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Taekwondo

05/03/2020 17h26

Taekwondo Paralímpico

Débora Menezes: "Exercito minha mente para ser a melhor"

Única brasileira já garantida para a estreia do taekwondo em Jogos Paralímpicos, vice-líder do ranking mundial se cerca de amplo time de profissionais em busca do ouro em Tóquio

Sempre que sobe ao tatame para as disputas do taekwondo paralímpico, a paulista Débora Menezes, de 29 anos, leva para a área de lutas muito mais do que golpes, táticas e estratégias treinadas seis dias por semana, em dois turnos. Entra em cena em cada duelo um "combo" de profissionais e incentivos que dão consistência extra às performances da atleta.

"Todas as conquistas que tivemos recentemente foram devido ao trabalho duro, ao foco e ao planejamento em equipe. Tenho dois técnicos, preparador físico, analista de desempenho, nutricionista, sessões de pilates, fisioterapeuta, médico do esporte e treinador mental", listou a vice-líder do ranking mundial da categoria pesada (+58kg), que treina na capital paulista.

Débora em ação durante o Parapan de Lima: medalha de prata na capital peruana. Foto: Daniel Zappe/EXEMPLUS/CPB

Única brasileira com vaga já garantida para a estreia da modalidade no programa dos Jogos Paralímpicos, ela abriu 2020 mais aliviada. Em 2019, o título mundial em Antalya, na Turquia, a prata nos Jogos Parapan-Americanos de Lima, no Peru, além de dois ouros e um bronze no circuito internacional permitiram que ela fechasse a temporada entre as quatro melhores do mundo. Era esse o requisito para a vaga direta em Tóquio.

"A gente não treme porque faz todos os dias as mesmas coisas, com várias estratégias e olhares. Em se tratando de Jogos, claro que toda medalha tem peso, mas não trabalho pelo terceiro lugar. É sempre pelo ouro".
Débora Menezes

"Isso com certeza dá um alívio grande. A gente consegue ter um trabalho pensado a longo prazo. Se precisasse ir atrás da seletiva continental, teria uma única competição para definir a vaga. Isso é complicado porque todo o seu futuro depende especificamente daquele torneio. Se você não estiver num dia bom ou fizer algo errado, isso custa a vaga e o sonho", afirmou.

Mentalidade campeã

Para Débora, a confiança necessária para não titubear nas horas mais decisivas e para projetar o pódio paralímpico vem de um somatório de fatores. Uma conta que inclui capacidade mental de se impor diante de adversidades, qualidade da preparação, repetição frequente de séries, disputa de competições, estudo minucioso dos rivais, estrutura adequada e qualidade do corpo técnico.

"A grande maioria das competições é em eliminatória simples. Nos Jogos Paralímpicos não vai ser diferente. Perder uma disputa já custa a medalha. Por isso a gente trabalha não para menos, mas para o ouro, focando no melhor resultado", disse Débora. "A gente não treme porque faz todos os dias as mesmas coisas, com várias estratégias e olhares, para chegar na hora e não ter problema. Em se tratando de Jogos, claro que toda medalha tem peso, mas não trabalho pelo terceiro lugar. É sempre pelo ouro".

Na opinião da atleta, uma mente de campeã não nasce pronta. "Tenho mentalidade de campeã porque exercito minha mente para ser a melhor. Não é querer ser acima de ninguém, mas não vejo outra alternativa ou outra visão a não ser trabalhar pelo ouro. Uma mente de campeã não nasce com a gente, mas é construída todos os dias, com dedicação, trabalho duro, foco e planejamento", enfatizou Débora, que elenca como principais nações adversárias em sua categoria a Grã-Bretanha, o Uzbequistão, o Azerbaijão e o Marrocos.

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Destaque absoluto da modalidade, Débora recebeu o Prêmio Paralímpicos em 2018 e 2019. Foto: Abelardo Mendes Jr/ rededoesporte.gov.br

Dedicação 100%

"A Bolsa Pódio federal transformou e impactou minha ascensão esportiva. Tive oportunidade de me profissionalizar, de contratar os melhores"

Nessa trajetória rumo a Tóquio, Débora ressalta que ter a chance de viver o esporte de forma profissional tem sido essencial. "Um atleta com patrocínio vai além. Consegue se dedicar 100% ao alto rendimento e às regras de um cotidiano focado em metas e nos próximos objetivos. Hoje consigo viver 100% do esporte, fazer o que sei de melhor e trazer resultados para o país", afirmou a atleta, que desde 2018 é integrante da categoria pódio, a principal do programa Bolsa Atleta (faixa de R$ 5 mil a R$ 15 mil mensais), da Secretaria Especial do Esporte do Ministério da Cidadania.

"O Bolsa Pódio transformou e impactou minha ascensão esportiva. Todas as conquistas e resultados inéditos com certeza tiveram grande parcela desses investimentos. Tive oportunidade de me profissionalizar, de contratar os melhores profissionais. É algo que faz toda a diferença", completou.

Na modalidade como um todo, o Bolsa Atleta contempla 236 atletas olímpicos (130 homens e 106 mulheres) e seis paralímpicos (quatro homens e duas mulheres), num investimento federal anual estimado em R$ 4,7 milhões.

