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Boxe

07/08/2021 12h28

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Com nocaute impressionante no último round, Hebert Conceição conquista o ouro para o Brasil no boxe

Baiano de 23 anos perdia a final por unanimidade para rival da Ucrânia e só seria campeão caso derrubasse o oponente. Vitória foi a concretização de um sonho que seu treinador teve poucas horas antes da luta

Há duas histórias a serem contadas sobre a incrível vitória do boxeador Hebert Conceição neste sábado (07.08), que transformou um jovem baiano de 23 anos em um campeão olímpico em Tóquio. A primeira diz respeito a um triunfo que parecia impossível de ser conquistado no ringue, tamanha eram as adversidades com as quais o brasileiro se deparava no combate final da categoria médio (69-75kg). A segunda é, literalmente, a concretização de um sonho impressionante que levou às lágrimas Amônio Silva, um dos técnicos de Hebert no Japão, horas antes de o boxeador brasileiro começar o duelo que mudaria para sempre sua vida.

Eram 2h45 da madrugada no Brasil quando Hebert Conceição surgiu por um dos corredores  da Kokugikan Arena, o tempo do sumo no Japão que foi convertido na casa do boxe nas Olimpíadas. Os nove minutos mais importantes de sua vida estavam prestes a começar.

Hebert vibra após nocautear o rival ucraniano: emoção indescritível. Foto: Rodolfo Vilela/rededoesporte.gov.br
"Eu estou carregando no meu peito a bandeira do Brasil e estou representando toda a nação. E a nossa nação está passando por um momento muito difícil com essa pandemia. Eu fico muito feliz de poder estar premiando todos com uma medalha de ouro, porque em um momento tão caótico qualquer sorriso é válido"
Hebert Conceição, boxeador e campeão olímpico

Durante toda a caminhada, Hebert não tivera vida fácil em Tóquio. Nas duas primeiras lutas ele conquistara vitórias apertadas sobre o chinês Erbieke Tucheta e o cazaque Abilkhan Amankul, ambas por 3 x 2, e apenas diante do russo Gleb Bakshi, o atual campeão mundial, o brasileiro havia conseguido se impor no ringue para construir um triunfo com menos estresse, pelo folgado placar de 4 x 1. Mas restava um último compromisso, contra um rival igualmente perigoso: o ucraniano Oleksandr Khyzhniak, campeão mundial em 2017 e duas vezes campeão europeu (2017 e 2019).

Quem conhece o boxe olímpico sabe bem de duas regras que não costumam ser quebradas nos Jogos: o lutador que vence os dois primeiros rounds por unanimidade quase nunca deixa o ringue derrotado e os combates raramente são decididos por nocaute.

Assim sendo, não é exagero imaginar que no corner de Oleksandr Khyzhniak a equipe do ucraniano praticamente já podia enxergar o ouro no peito de seu boxeador e vislubrar a cena da bandeira da Ucrânia sendo hasteada ao som do hino do país quando o terceiro e último round começou.

Dono de um estilo agressivo, o rival procurou o combate desde o início e Hebert não conseguiu espaço para aplicar seu boxe no primeiro round, que terminou com vitória de Khyzhniak por um placar de 10/9 de todos os cinco árbitros. A história se repetiu no segundo round, só que com uma diferença: a vantagem do ucraniano ao final foi ainda maior e ele venceu por 10/8 na opinião de todos da mesa julgadora.

Desta forma, o cenário não poderia ser mais desvantajoso para Hebert Conceição. Com um histórico muito pequeno de nocautes na carreira, ele precisaria levar o rival à lona se quisesse conquistar a medalha de ouro.

Investimentos federais

A modalidade recebeu repasse direto via Bolsa Atleta do Governo Federal de R$ 6 milhões no ciclo Rio - Tóquio, investimento que se reverteu na concessão de 431 bolsas. Seis dos sete integrantes da equipe brasileira em Tóquio são atualmente contemplados, mas os sete já receberam os recursos do programa durante o ciclo.

Foi então que, com apenas 1minuto e 29 segundos de luta, um potente cruzado de esquerda atingiu o queixo de Khyzhniak, fez o ucraniano perder os sentidos e ir ao chão. O golpe significou o fim da luta e marcou o nascimento de mais um herói do esporte brasileiro. Hebert Conceição havia se transformado em um campeão olímpico. E aqui vale uma ressalva: o nocaute do brasileiro foi apenas o segundo de todas as 24 lutas do peso médio nas Olimpíadas de Tóquio.

“O atleta que eu enfrentei tem um jogo muito difícil de trabalhar. Ele é um cara muito forte, é um cara muito intenso e é espetacular ver a forma física que ele sempre apresenta nas lutas”, elogiou Hebert.

