Tenis de mesa
Budapeste 2019
Calderano chega pela primeira vez às oitavas de um Mundial e tem encontro com "lenda" do tênis de mesa
Assim que foi divulgada a chave do Mundial de Tênis de Mesa de 2019 e ficou desenhado o caminho potencial de Hugo Calderano, muito se falou sobre um possível confronto nas oitavas de final entre o brasileiro, número sete do mundo, e o chinês Ma Long, atual bicampeão mundial (2015 e 2017) e ouro nos Jogos Olímpicos Rio 2016. Na ocasião, tanto Hugo quanto seu técnico, Jean-René, desconversaram. "Prefiro focar minha energia no que posso controlar", resumiu o atleta carioca de 22 anos. "Nosso método é sempre avaliar jogo a jogo", completou o treinador.
A quarta-feira (24.04) de competições em Budapeste, na Hungria, contudo, selou de fato o encontro entre os dois. A partida eliminatória por uma vaga entre os oito melhores do mundo será a partir das 7h (de Brasília) desta quinta-feira, na Mesa 1 do Hungexpo, a principal da área de competição do torneio. No Brasil, a Sportv anuncia a transmissão ao vivo.
"Já joguei com ele algumas vezes e foi muito difícil. Ele tem um jogo completo. Faz tudo muito bem. Então tenho que jogar bem concentrado, ponto a ponto, sem pensar que estou jogando contra o Ma Long. Já mostrei que consigo encarar os melhores e acho que evoluí bastante em relação às outras ocasiões. Vou entrar bem preparado e espero fazer um bom jogo", afirmou Calderano.
"Já mostrei que consigo encarar os melhores e acho que evoluí bastante em relação às outras ocasiões em que joguei contra ele. Vou entrar bem preparado e espero fazer um bom jogo"
Hugo Calderano
Para garantir o posto nas oitavas de final, Calderano fez a melhor partida até agora nesse Mundial. Diante do indiano Sathiyan Gnanasekaran, 28º do ranking, não deu chances ao adversário. Com contra-ataques precisos, recepções agressivas e variações táticas, fechou o jogo em 4 sets a 0 (11/6, 11/3, 11/9 e 11/9, em 29 minutos de jogo. "Acho que venho crescendo no campeonato. A cada jogo estou me sentindo melhor e isso é muito importante numa competição desse nível", avaliou o brasileiro, que nas fases anteriores eliminou o japonês Kazuhiro Yoshimura, 50º do mundo, e o argentino Horacio Cifuentes, 100º.
O indiano, por sua vez, apenas reconheceu que não teve muito o que fazer. "Ele é um jogador muito superior. Para mim foi uma grande experiência jogar contra o número sete. Eu não tinha nada a perder. Tive uma boa performance ao longo do torneio, mas ele é de fato muito melhor. Até tive chance no terceiro set, quando abri 8 x 4, e isso poderia ter feito uma diferença se eu vencesse a parcial, mas não deu. Agora é treinar e melhorar para os próximos anos".
Um super adversário
Ele já foi chamado de "Dragão Gordinho" na infância, muito mais em função de imperativos estéticos do que por excesso de peso. Ao longo do tempo, contudo, Ma Long calou não só o bullying, como todos os críticos, e são muitos na China, um país devotado ao tênis de mesa. Depois de uma fase de desconfiança interna por não conseguir resultados individuais nos palcos mais importantes, o que lhe tirou da chave individual nos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, ele venceu tudo o que era possível.
Colecionou títulos de mais de 25 etapas do circuito internacional, venceu o Mundial de 2015, disputado na China, e repetiu a dose na Alemanha, em 2017. No meio do caminho, conquistou o ouro individual e por equipes nos Jogos Olímpicos Rio 2016, integrou a equipe campeã do Mundial de 2018 e liderou o ranking mundial de forma ininterrupta entre março de 2015 e fevereiro de 2018.
Aos 30 anos, Ma Long vive em 2019 uma fase de retomada. Em 2018, ele deu um tempo do esporte. Tornou-se pai e resolveu viver a experiência com mais intensidade. Voltou ao circuito no início deste ano e disputou dois torneios. Venceu o Aberto do Catar e foi vice-campeão da Copa Asiática.
No Mundial de Budapeste, deixou para trás o sérvio Aleksandar Karakasevic, o jovem promissos Jha Kanak, dos Estados Unidos, e nesta quarta-feira eliminou o experiente Vladimir Samsonov, da Bielorrússia. Atual 19º do mundo, Samsonov, de 43 anos, é figura frequente no top 10, mas não resistiu à diversidade de ferramentas do chinês, que fechou em 4 sets a 1, com parciais de 11/6, 7/11, 11/6, 11/3 e 11/8.
Foi até em função dessa pausa em 2018 que o encontro entre Ma Long e Calderano nas oitavas ficou possível. Como caiu posições no ranking e atualmente ocupa a 11ª posição, o chinês perdeu a condição de figurar entre os principais cabeças de chave. Assim, acabou sorteado num lado da chave que, além de Calderano, tem outros três chineses, dois deles integrantes do top 5 mundial.
