Você está aqui: Página Inicial / Notícias / A escadinha dos centésimos de Vinícius Rodrigues rumo ao topo

Atletismo paralímpico

31/08/2021 03h54

Entrevista

A escadinha dos centésimos de Vinícius Rodrigues rumo ao topo

Fora dos Jogos Rio 2016 por uma fração de segundo, medalhista de bronze no último Mundial fica a um centésimo de ser o medalhista de ouro número 100 do Brasil em Tóquio e já projeta Paris

O paranaense Vinícius Rodrigues, de 26 anos, ficou a uma fração de segundo de disputar os Jogos Rio 2016, no Brasil. Cresceu no ciclo para Tóquio e chegou ao bronze no Mundial de Dubai, em 2019. Em Tóquio, bateu o recorde paralímpico na eliminatória dos 100m da classe T63. Era um dos favoritos na decisão. Mas novamente o microponteiro do relógio lhe pregou uma peça. Por um centésimo de segundo, deixou de ser o centésimo medalhista de ouro da história do Brasil em Jogos Paralímpicos.

Sai de Tóquio com a prata, numa prova que concluiu em 12s05. Uma marca que seria novamente o recorde paralímpico, não fosse o fato de o russo Anton Prokhonov ter terminado o percurso com 12s04. "Eu sempre falo que o atletismo é um esporte de sniper, em que a gente não pode errar. Fiquei a um centésimo da glória, mas foi uma estreia importante e uma corrida louca", disse.  

Nessa entrevista ao rededoesporte.gov.br, Vinicius recorda a trajetória no esporte paralímpico com "padrinhos mágicos", antecipa planos para Paris 2024, avalia a estrutura brasileira para o esporte paralímpico, reforça a importância do suporte do Bolsa Atleta em sua caminhada e revela uma surpresa que prepara para Daniel Dias.

Confira:

Vinicius logo após a prova dos 100m: sempre um olhar pelo lado positivo das coisas. Foto: Pedro Ramos/ rededoesporte.gov.br

Padrinhos mágicos

Eu tive o privilégio de conhecer o esporte por meio de uma atleta recordista mundial. A Terezinha Guilhermina me visitou no hospital quando sofri o acidente e me presenteou com o moletom que ela usou no pódio nos Jogos de Pequim. Ela também me apresentou as modalidades paralímpicas e me mostrou um vídeo do Popow [alemão Heinrich Popow campeão paralímpico em 2012].

"Eu sempre falo que o atletismo é um esporte de sniper, em que a gente não pode errar. Fiquei a um centésimo da glória. Foi uma estreia importante e uma corrida louca. Na hora fiquei com muita raiva porque não deu. Mas estou feliz porque já deixei minha marca, mostrei ao que eu vim"
Vinicius Rodrigues

Ao ver um atleta de prótese, correndo num estádio lotado, pensei: ‘Vou atrás disso aí’. Ainda no hospital, fiz todo ‘um corre’, traduzi a mensagem ‘eu quero correr, como que eu faço?’ para o alemão pelo Google e mandei para ele. Recebi um retorno na sequência.

Eu sempre tive muita fé em Deus e a minha família sempre ajudou. Mas quando as maiores autoridades no mundo paralímpico se levantaram e abençoaram a minha trajetória, eu senti que não seria à toa. Eles são os meus padrinhos mágicos. Quando eu montei na lâmina [prótese], senti que era para mim. A minha recuperação foi muito rápida, quatro meses após a cirurgia eu estava andando e no quinto mês estava ao lado do recordista mundial [Popow].

Por dois centésimos de segundo eu não me classifiquei para os Jogos do Rio e essa foi a primeira lição que o esporte me deu. E eu, como um cara positivo, sempre tento ver tudo pelo lado bom. Já no primeiro mundial [Dubai, 2019] fui bronze e agora na primeira participação em Paralimpíadas consigo a prata.

31082021_vinicius_entrevista132.jpg
A prata que Vinicius pretende fazer virar ouro nos Jogos de Paris. Foto: Pedro Ramos/ rededoesporte.gov.br


A um centésimo da glória

O peso dessa medalha é o peso da alegria. Eu sempre falo que o atletismo é um esporte de sniper, em que a gente não pode errar. Fiquei a um centésimo da glória. Foi uma estreia importante e uma corrida louca. Na hora fiquei com muita raiva porque não deu. Mas estou feliz porque já deixei minha marca, mostrei ao que eu vim. Eu tive uma mudança grande de técnica. Antes eu saía em pé e agora faço a saída de bloco, então estou evoluindo e lapidando ainda a minha performance.

