Atletismo
Ninguém Nasce Campeão
De "farda" verde e amarela, Vinicius virou "soldado" da velocidade
Uma visita especial no fim de 2013 determinou uma mudança de farda na vida de Vinicius Rodrigues. Até então, o sonho dele estava ligado à carreira militar. Só que uma moça sorridente, de cabelo colorido, entregou para ele num leito de hospital um agasalho da seleção brasileira paralímpica. E fez um definitivo "alistamento": "Você vai chegar mais longe com uma perna do que chegaria com as duas", sentenciou Terezinha Guilhermina. A multimedalhista paralímpica nas provas de atletismo para deficientes visuais participa de um programa de incentivo a novas carreiras para pessoas que se tornam deficientes.
Vinicius sofreu um acidente de moto em 9 de dezembro de 2013, quando tinha 19 anos. Precisou amputar a perna esquerda acima do joelho. Com um histórico de atividades físicas ao longo da vida, em especial ligadas ao futebol, estava numa fase em que se sentia sem horizontes. "Foram palavras que me motivaram. Ela me deu uma farda nova. Não seria mais a preta, mas uma verde e amarela", recordou Vinicius, mais um personagem da websérie Ninguém Nasce Campeão, do Rededoesporte.gov.br. O conjunto de 17 vídeos, com 21 entrevistas, resgata momentos em que os atletas ainda não sabiam que teriam a projeção e o destaque que alcançaram, e busca o que foi essencial para a caminhada dar certo.
"Você vai chegar mais longe com uma perna do que chegaria com as duas"
Terezinha Guilhermina, medalhista paralímpica, em frase que motivou Vinicius no leito de hospital
Desde a visita de Terezinha, Vinicius passou por intensa adaptação. Ainda na fase de reabilitação, o paranaense de Maringá assistiu a um vídeo do alemão Heinrich Popow, dono de nove medalhas paralímpicas em provas de velocidade e salto em distância na Classe T42, para atletas com prótese. Popow é conhecido por um trabalho que ajuda mundo afora outros amputados a se adaptarem a próteses e a embarcarem no atletismo.
"Quando vi, pensei que queria correr igual. Mandei mensagem para ele via Facebook. Expliquei que tinha perdido uma perna, estava no hospital e precisava de ajuda para conseguir correr. Ele me respondeu e inclusive uma clínica que ele indicou me apoiou, me reabilitou, fez toda a parte de protetização", explicou.
O processo exigiu ajustes e aprendizados. "O primeiro momento com a prótese é como se fosse montar num cavalo: senti uns incômodos, tem um pouco de dor, porque o recém-operatório deixa a região sensível. Demora até calejar e moldar a perna. Foi um momento em que precisei me conhecer e fiquei irritado, nem tanto por aprender a andar, porque aprendi rápido, mas tinha de sentir o joelho novo, o pé novo, confiar em algo que não era meu", definiu.
A irritação, aos poucos, deu lugar a uma sensação de liberdade e de independência, além de criar uma certeza. "No dia em que coloquei a prótese profissional e fiz a primeira corrida, a sensação de liberdade me motivou muito. Eu pensei: Quero isso o resto da vida e quero mais rápido".
"Eu acredito que muitos nascem com um talento, uma aptidão. Mas eu, no meu caso, me tornei campeão, porque nunca fui profissional em velocidade, nunca estive antes numa pista de atletismo e muito menos com uma prótese"
De Maringá para o CT
Nessa trilha, outra mudança, de ordem geográfica, foi necessária. "Para viver o novo sonho teria de ser na capital. Aqui tem investimento, recursos, estrutura. É como sair do ninho para começar a voar", comparou o atleta, que treina na estrutura de referência do Centro de Treinamento Paralímpico de São Paulo, o principal legado dos Jogos Rio 2016 para o esporte adaptado. "Trabalho firme aqui há três anos e meio, com muitas pessoas no caminho, desde o fisioterapeuta, um profissional de educação física que me deu a iniciação. Hoje, se estou no alto rendimento, é porque muitos me ajudaram".
Na opinião dele, o mais complexo no processo de ser campeão é a permanência. "É dificil permanecer no caminho, porque é longo, você tem de ser resiliente, vai ouvir muito não. Vai ter que treinar, se preparar, vai ter dia em que não vai acertar. Mas é preciso bater na mesma tecla até dar certo", disse o velocista, que tem como meta ser o primeiro de sua categoria a correr os 100m abaixo dos 12s.
Ajustes esportivos
O atletismo, na verdade, foi um processo de segunda via. Num primeiro instante, Vinicius chegou a tentar o triatlo, mas as experiências deixaram claro que a natação dele estava abaixo dos padrões competitivos exigidos. Na sequência, passou a disputar as provas de velocidade do atletismo. As primeiras experiências não foram brilhantes, mas promissoras. E aí foi a fase da insistência, física e técnica.
"Eu acredito que muitos nascem com um talento, uma aptidão. Mas eu, no meu caso, me tornei campeão, porque nunca fui profissional em velocidade, nunca estive antes numa pista de atletismo e muito menos com uma prótese. Então, tive de dominar a mecânica de correr sem um membro em alto rendimento, onde cada detalhe técnico faz diferença", avaliou.
A vaga para os Jogos Rio 2016 não veio, mas hoje Vinicius tem no currículo o título mundial de 2017 nos 100m da Federação Internacional de Amputados e Cadeirantes (IWAS, na sigla em inglês), além de ser recordista e campeão brasileiro. Está entre os dez melhores do mundo em provas de velocidade de sua categoria e tem grandes chances de integrar a seleção nos Jogos Paralímpicos de Tóquio, em 2020.
Gustavo Cunha, rededoesporte.gov.br