Você está aqui: Página Inicial / Notícias / Agora é legítimo: Bruno Fratus está felizão!

Natação

01/08/2021 05h18

TÓQUIO 2021

Agora é legítimo: Bruno Fratus está felizão!

Cinco anos após o desapontamento no Rio 2016, o nadador conquista o bronze nos 50m livre em Tóquio e escreve seu nome na história dos medalhistas olímpicos do Brasil

São 8h43 de uma ensolarada manhã de domingo em Tóquio. A brisa quente do verão no hemisfério norte começa a tomar conta da capital japonesa, que em breve se transformará em um forno a céu aberto.

Alheio ao clima do lado de fora do Centro Aquático de Tóquio, Bruno Fratus deixa a sala em que estava e, sozinho, caminha pelos corredores de um centro de competições vazio, um lugar que deveria estar tomado por milhares de torcedores, mas que, por força da pandemia, manteve a distância todos os que queriam ver de perto o principal espetáculo do esporte.

Bruno Fratus: alívio e felicidade. Foto: Satiro Sodré/CBDA
“É o poder da perseverança. Nascido e crescido no Brasil você aprende a ser perseverante, a ter raça desde muito cedo"
Bruno Fratus, nadador e medalhista olímpico

Bruno vai até a piscina e para em frente à Raia 3. Não havia outro atleta ali, dentro ou fora da água. Com apenas ele mesmo como companhia, Fratus se reserva alguns minutos. Em menos de duas horas estará de volta, desta vez para disputar a prova que pode ser a mais importante de sua vida: os 50m livre de mais uma edição de Jogos Olímpicos.

“Eu precisava viver o meu mundo um pouquinho. Eu precisava estar isolado na minha própria dimensão. Eu vou afunilando quando vai chegando na competição e tirando cada vez mais coisas que não importam muito e priorizando o que é prioridade. Hoje foi o último momento ali, eu e a piscina. E acabou. Eu e a minha raia. Eu tinha que atravessar aquela raia”, recorda o nadador.

Cinco anos atrás, na disputa da mesma prova nos Jogos Rio 2016, Bruno vivia uma expectativa diferente. Diante da torcida brasileira, ele esperava chegar ao pódio e comemorar a conquista da medalha em grande estilo. Entretanto, os planos mudaram rapidamente em questão de minutos. E o mesmo aconteceria com sua vida nas semanas seguintes de uma maneira impensável.

O sexto lugar nos 50m livre no Rio tirou Bruno dos eixos. Ao sair da piscina e ser indagado sobre como se sentia, ele foi rude com a repórter. “Está chateado?”, ela perguntou. “Não, estou felizão! Pô, fiquei em sexto...” respondeu Fratus, irônico. Ele ainda voltaria para uma nova entrevista, desta vez para pedir desculpas pessoalmente para a repórter, mas o estrago estava feito. Daquele momento em diante sua estrada o levaria ladeira abaixo.

O sentimento de fracasso e as críticas sofridas por todos os lados devido à reação intempestiva na primeira entrevista após a prova no Rio atingiram o carioca de Macaé, então com 27 anos, duramente. E foi uma situação que ele não soube lidar. Os Jogos na capital fluminense fizeram nascer alguns novos heróis do esporte para o Brasil. Bruno, por outro lado, sairia dali estigmatizado como um bad boy, uma espécie de vilão das piscinas.

Com a esposa e treinadora Michelle Lenhardt. Fotos: Satiro Sodré/CBDA
“Sou o atleta mais sortudo e mais abençoado da face da terra porque eu tenho pais que me incentivaram desde o primeiro momento da minha carreira e eu sou treinado pela minha esposa e pelo meu melhor amigo”

“Foram cinco anos, desde o Rio, lidando com essa inquietude, com essa ansiedade. Dois meses depois do Rio eu estava na pior depressão da minha vida, considerando sumir completamente da face da terra, se é que vocês entendem”, revela Bruno, com franqueza, ao falar sobre os momentos que viveu após os Jogos no Brasil.

“Até hoje recebo comentários. Houve vezes que tive que trocar de número porque eu recebia mensagem de galera nada a ver, falando um monte de besteira. Foram vários adjetivos e pessoas falando o que eu iria ser e o que não iria ser. Isso é algo que, quando você está para baixo, te pisa ainda mais. Te empurra ainda mais”, prossegue.