“É um lutador que eu respeito muito, mas eu sabia da minha capacidade também. Eu treinei muito, levei muito a série todo o trabalho que foi passado durante todo o ciclo. Eu já tinha perdido dois rounds e, apesar da pontuação ser adversa, eu sabia que em três minutos dava para mudar ainda com um nocaute. Se vocês observarem no início do round eu já fui para a luta franca. Eu falei: ‘se eu tomar um nocaute aqui não interessa. Já está perdido mesmo. Então eu vou buscar o meu’. Eu sabia que na trocação era loteria e que bom que eu consegui conectar um bom cruzado. É um golpe que eu treino muito e fui premiado com esse lindo nocaute na final olímpica. Essa medalha de ouro é do Brasil”, continuou Hebert, que, assim como fez Isaquias Queiroz, ouro na canoagem velocidade, dedicou a conquista a todos os brasileiros que perderam familiares e pessoas queridas para o covid.

“Apesar da medalha estar aqui no meu peito, existem muitas pessoas que me ajudaram nesse processo e existem muitas pessoas que mandaram energia positiva. Eu estou carregando no meu peito a bandeira do Brasil e estou representando toda a nação. E a nossa nação está passando por um momento muito difícil com essa pandemia. Eu fico muito feliz de poder estar premiando todos com uma medalha de ouro, porque em um momento tão caótico qualquer sorriso é válido. Então, fico feliz por proporcionar um momento de felicidade em meio a tanta tristeza que a gente passa em nosso país”, afirmou o campeão.

Hebert contou ainda que, apesar de as Olimpíadas terem sido disputadas sem público, ele sentiu muito o apoio de toda a torcida brasileira e que isso foi determinante para a conquista do ouro.

“Tinha muito brasileiro mandando energia positiva, torcendo para que aquele nocaute viesse no último round. O pessoal no ginásio também enviou muita energia, gritou e me incentivo muito, e eu acreditei que eu podia. Eu não sou um atleta nocauteador. Mas também temos que treinar golpes encaixados para, em situações como essa, ter outras armas e outros planos para poder executar. Não imaginava que seria da maneira que foi em uma final olímpica, mas o nocaute veio de uma maneira muito linda, em um momento que eu precisava, e eu só tenho que agradecer”.

Ouro forjado com reação impressionante. Foto: Rodolfo Vilela/rededoesporte.gov.br
"Não imaginava que seria da maneira que foi em uma final olímpica, mas o nocaute veio de uma maneira muito linda, em um momento que eu precisava, e eu só tenho que agradecer"

Sonho realizado

Dizer que uma medalha de ouro é a realização de um sonho é um dos clichês mais comuns nos Jogos Olímpicos. Mas a conquista de Hebert foi marcada por um sonho completamente diferente e que se tornou real.

Eram cinco e meia da madrugada deste sábado no Japão quando o baiano Amonio Silva, um dos treinadores da equipe brasileira de boxe em Tóquio, acordou emocionado. Ainda afetado pelas imagens do que ele acabara de sonhar, Amonio sentou-se à beira de sua cama e caiu em um choro emocionado.

Na cama ao lado, Leonardo Macedo, também treinador do time brasileiro, dormia. Ao acordar com o barulho e encontrar o amigo aos prantos Leo se assustou e perguntou o que estava acontecendo. Então, ele ouviu de Amonio o relato de um sonho incrível, que em breve Hebert tornaria real.

No sonho, Hebert Conceição havia nocauteado Oleksandr Khyzhniak depois de ter sofrido muitos golpes duro do ucraniano.

“Desde o dia que confirmamos que o ucraniano seria o adversário do Hebert que eu e o Leo ficamos o dia inteiro vendo os vídeos das lutas dele. Ontem (sexta-feira) ficamos a tarde inteira vendo os vídeos. Fomos dormir duas da manhã assistindo lutas dele. Todas as lutas que você imaginar a gente assistiu. Eu estava preocupado com a luta, pois sabia que era uma luta difícil para o Hebert. E de tanto pensar nisso eu acabei sonhando. Eu cochilava e sonhava com o Herbert. E quando foi cinco e meia da manhã eu acordei e comecei a chorar. Quando o Leo acordou e perguntou o que foi, eu falei: ‘Leo, eu tive um sonho com o Hebert. Sonhei com ele nocauteando o ucraniano”, contou Amonio.

O campeão olímpico só soube do sonho depois de tê-lo concretizado no ringue. E então ele e Amonio choraram juntos.

