Atletismo
Coreia do Sul
De lavador de carros a esquiador olímpico: Victor Santos estreia em PyeongChang
O ápice da história de um projeto voltado para a educação e formação esportiva de jovens da comunidade de São Remo, ao lado da Cidade Universitária, em São Paulo, tem hora e local para acontecer: às 4h da madrugada (de Brasília) desta sexta-feira (16.02), no Alpensia Cross-Country Skiing Centre, na Coreia do Sul. O jovem Victor Santos, fruto maduro da semente plantada pelo Projeto Social Ski na Rua, largará na prova dos 15 km estilo livre do esqui cross-country e iniciará sua trajetória nos Jogos Olímpicos de Inverno PyeongChang 2018.
A história de Victor Santos, de 20 anos, o transformou em estrela em PyeongChang. Procurado por vários jornalistas da imprensa internacional, Victor conta que, há cinco anos, lavava carros na Universidade de São Paulo para ajudar no orçamento familiar. Desde que recebeu o Bolsa Atleta – é beneficiado pela categoria Internacional – conseguiu manter o foco no esporte.
Ele é um dos destaques do Ski na Rua, criado pelo atleta olímpico Leandro Ribela. O projeto permitiu que jovens carentes da São Remo conhecessem a modalidade por meio do rollerski - esqui com rodinhas, próprio para treinos em asfalto.
"Comecei há quatro anos, só por diversão mesmo. Depois de dois anos, comecei a treinar um pouco mais sério. E, agora, nos dois últimos anos do ciclo olímpico, me dediquei totalmente à vaga em PyeongChang", explica Victor. "Nem dá muito tempo para ficar nervoso com a prova porque acabo pensando em outras coisas. Desde que cheguei estou passando por uma rotina de alimentação, fisioterapia, treinamento e entrevistas. Consegui fazer bons treinos na pista, então isso está me deixando tranquilo", disse o atleta.
Victor e seu treinador, Leandro Ribela, passaram dois meses e meio na Europa para executarem treinamentos voltados para os Jogos de PyeongChang. Em 2017, Victor disputou o Mundial da Finlândia e o Mundial Júnior nos Estados Unidos. E, em janeiro de 2018, mais uma competição na Suíça.
Leandro também foi atleta de esqui cross-country e representou o Brasil nos Jogos Olímpicos de Inverno em Vancouver, em 2010, e Sochi, em 2014. Em seguida, tornou-se treinador de esqui. Entre as duas Olimpíadas que participou, criou o projeto social Ski na Rua.
Os dois estão há uma semana na Vila Olímpica de PyeongChang e tiveram a oportunidade de estudar minuciosamente o percurso. "Consegui reconhecer bem a pista, treinei bastante. Fiz alguns treinos de velocidade para sentir o cansaço em alguns pontos do percurso", acrescentou Victor.
» Veja galeria de imagens da participação brasileira em PyeongChang no Flickr do Ministério do Esporte (fotos para uso editorial gratuito)
A modalidade
O esqui cross-country é uma modalidade de endurance (resistência). No programa olímpico, há provas desde o sprint – prova mais rápida do esqui cross-country, com 1,4 km em PyeongChang – até provas de até 50 km - o equivalente à maratona. A modalidade é praticada em dois estilos: o clássico (com esquis sempre em paralelo) e o livre (skate, similar ao movimento de patinar). Essas duas técnicas se alternam a cada edição dos Jogos Olímpicos. A prova de 15 km em Sochi, que foi disputada no estilo clássico, em PyeongChang será disputada no estilo livre. A modalidade está presente no programa olímpico desde a primeira edição de Inverno, em Chamonix, na França, em 1924.
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Entrevista
Na sala de entrevistas da Vila Olímpica de PyeongChang, Victor e Leandro conversaram com a rededoesporte.gov.br. Assista ao vídeo da entrevista e leia um resumo logo abaixo.
Como nasceu o projeto Ski na Rua?
Leandro: Eu ainda era atleta de esqui cross-country e tinha o desejo de mostrar a modalidade para outras pessoas. Na Cidade Universitária (em São Paulo), a gente sempre encontrava crianças e jovens da São Remo, uma comunidade localizada atrás do campus da Universidade de São Paulo. Eu acreditava que eles podiam usar o espaço do campus da USP de forma mais democrática. Então, surgiu a ideia, de uma forma meio despretensiosa, de apresentar o esqui cross-country para eles. Em pouco tempo a autoestima dos garotos mudou bastante. Eles se interessaram, começaram a pegar gosto e a se dedicar. E aí a gente começou a estruturar o projeto de tal forma que nos tornamos uma ONG e trabalhamos em prol da educação pelo esporte, apresentando o esqui cross-country através do rollerski e dando oportunidade a crianças e jovens de baixa renda. O projeto iniciou com quatro garotos em 2012. Hoje são 95 alunos inscritos.
O Ski na Rua já formou muitos atletas?