TAEKWONDO NO BOLSA ATLETA

Atletas olímpicos:
236 atletas – 130 homens e 106 mulheres
27 na categoria atleta de base
172 na categoria nacional
23 na categoria internacional
1 na categoria olímpico
13 na categoria pódio
Investimento: R$ 4,3 milhões por ano

Atletas paralímpicos:
6 atletas – 4 homens e 2 mulheres
3 na categoria nacional
3 na categoria pódio
Investimento: R$ 441.300 por ano

Adaptação ao "efeito coronavírus"

"Estamos atentos a essa crise do coronavírus. Adiamentos e cancelamentos de torneios afetam nossa programação, principalmente porque o chaveamento paralímpico depende do ranking, que é determinado nessas competições. Isso mexe com todas as delegações"

O cronograma de longo prazo de Débora Menezes só não vem sendo cumprido a risca em função da epidemia global do Coronavírus, que mexeu com as datas de algumas competições, caso do Aberto da África, que seria no Egito, no fim de março. Uma outra competição prevista para a Itália no fim do mês também tem grande chance de ser cancelada.

"Estamos acompanhando em tempo real o panorama mundial. Claro que esses adiamentos e cancelamentos afetam nossa programação, principalmente porque o chaveamento paralímpico depende do ranking, que é determinado nessas competições. Mexe com todas as delegações", disse Débora.

Por enquanto, o cronograma dos Jogos está mantido nas datas previstas. O presidente do comitê organizador dos Jogos, Yoshiro Mori, reafirmou na quarta-feira (4.03) que não considera a possibilidade de cancelamento do megaevento. A declaração reforça um posicionamento do Conselho Executivo do Comitê Olímpico Internacional (COI), expresso na terça, (03.03). A entidade divulgou uma nota na qual expressa o "compromisso com o sucesso dos Jogos de Tóquio 2020 e com o cronograma estabelecido".

Os dois posicionamentos vieram depois de a ministra do Japão para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos, Seiko Hashimoto, ter afirmado que o COI tem o direito de cancelar o evento esportivo somente se ele não ocorrer dentro do ano de 2020, o que permitiria, inclusive, que a cidade japonesa recebesse o evento em alguma data mais próxima do fim do ano, em caso de necessidade.

Débora teve passagens pelo futsal e pelo atletismo antes de achar seu caminho esportivo no taekwondo. Foto: Daniel Zappe/EXEMPLUS/CPB

Esporte no DNA

Débora Menezes nem se lembra do tempo em que o esporte não fazia parte de sua rotina. Antes de chegar ao taekwondo, dedicou mais de 12 anos ao futsal no São Paulo e no São Caetano. Experimentou o lançamento de dardo no atletismo e bateu o recorde brasileiro. Encarou o vôlei sentado e, há cinco anos, abraçou o taekwondo paralímpico.

"O esporte quebrou tabus e preconceitos. Inclusive o meu preconceito, de me aceitar como sou. Até os 18 anos eu não conseguia me olhar no espelho"

Caçula de uma família com outros três irmãos, Débora nasceu sem o antebraço e a mão direita, resultado de má formação congênita. A diferença física foi um desafio de longo prazo em sua história. "Eu não sabia muito como agir com a minha deficiência. Meus pais me colocavam sempre para frente. Repetiam que 'a vida não podia parar'".

Nessa trajetória, o esporte foi um componente estratégico na receita que moldou o caráter de Débora. "Foi transformador. Quebrou tabus e preconceitos. Inclusive o meu preconceito, de me aceitar como sou. Até os 18 anos eu não conseguia me olhar no espelho", contou Débora, que se tornou a primeira filha de Maria Barbosa a concluir uma faculdade, a de educação física.

Mais do que a aceitação, a adaptação foi uma exigência desde cedo. Naturalmente destra, ela teve de se ajustar para usar a mão esquerda para quase tudo. "Sempre fui destra. Assim, precisei aprender na marra a ser "canhota" na mão. Mas, embora tenha trabalhado com as duas pernas no futebol, o direito é o meu lado natural. No taekwondo a minha base é de destra. Tudo é adaptação à nossa realidade".

Makuhari Messe Hall é o local de competição do taekwondo nos Jogos Paralímpicos: capacidade para 7 mil torcedores. Foto: Tokyo2020

Local e forma de competição

As disputas do taekwondo nos Jogos Paralímpicos serão no Makuhari Messe Hall, um complexo de 210 mil metros quadrados na prefeitura de Chiba. A mesma estrutura vai receber também partidas do vôlei sentado, da esgrima em cadeira de rodas e do goalball.

No caso do taekwondo paralímpico, a arena tem capacidade para 7 mil torcedores. A competição em Tóquio terá três categorias de peso masculinas e três no feminino, todas da classe K44, para atletas com amputação em um dos braços.

Cada categoria terá 12 atletas na chave. As lutas são disputadas em três rounds de um minuto e meio, com intervalo de um minuto de descanso entre cada uma das parciais. O objetivo da modalidade é acertar o tronco do adversário com chutes, que podem valer dois, três ou quatro pontos, de acordo com a movimentação feita pelo atleta.

Outros brasileiros

Desde o último domingo (1.03) outros atletas do taekwondo paralímpico têm realizado treinos intensivos no CT Paralímpico de São Paulo, com foco na preparação para a disputa do torneio continental qualificatório, última chance de classificação para os Jogos.

A competição será no dia 10 de março em Heredia, na Costa Rica. Os atletas Bruno Rodrigues, Nathan Torquato e Silvana Fernandes vão enfrentar os mesmos adversários que tiveram pela frente nos Jogos Parapan-Americanos de Lima, em 2019. Lá, Nathan (até 61kg) e Silvana (até 58kg) conquistaram o ouro.

O campeão por categoria e por peso na disputa que acontecerá na Costa Rica assegura a vaga direta para as Paralimpíadas. "Estou na minha melhor forma. As expectativas estão altas, já que os meus oponentes são os mesmos do Parapan e me sinto bem preparado. Estou focado na competição e confiante que a medalha de ouro e a vaga virão", afirma Torquato, que tem má-formação congênita no braço esquerdo.

Gustavo Cunha - rededoesporte.gov.br