Amonio (o mais baixo de camisa azul) se emociona após a vitória de Hebert: treinador sonhou com nocaute na final. Foto: Rodolfo Vilela/rededoesporte.gov.br
"Só o abracei (o técnico Amonio) e a gente chorou juntos, porque ele sabe da nossa luta. Eu não luto sozinho. Muita gente luta com a gente e sonha junto e eu só queria agradecer pelo incentivo dele e por todos os ensinamentos. E que bom que o sonho dele virou realidade e que eu estive presente nesse sonho com esse lindo ouro"

“É incrível como as coisas acontecem. Eu fiquei surpreso quando ele falou e os técnicos confirmaram. Eu não soube o que falar na hora. Só o abracei e a gente chorou juntos, porque ele sabe da nossa luta. Eu não luto sozinho. Muita gente luta com a gente e sonha junto e eu só queria agradecer pelo incentivo dele e por todos os ensinamentos. E que bom que o sonho dele virou realidade e que eu estive presente nesse sonho com esse lindo ouro”, agradeceu Hebert.

Bolsa Atleta

O campeão olímpico fez questão de ressaltar que em sua caminhada até o ouro o apoio do programa Bolsa Atleta foi fundamental para que ele tenha se mantido no esporte e trilhado a carreira que foi consagrada em Tóquio.

“Eu não sei explicar o sentimento que eu tive na hora. É uma sensação de que valeu a pena todo esforço. Não foi sozinho. Passou um filme desde que eu iniciei no boxe, desde que eu fui campeão brasileiro, na primeira vez que eu comecei a receber meu Bolsa Atleta, que eu fiquei muito feliz. Foi quando eu me senti um atleta”, contou Hebert.

“Eu era um moleque muito novo e eu consegui ali desenvolver a minha carreira e levei a sério o boxe. Quando eu era mais novo eu bebia escondido dos meus pais. Depois que eu comecei no boxe eu parei de beber e foi uma coisa incrível. Com 15 anos comecei a receber o Bolsa Atleta e era a minha única e principal fonte de renda. Era quando eu conseguia somente focar nos treinamentos. Eu não precisava trabalhar com outras coisas simultaneamente aos meus treinos. Senão o meu rendimento não seria o mesmo. Então, eu sou muito grato ao programa Bolsa Atleta. O programa Bolsa Atleta apoia, mata a fome e alimenta o sonho de muitos jovens brasileiros e isso é muito importante”, ressaltou o campeão olímpico.

Hebert em dois momentos de intensa emoção: Bolsa Atleta fez parte da caminha até o ouro olímpico. Fotos: Rodolfo Vilela/rededoesporte.gov.br
“Com 15 anos comecei a receber o Bolsa Atleta e era a minha única e principal fonte de renda. Eu não precisava trabalhar com outras coisas simultaneamente aos meus treinos. Senão o meu rendimento não seria o mesmo. O programa Bolsa Atleta apoia, mata a fome e alimenta o sonho de muitos jovens brasileiros e isso é muito importante”

A medalha de Hebert Conceição representou o sexto ouro do Brasil no Japão. Horas antes, Isaquias Queiroz havia se tornado campeão olímpico na canoagem velocidade e, com isso, o Brasil estava a uma conquista de igualar o recorde de sete medalhas douradas em uma mesma edição do Rio 2016. Isso acabou acontecendo no final da noite de sábado em Tóquio, com o ouro da Seleção Brasileira masculina de futebol brasileiro, após o triunfo sobre a Espanha.

Antes deste sábado, Ítalo Ferreira, no surfe; Rebecca Andrade, na ginástica; Martine Grael e Kahena Kunze, na vela; e Ana Marcela Cunha, nas maratonas aquáticas; haviam triunfado no Japão.

Em Tóquio, o Brasil bateu o recorde de medalhas conquistadas em uma mesma edição das Olimpíadas. Até o momento, são 19 pódios no quadro de medalhas – sete ouros, quatro pratas e oito bronzes –, mas o Brasil ainda tem duas medalhas garantidas para contabilizar: uma no vôlei feminino e uma no boxe, com Beatriz Ferreira.

As cores dessas medalhas ainda serão definidas, pois tanto as meninas do vôlei quanto Bia disputam a final neste domingo (08.08). Com isso, o Brasil já soma 21 medalhas no Japão e em caso de vitórias de Bia ou do Brasil no vôlei estabelecerá, além do recorde de quantidade o recorde de ouros em uma única edição olímpica.

O sábado em que Isaquias Queiroz, Hebert Conceição e a Seleção Brasileira de futebol sagraram-se campeões olímpicos foi um dia igualmente histórico para o esporte brasileiro. Foi a primeira vez em um século de participação do Brasil nos Jogos Olímpicos que o país conquistou três medalhas douradas em um único dia.

Mas as Olimpíadas de Tóquio ainda não acabaram. O Brasil ainda tem dois ouros para buscar. Assim, no último dia dos Jogos no Japão, vale a espera. E, principalmente, a torcida!

Luiz Roberto Magalhães, de Tóquio, no Japão – rededoesporte.gov.br