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Tenis de mesa

30/08/2021 11h04

Tênis de mesa

Bruna Alexandre conquista prata que prova que tênis de mesa não é “ciência exata”

Mesmo com boa estratégia e execução, brasileira acabou superada pela capacidade de ‘saber sofrer’ da adversária australiana na final da classe 10 nos Jogos Paralímpicos

Se houvesse um manual prático, daqueles do tipo passo a passo, ensinando como jogar uma final no tênis de mesa em Jogos Paralímpicos, Bruna Alexandre teria sido campeã com folga na decisão da classe 10 em Tóquio, contra a chinesa-australiana Qian Yang. O checklist teria itens como:

1. Entre com a energia em alta e exalte suas qualidades. Bruna fez exatamente isso.

2. Saque bem. Bruna sacou.

3. Tenha uma recepção precisa e tire a adversária da zona de conforto. Bruna teve.

4. Ataque com variação de efeito e velocidade e desloque o adversário. Feito!

5. Faça o pedido de tempo na hora certa. Confere!

O único problema de Bruna é que esporte em geral e o tênis de mesa no específico não vivem de matemática. Do outro lado da mesa no Ginásio Metropolitano de Tóquio estava uma atleta do tipo que “sabe sofrer”. Vice-campeã paralímpica pela China nos Jogos de 2012 (Londres) e de 2016 (Rio de Janeiro), Qian Yang não perdeu a confiança quando viu o placar adverso em 4 x 8 no primeiro set. Um contra-ataque aqui, uma recepção diferente ali, uma sequência longa de troca de bolas que termina com a ajuda da rede, e o placar estava ali, em 10 x 9 para a brasileira.   

Bruna se tornou a primeira brasileira finalista do tênis de mesa paralímpico.Foto: Helano Stuckert

Bruna sabia da importância da parcial. Mesmo ciente de que o atleta só tem um pedido de tempo no jogo inteiro, parou ali a partida. Ganhou um minuto para escolher com o técnico Celso Toshimi a melhor opção de saque e a jogada que faria na sequência para. Pensou, executou e foi superada na troca de bolas. E viu a adversária, que migrou da China para a Austrália no ciclo Rio – Tóquio, fechar em 13/11 na sequência.

“Eu tentei o máximo possível fazer uma grande variação e isso deu certo por um tempo, mas depois ela passou a mudar o ritmo da bola. Lento, rápido, e começou a me deslocar nas trocas, para um lado e para o outro. Ela foi mais regular e esperta nos momentos mais decisivos”
Bruna Alexandre

A brasileira voltou ao manual. Tinha lá o seguinte item: perdeu um primeiro set que era muito seu? Apague o registro da memória e volte com a mesma intensidade. Bruna atendeu a diretriz. Em seu melhor momento na decisão, acertou quase todos os golpes, defendeu com precisão e deslocou a adversária: 11 x 6.

A partir daí, contudo, o que valeu foi uma linha fina escondida no pé da página do livro de instruções. Dizia algo assim: “cuidado para não deixar seu jogo, mesmo que eficiente, ficar previsível, na zona de conforto da adversária”. Quando Bruna percebeu isso, o terceiro set já tinha ido embora em 11 x 7 e a última parcial estava 7 x 2 para a adversária.

Aí Bruna jogou fora de vez a publicação. Buscou no coração mesmo a última força que tinha internamente e empatou a partida em 8 x 8 e em 9 x 9. Mas faltou algo mais. E a chinesa confirmou seus dois saques para selar a partida em 3 x 1, com 11/9 na última parcial, em 32 minutos de jogo.  

“Eu tentei o máximo possível fazer uma grande variação e isso deu certo por um tempo, mas depois ela passou a mudar o ritmo da bola. Lento, rápido, lento, rápido, e começou a me deslocar bastante nas trocas, para um lado e para o outro. Ela foi mais regular e mais esperta nos momentos mais decisivos”, afirmou Bruna, já com a medalha de prata no peito, mas com aquela sensação amarga que o segundo lugar deixa.

“Tanto uma quanto a outra têm uma variação de jogo muito grande, entre efeito, velocidade e o local dos golpes. Foi um jogo muito tático, poderia ter pendido para qualquer lado mesmo, mas acredito que a variação da australiana-chinesa foi um pouquinho maior. Ela aproveitou melhor as poucas oportunidades que a Bruna concedeu. Tentamos todas as maneiras e recursos para tentar tirar a bola da "mão " da chinesa”, mas não foi possível, comentou o técnico Celso Toshimi, da seleção brasileira. 

Um dos bronzes ficou com a tetracampeã Natália Partyka (2004, 2008, 2012 e 2016), que perdeu em Tóquio a primeira partida em Jogos Paralímpicos desde 2004. A derrota foi exatamente para chinesa-australiana que terminou campeã, na semifinal. O outro bronze foi para Tien Shiau Wen, de China Taipei. 

