanto e ficar pensando em resultado porque é uma coisa que pode criar uma ansiedade não desejada. Mas, por outro lado, essa confiança no trabalho que foi feito é realidade. Então, mesmo que seja uma edição totalmente atípica e que tenha essas restrições, a gente tenta focar na parte esportiva. Que a próxima seja um pouco mais normal, mas vamos aproveitar essa da melhor forma.

Luiz Roberto Magalhães, de Tóquio, no Japão – rededoesporte.gov.br