Então, semanas depois de entrar na depressão, Bruno Fratus sentiu um clique. E a vida voltou aos eixos de novo. “O que fiz para me reerguer foi querer me reerguer. O primeiro passo para você ser ajudado de fato é querer ser ajudado. E escrevam isso por favor, porque isso pode fazer a diferença para alguém que não esteja conseguindo ser ajudado. E tem o amor, o diálogo, a compreensão”, ensina. “Fui salvo pelo amor dos meus pais, da Michelle (a esposa e treinadora, a ex-nadadora Michelle Lenhardt, que disputou as Olimpíadas de Pequim 2008) e  fui salvo pela amizade e amor do Brett”, cita, referindo-se ao técnico e melhor amigo, Brett Hawke, que também treinou Cesar Cielo.

A redenção em Tóquio

Assim como o mundo dá voltas, o esporte muitas vezes dá uma segunda chance àqueles que estão dispostos a aceitar o desafio. Precisamente uma hora e treze minutos depois da solidão à beira da piscina, Fratus estava de volta, desta vez em pé em cima do bloco, aguardando a hora de partir para a prova em Tóquio. 

Foto: Satiro Sodré/CBDA
“Eu estou muito feliz. Aliás, eu estou felizão! Mas, acima de tudo, eu estou muito grato”

Os oito postulantes ao pódio da disputa mais rápida da natação lançam-se. Na raia 4, o fenômeno norte-americano Caeleb Dressel assume a liderança. Em 21s07 ele bate a mão do outro lado e estabelece um novo recorde olímpico, superando a marca de 21s30 que desde os Jogos de Pequim 2008 pertencia a Cesar Cielo. Aos 24 anos, Dressel fechou a participação em Tóquio com cinco ouros – 50m livre, 100m livre, 100m borboleta (com recorde mundial), revezamento 4 x 100m livre e revezamento 4 x 100m medley.

O próximo a chegar, com 21h55, é o francês Florent Manaudou, campeão da prova em Londres 2012. E, logo depois, com 21s57, Bruto Fratus cumpre a missão a que se propôs quando decidiu que seria um atleta de alto rendimento. Ele, agora, era um medalhista olímpico.

“Como dizia o sábio: Estou felizão!”, brinca o medalhista de bronze, arrancando risos dos jornalistas. Ao ser indagado sobre o que sentiu ao receber a medalha, Bruno deu várias respostas em uma. “É o poder da perseverança. Nascido e crescido no Brasil, você aprende a ser perseverante, a ter raça desde cedo. Desde muito novo eu nunca fui o mais alto, o mais forte. Estava sempre mudando de cidade por causa do trabalho do meu pai, sempre sendo o moleque novo no colégio, por vezes era vítima de bullying por ser o moleque mais novo que nunca fazia parte do grupinho, da panelinha. Mas me achei na natação, me achei no esporte. O esporte que muda a vida, que melhora a vida, que educa, que ensina a ser cidadão, que ensina infinitos valores. Está soando um pouco demagogo, mas é a verdade. É o que sinto. Tudo o que eu sou eu devo à natação, tudo o que eu sou eu devo aos percalços que apareceram no caminho”, detalha.

Depois veio a hora dos agradecimentos. Um obrigado generoso a todos os que o acompanharam na caminhada até o pódio olímpico. “Eu sou só o cara que sobe no bloco e dá o tiro. Mas tem centenas de pessoas a agradecer. Muita gente do COB (Comitê Olímpico do Brasil), muita gente da CBDA (Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos), muita gente do Minas Tênis Clube, e, publicamente aqui, eu queria agradecer dois caras. Um é o Cesar (Cielo), que mostrou que era possível há uns anos atrás. No começo da minha carreira, se eu não tivesse tido a oportunidade de treinar e competir tantas vezes do lado daquele que acho que é o melhor velocista da história, eu não teria chegado aqui hoje. E eu queria agradecer pontualmente ao Chefão”, disse, referindo-se à Fernando Scheffer, que conquistou a medalha de bronze em Tóquio nos 200m livre.

“Fernando Scheffer mostrou essa semana que era possível. Por várias vezes, quando eu estava ansioso, eu falava: ‘Vamos aí. O Chefão fez e você faz também!’ Somos parceiros de clube, parceiros de Minas, parceiros de equipe. E, claro, tem outro. Eu disse uma vez que não tenho ídolo, mas vou usar a palavra aqui, meu ídolo supremo, o cara que mais admiro, que cresci vendo: o Fernando Scherer. Esse mostrou que era possível há décadas”, prossegue, referindo-se a Xuxa, bronze nos 50m livre em Atlanta 1996 e bronze no revezamento 4 x 100m livre em Sydney 2000.