Caminho de Bruna em Tóquio

Bruna 3 x 0 Melissa Tapper (Austrália) - 11/7, 11/2 e 11/6
Bruna 3 x 0 Yu Lin Tzu  (Taipei) - 11/8, 11/8 e 11/7
Bruna 3 x 1 Wen Tien Shiau (Taipei) - 12/14, 11/6, 12/10 e 11/7
Bruna 1 x 3 Qian Yang (Austrália) – 11/13, 11/7, 6/11 e 9/11

Bruna com a prata no peito: amargo, mas histórico. Foto: Helano Stuckert/ rededoesporte.gov.br

Amargo mas histórico

Tanto Bruna quanto Toshimi sabem, contudo, que o segundo lugar conquistado em Tóquio tem caráter histórico e simbólico para Bruna e para o tênis de mesa brasileiro. Depois de se consolidar como a primeira mulher medalhista na modalidade, com bronzes no individual e por equipes nos Jogos Rio 2016, ela subiu um degrau em Tóquio e agora é a primeira e única mulher finalista do tênis de mesa paralímpico nacional.

“Eu queria fazer tudo o que era possível para não ter arrependimento depois. Mais leve, passei a jogar mais em cima da mesa. Depois de 20 anos jogando de um jeito, mudei muitas coisas. Acreditei no trabalho com o Paulo Molitor e ele confiou em mim. Hoje vejo que foi uma aposta muito certa”

Pessoalmente, para a catarinense de 26 anos, o resultado prova adicionalmente que uma aposta que ela fez consigo mesma lá em 2018, ao ser eliminada do Campeonato Mundial da Eslovênia nas quartas de final, teve repercussão. “No Mundial em 2018 eu perdi nas quartas e estava com 20 quilos a mais. Eu me larguei um pouco mesmo, para falar a verdade. Aquilo me deixou muito mal”, disse.

A sensação ruim se transformou em atitude. Bruna procurou a nutricionista responsável pelo trabalho com a seleção de boxe. Fez um trabalho intenso. Emagreceu 20 quilos. Passou a treinar no Centro de Treinamento Paralímpico, com o técnico Paulo Molitor, também da seleção brasileira. E mudou radicalmente seu estilo de jogo.

“Eu queria fazer tudo o que era possível para não ter arrependimento depois. Mais leve, passei a jogar mais em cima da mesa, e não lá atrás, como antes. Depois de 20 anos jogando de um jeito, mudei muitas coisas. Acreditei no trabalho com o Molitor e ele confiou em mim. Hoje vejo que foi uma aposta muito certa”, afirmou.

“É amarga a sensação agora porque foi uma derrota triste, por ter tomado aquela virada no primeiro set, mas estou satisfeita com a minha evolução técnica e física. Estou feliz de ter visto que meu esforço todo nesses anos valeu a pena. Do Rio para cá evoluí muito. Espero ficar cada vez melhor para Paris 2024”, disse.

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Bruna e o técnico Celso Toshimi: estratégias pensadas em conjunto. Foto: Helano Stuckert/ rededoesporte.gov.br


Página virada

Bruna não terá nem muito tempo para lamentar. Ela é integrante da equipe brasileira das classes 9 – 10, ao lado de Jennyfer Parinos e Danielle Rauen. A estreia, já na fase de quartas de final, será contra a Turquia, na noite de terça-feira, 31.08, a partir das 22h, no horário de Brasília. “É isso. Amanhã já vou estar melhor, até porque vou jogar equipe e quero ajudar minhas parceiras, que são minhas amigas”, disse.

Sobre o fato de agora haver chinesas naturalizadas na Austrália e as chinesas “oficiais” na disputa, ela reconheceu que será um desafio a mais. “Tem chinesa australiana, chinesa-chinesa e chinesa de Taipei. Tem de se matar para jogar ainda mais”, brincou.

Investimento

O tênis de mesa é uma das 15 modalidades em que 100% dos atletas inscritos pela seleção brasileira nos Jogos de Tóquio são integrantes do Bolsa Atleta, programa de patrocínio direto do Governo Federal. Originalmente, o país tinha 14 atletas inscritos na capital japonesa. Welder Knaff, contudo, foi cortado por resultado adverso em exame de dopagem. Os 14, em conjunto, receberam investimento direto de R$ 4,3 milhões desde os Jogos Rio 2016 via Bolsa Atleta. Na modalidade como um todo, o tênis de mesa paralímpico recebeu R$ 11,1 milhões no ciclo Rio - Tóquio, valor suficiente para a concessão de 515 bolsas.

Classificação

Os atletas são divididos em 11 classes. De 1 a 5 para cadeirantes. Quanto menor o número da classe, maior o grau de restrição de mobilidade do atleta. O mesmo critério vale para as classes de 6 a 10, voltadas para “andantes”. A classe 11 contempla atletas com deficiência intelectual.

História

A primeira conquista brasileira em Jogos Paralímpicos no tênis de mesa ocorreu nos Jogos de Pequim, em 2008. Welder Knaf e Luiz Algacir ficaram com a prata por equipes. Nos Jogos Rio 2016, a Seleção fez a melhor campanha de sua história, com quatro pódios: Israel Stroh foi prata no individual. Bruna Alexandre tornou-se a primeira brasileira a subir ao pódio na modalidade, com um bronze individual e depois com um bronze por equipes, ao lado de Jennyfer Parinos e Danielle Rauen. O Brasil ainda levou outro bronze por equipes, com Iranildo Espíndola, Guilherme Costa e Aloísio Lima.

Gustavo Cunha, de Tóquio, no Japão – rededoesporte.gov.br