ÉPICO!!! O francês Simon Gauzy eliminou o número 2 do mundo, o chinês Xu Xin, por 4 sets a 2. Com isso, a final do Mundial terá, com certeza, um atleta não chinês, já que os outros quatro estão do outro lado da chave! #ITTFWorlds2019 pic.twitter.com/h4d8bfAkgO
— Rede do Esporte (@RedeDoEsporteBr) April 24, 2019
Garantia de um não chinês na final
Antes mesmo de entrar na Mesa 1 para o jogo que valia a vaga nas oitavas, Calderano teve um motivo para celebrar. No jogo anterior ao dele, o francês Simon Gauzy, que integra a equipe do brasileiro no clube alemão Ochsenhausen, protagonizou o primeiro "momento épico" do Mundial de Budapeste. Número 34 do ranking mundial, Gauzy fez uma partida de intensidade e precisão e eliminou o atual número dois do mundo, o chinês Xu Xin, medalhista de ouro por equipe nos Jogos Rio 2016.
Mais do que tirar um chinês do páreo, Gauzy determinou uma pequena revolução na modalidade. Desde 2003, no Mundial de Paris, quando o austríaco Werner Schlager se sagrou campeão, os sete mundiais individuais que se seguiram tiveram finais masculinas "puro sangue", com dois chineses no páreo. Em 2019, essa regra já foi quebrada pelo francês. Isso porque, no sorteio da chave, Xu Xin era o único chinês no lado de baixo da tabela. Todos os outros quatro estão do lado de cima. Assim, o mundo assistirá, no domingo, a uma decisão em que pelo menos um dos atletas será "não chinês".
"Fico muito feliz pelo Simon, que é meu amigo, companheiro de clube. Ele estava jogando na mesa em que eu ia jogar, aí pude ver os pontos finais. Com certeza é muito bom ver estrangeiros tirando chineses. Mostra que é possível, sim, ganhar deles", disse Hugo.
Precedente promissor
Hugo não fala da boca para fora sobre a vontade de vencer os melhores, nem sobre a pretensão de superar os chineses. Embora no histórico contra os atletas do país asiático ele leve desvantagem e tenha perdido nas duas vezes que jogou contra Ma Long em torneios oficiais, o passado recente traz boas recordações ao atleta carioca.
Em 2018, quando se consolidou entre os dez melhores do mundo, ele deu exemplos do quanto pode render diante dos chineses em pelo menos duas ocasiões. Primeiro, no Aberto do Catar, quando superou por 4 sets a 0 Lin Gaoyuan, atual número 3 do mundo, e só parou na final diante de outro chinês, Fan Zhendong. Mais tarde, no Grand Finals, disputado na Coreia do Sul, em dezembro devolveu o revés a Fan Zhendong. Bateu o número 1 do mundo e eleito o melhor jogador da temporada 2018 por 4 seta a 2.
Contra Ma Long, contudo, Hugo não tem vitórias oficiais. No circuito da ITTF, foram apenas dois registros. Ambos em Mundiais por equipe. No primeiro, em 2014, no Japão, Hugo era ainda um jovem promissor, de 17 anos, e perdeu por 3 a 0. A última vez que os dois se enfrentaram foi no Mundial por equipes de 2018, em abril, na Suécia. A partida foi na fase de grupos. Calderano perdeu por 3 sets a 0, mas a Seleção Brasileira sairia da competição de cabeça erguida, eliminada apenas pela Alemanha nas quartas de final, com grandes atuações de Calderano. Foi a primeira vez que o Brasil se fixou entre as oito melhores nações do mundo na modalidade.
No Mundial de 2019, aliás, o Brasil também teve outros dois motivos para celebrar a campanha, além da trajetória de Calderano. A edição de Budapeste marcou a primeira vez que o país conseguiu classificar sete atletas para a chave principal, com os 128 melhores, e teve outro fato inédito: o país integrou o seleto grupo de seis nações que qualificaram cinco atletas para a primeira rodada da chave principal masculina. Os outros países com cinco atletas eram China, Alemanha, Coreia do Sul, Suécia e Japão.
Na trilha de Biriba e Kano
Somente dois brasileiros na história foram tão longe numa chave de Mundial. O último deles já faz 32 anos. Foi o paulista Claudio Kano, que em 1987 chegou ao grupo dos 16 melhores no torneio disputado em Nova Deli, na Índia. Antes dele, somente Ubiraci Rodrigues da Costa, o Biriba, havia feito o mesmo. Foi na edição de Pequim, na China, em 1961.
Para se ter uma ideia do quanto a inserção de um brasileiro mexe com a geografia da modalidade, Calderano é o único atleta das Américas entre os 16 melhores. O tênis de mesa costuma ser dominado por asiáticos e países europeus. A geografia das oitavas em Budapeste reúne, além de Calderano, quatro chineses, quatro sul-coreanos, dois japoneses, um alemão, um francês, um sueco, um eslovaco e um croata.
Investimentos
A delegação brasileira em Budapeste somou, ao todo, oito atletas. Desses, sete são integrantes do programa Bolsa Atleta, da Secretaria Especial do Esporte do Ministério da Cidadania, e representam um investimento estimado em R$ 274 mil por ano. Jéssica Yamada, assídua como bolsista entre 2010 a 2017, foi a única do time não vinculada atualmente ao programa. Ela saiu do país para treinar na Europa e não obteve resultados elegíveis para pleitear a bolsa nesse período.
No ciclo olímpico atual rumo aos Jogos de Tóquio, o tênis de mesa já teve 395 atletas contemplados pelo programa, com R$ 5,6 milhões em investimentos. Atualmente, há 247 inscritos, com 125 atletas olímpicos, 112 paralímpicos e outros dez no Bolsa Pódio (Calderano e nove esportistas paralímpicos).
Galeria de fotos (imagens disponíveis para download em alta resolução e uso editorial gratuito. Crédito: Abelardo Mendes Jr/ rededoesporte.gov.br)
Gustavo Cunha, de Budapeste, na Hungria - Rededoesporte.gov.br