Leandro: O Victor não é um caso isolado. Isso é bacana de ver, mostra um pouco da organização e da sustentabilidade do projeto. O Altair Firmino, por exemplo, participou dos Jogos Olímpicos da Juventude em 2016, em Lillehammer, na Noruega. Agora para esses Jogos Olímpicos de PyeongChang, os dois brasileiros que estavam disputando a vaga super apertada eram o Victor e o Lucas Lima, que também foi revelado pelo projeto Ski na Rua. Os dois ficaram por 0,6 ponto de diferença na classificação olímpica, sendo que o Lucas tem 16 anos, e o Victor, com 20 anos, também é um atleta jovem para a modalidade do esqui cross-country.
Apesar de o nosso objetivo principal ser a educação pelo esporte e mostrar os valores do olimpismo para os alunos, para que eles possam usar isso no seu dia a dia, na escola, no trabalho, com a família, a gente também tem conseguido propiciar as ferramentas necessárias para que aqueles que queiram se dedicar ao alto rendimento sejam capazes de abraçar as oportunidades. E, sem dúvida, a gente tem muitos talentos ali, mas sabemos que uma minoria vai escolher o alto rendimento, mas aí é opção deles. A gente só quer abrir as oportunidades possíveis.
Como é o treino com o rollerski? É possível treinar longe da neve?
Leandro: O rollerski é um esqui com rodinhas que simula a técnica do esqui cross-country, só que no asfalto. O rollerski surgiu na Europa, na década de 1950, exatamente para que os atletas que praticavam a modalidade no inverno pudessem treinar no verão. Aos poucos a modalidade foi crescendo e hoje todas as equipes do mundo usam o rollerski como ferramenta de treinamento. Cresceu a tal ponto que a Federação Internacional de Ski reconhece o rollerski como modalidade dentro do próprio ranking de esqui cross-country. Ou seja, provas de rollerski realizadas no mundo inteiro contam pontos para o ranking de cross-country. E isso para os países tropicais e que não têm neve, como o Brasil, abriu uma oportunidade enorme porque a gente tem o circuito nacional, conseguimos desenvolver atletas e eles podem participar de competições. Obviamente, na hora que chega ao alto rendimento, para o Victor que está aqui por exemplo, tem que passar por algumas temporadas na neve. Nós estávamos há dois meses e meio treinando na Europa antes de vir para os Jogos Olímpicos. O rollerski é importante para fazer essa transição e abre uma janela de oportunidade imensa para a iniciação do esporte.
Como você conheceu o projeto? Como o esqui entrou no seu cotidiano?
Victor: Eu comecei no rollerski através de quatro amigos meus e do meu irmão, que participavam do projeto. Eles falavam para mim que era legal, que era divertido andar de rollerski. Fui lá pela diversão mesmo. Depois de dois anos, comecei a treinar um pouco mais sério. Nos dois últimos anos do ciclo olímpico, eu me dediquei totalmente à vaga em PyeongChang.
O rollerski mudou muito a minha vida, me deu oportunidade de conhecer outros países, outras culturas, pessoas diferentes e me ensinou os valores do olimpismo. O que eu aprendi poderei levar para minha vida. Quando comecei no rollerski eu apenas trabalhava com uns amigos meus. Depois que comecei a treinar um pouco mais a sério, vi que tinha oportunidade de crescer no esporte, de conhecer vários lugares diferentes. Também consegui a Bolsa Atleta, então comecei a me dedicar mais.
O que o apoio do Ministério do Esporte, por meio do Bolsa Atleta, mudou em sua vida?
Victor: O Bolsa Atleta é muito importante na ajuda aos atletas brasileiros, porque você consegue tirar o foco do trabalho e se concentrar mais nos treinos. É muito bom para o rendimento dos atletas. Ajuda muito na minha vida, na alimentação, passagens, equipamentos. É essencial.
Qual é a dinâmica da prova de esqui cross-country? Quem são os favoritos?
Leandro: Essa prova de 15 km estilo livre ou estilo skate, que o Victor vai participar, deve demorar mais ou menos 33 ou 35 minutos para os ganhadores da prova, dependendo da condição da neve. No cross-country, o tempo varia muito devido à altimetria do circuito e também às condições da neve - por isso que não existe recorde mundial em tempo no esqui cross-country. O estilo skate, para quem não conhece, é mais patinado, com passos mais laterais. O atleta está se propulsionando o tempo inteiro com as pernas e com o bastão, que é bem mais alto do que aquele do esqui alpino, que a maioria das pessoas conhece.
Victor Santos: Pelo o que eu venho acompanhando durante a temporada, eu acredito que tem três favoritos para ganhar o ouro e complementar o pódio: o Martin Sundby e o Johanes Klaebo, ambos da Noruega, e o Vitalih Pukhkalo, do Cazaquistão.
E a sua expectativa pessoal para a prova aqui em PyeongChang?
Victor: Vou ficar muito feliz se conseguir fazer uma boa prova, conseguir colocar em prática o que treinei nesses quatro anos e, principalmente, na temporada agora na Europa, que foi muito dura, muito cansativa. Se conseguir os pontos do meu treinador Leandro, que disputou a prova em Vancouver, vou ficar muito feliz.
De PyeongChang (Coreia do Sul), Abelardo Mendes Jr - rededoesporte.gov.br