“Tem a Michelle, minha esposa, com certeza. O que ela me falou antes da prova fez absolutamente toda a diferença”, destaca, referindo-se ao fato de a companheira ter dito para ele simplesmente aproveitar a prova. “Então, tenho a agradecer muito a ela e aos meus pais, que também sacrificaram muita coisa. E tem o Brett Hawke, meu melhor amigo e meu técnico, que estava mais ansioso que eu”, conclui Fratus.

Apoio na caminhada

Profundo conhecedor da natação, o técnico Alex Pussieldi explica que o bronze de Bruno Fratus em Tóquio é uma recompensa por uma carreira marcada pelo sucesso e por uma regularidade de performance jamais vista nos 50m livre.

Foto: Satiro Sodré/CBDA
“Você ter o apoio financeiro direto ao atleta é algo muito importante. Tem que haver uma manutenção sempre desses tipos de programas e surgir com programas novos, ir aprendendo ao longo do caminho para que a gente possa ser uma potência olímpica. Mas não para ganhar medalha, para ser uma potência olímpica por si só. Mas para ter o esporte como ferramenta educacional, como ferramenta de formação, que forma cidadão e que ensina valores”

“O resultado dele hoje é simbólico”, sentencia Pussieldi.

“E por quê? Primeiro: é a terceira final olímpica dele. Ele e o Florent Manaudou são os caras que estão na terceira final. Mas, mais do que o Manaudou, o Bruno está completando 11 anos no top ten do mundo. Nenhum nadador fez isso. Nem o Cielo. Ele ficou 11 anos entre os dez melhores nadadores do mundo nos 50m livre. E ele foi finalista e medalhista das provas de 50m livre nos Mundiais Kazan 2015, Budapeste 2017 e Gwangju 2019. Então, há uma constância grande nesse aspecto. Nunca ninguém nadou mais vezes abaixo dos 22 segundos do que ele. Ele tem 90 vezes. Quem chega mais próximo é o Nathan Adrian (campeão olímpico e mundial), que nem está aqui, que tem 65. Então, ele é um cara muito regular. Essa prova é muito importante para ele e para a natação brasileira e é um resultado que consagra uma carreira belíssima”, ensina o treinador.

Citados os apoios dos familiares e amigos, Bruno Fratus reconhece também que sua caminhada rumo ao pódio contou com o apoio do Bolsa Atleta do Governo Federal. Ele, que foi apoiado neste ciclo olímpico em 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021 com a Bolsa Pódio, a mais alta categoria do programa, diz que iniciativas como essa são fundamentais.

“Faz bastante diferença da forma mais básica, porque diz respeito a você ter tranquilidade para treinar. Ninguém consegue ter tranquilidade para treinar e competir se está faltando alguma coisa dentro de casa”, diz Fratus. “Você ter o apoio financeiro direto ao atleta é algo muito importante. Ao mesmo tempo que você tem algumas outras iniciativas, como a Lei de Incentivo ao Esporte, e me desculpa se eu não estou familiarizado com alguma outra. O Bolsa Atleta e a Lei de Incentivo são as que estão mais próximas da gente e as que a gente é mais familiarizado. Desde a tranquilidade que isso dá ao atleta até o desenvolvimento de estruturas esportivas e de programas de criação, isso é um passo muito importante. Tem que haver uma manutenção sempre desses tipos de programas e surgir novos, ir aprendendo ao longo do caminho para que a gente possa ser uma potência olímpica. Mas não para ganhar medalha, para ser uma potência olímpica por si só. Mas para ter o esporte como ferramenta educacional, como ferramenta de formação, que forma cidadão e que ensina valores. Acho que isso é transformar a vida das pessoas, transformar uma comunidade e uma sociedade a partir do esporte”, ressalta.

No Japão, Bruno Fratus, aos 32 anos, finalmente chegou lá. Depois de uma vida dedicada à natação, ele escreve seu nome na galeria dos medalhistas olímpicos do Brasil e volta para sua casa, em Fort Lauderdale, na Flórida, com um único objetivo a curto prazo: reencontrar-se com Carlos e Harrison, seus queridos cachorros vira-latas, abrir uma garrafa de vinho e comemorar a conquista da medalha com a esposa.

“Eu estou muito feliz. Aliás, eu estou felizão!”, ele brinca, pela última vez no Centro Aquático de Tóquio. “Mas, acima de tudo, eu estou muito grato”.

Luiz Roberto Magalhães, de Tóquio, no Japão – rededoesporte.gov.br