"Eu sei que através do meu trabalho vai ter uma criança que vai me olhar, assim como o alemão foi espelho pra mim. Se eu não me engano, tem 1,6 milhão de pessoas com prótese no Brasil e eu sou o segundo amputado a ser vice-campeão. Como assim, num país tão grande?"

Paris 2024

Eu vou buscar o pódio sempre e terei novos desafios. Vou fazer salto em distância, uma prova que tentei no início, mas agora que consigo dominar a lâmina e tenho uma boa impulsão estou treinando mais. Vamos ver também como será o programa dos Jogos em Paris. Podem voltar os revezamentos de 200m e de 400m, aí vou colocar mais a cara na pista e, com isso, terei mais chance de medalhas.

Estrutura de ponta

Eu treino no Centro de Treinamento Paralímpico desde a inauguração do complexo. A estrutura está entre as melhores do mundo e isso reflete nos resultados que estamos alcançando aqui no Japão. É um centro de referência. A pista tem uma qualidade muito grande, temos fisioterapia, massoterapia, nutrição e psicologia tudo no mesmo local. A gente já sai do treino e já faz avaliação com o fisiologista. Temos essa estrutura no Brasil.

Vinicius durante a prova dos 100m em Tóquio: a prótese se tornou, para o atleta, um objeto de orgulho. Foto: Pedro Ramos/ rededoesporte.gov.br

Representatividade

Eu creio muito no poder do exemplo. Eu sei que através do meu trabalho vai ter uma criança que vai me olhar, assim como o alemão foi espelho pra mim. Se eu não me engano, tem 1,6 milhão de pessoas com prótese no Brasil e eu sou o segundo amputado a ser vice-campeão. Como assim, num país tão grande? O esporte, principalmente o alto rendimento, lapida a gente para qualquer coisa. Trabalhamos método, pressão, o esporte nos ajuda a crescer em várias áreas. Depois que eu me tornei deficiente teve início uma versão melhor de mim. Eu rasgo as minhas calças para mostrar a minha prótese. Ela é o meu orgulho.

100º ouro paralímpico

"Sem dúvida se não fosse pelo Bolsa Atleta, não teríamos o resultado que estamos conquistando aqui em Tóquio. Eu faço parte do programa desde 2018 e na época eu não tinha apoio algum a não ser do meu clube. Com o programa, eu consegui melhorar minhas performances, investir mais no esporte"

Essa conquista mostra que a gente é uma potência, que temos muitos talentos em todas as provas, da velocidade ao arremesso. Mostramos aqui que o Brasil não é apenas o país do futebol. E fico mais feliz ainda porque foi com o meu colega de clube [Yeltsin Jacques, campeão na prova de 1500m da classe T11 (cegos)]. Esses números são para mostrar a nossa força. Para os outros países respeitarem ainda mais o Brasil.

Homenagem ao ídolo

O Daniel Dias é uma referência. Ele tem um carisma muito grande. É uma pessoa humilde e essa lição levo para vida. O sorriso e a humildade são as características dele que mais me marcam. Estou preparando uma surpresa para quando ele sair da natação. Vai ser uma forma de homenageá-lo. Estamos com um projeto para incentivar o Dani a correr e eu serei o professor. Vou me sentir muito honrando em ensinar o maior atleta paralímpico de todos os tempos a correr.

Bolsa Atleta

Nenhum outro país do mundo tem uma iniciativa como o Bolsa Atleta. Sou muito grato. Sem dúvida se não fosse pelo programa, não teríamos o resultado que estamos conquistando aqui em Tóquio. Eu faço parte do programa desde 2018 e na época eu não tinha apoio algum a não ser do meu clube. Com o programa, eu consegui melhorar minhas performances, investir mais no esporte.

Nesse período atípico, com o coronavírus, o que me segurou foi o Bolsa Atleta. Por meio do programa podemos ficar tranquilos e trabalhar durante todo esse período em paz. Se não fosse pelo programa, essa medalha não estaria no meu peito. Não teria tido condição de treinar e me manter. O programa salva o esporte da base ao alto rendimento.

Cynthia Ribeiro, de Tóquio, no Japão – rededoesporte.gov.br